OPAN

Doroty Alice Muller: um sorriso para a vida

Nossa querida Dorô faleceu neste dia 3 de dezembro, de forma súbita e inesperada. Sua figura forte e sempre presente nos traz à lembrança momentos de sua trajetória marcante.

Nossa querida Dorô faleceu neste dia 3 de dezembro, de forma súbita e inesperada. Sua figura forte e sempre presente nos traz à lembrança momentos de sua trajetória marcante.

Nossa querida Dorô faleceu neste dia 3 de dezembro, de forma súbita e inesperada. Sua figura forte e sempre presente nos traz à lembrança momentos de sua trajetória marcante. Ela chegou à OPAN em 1974, para um estágio numa vila operária, próximo a Porto Alegre-RS. No ano seguinte, foi destinada ao Projeto Novo Horizonte-MT, onde a equipe estava ultimando sua atuação à frente de uma escola, pois a decisão era entregar a escola à comunidade local.

Em 1976, Dorô já está no Projeto Acre e Purus, onde com um grupo da OPAN (Rosa Monteiro e Darci Secchi) e da TVC (Marta Callovi e Giovanni Cantu), realizaram os primeiros levantamentos dos povos Kulina, Kaxinaua, Jamamadi e Apurinã, nos rios Purus e Envira, com apoio das paróquias locais. Eram os primeiros movimentos de constituição do Regional do CIMI, quando Dorô foi escolhida para integrar a equipe de coordenação da pastoral indigenista do CIMI. No ano seguinte, a atuação se estendeu para a região de Lábrea e Humaitá, procedendo a um levantamento que inclui os índios Piraha, Jiahui, Apurinã, Parintintin, Turã, Tenharin, Mura e Jamamadi. Para tanto, Dorô percorreu alguns rios, igarapés e lagos. Procurou, também, como encarregada do Regional Norte do CIMI, motivar aquelas áreas para um trabalho pastoral específico junto aos grupos indígenas. No segundo semestre de 1977, no Baixo Purus, apoiadas na sede da prelazia de Lábrea, Dorô e Marta dinamizaram o atendimento na área de saúde e apoio à cultura dos grupos Jamamadi, Apurinã e Kanamanti.

Entre 1978 e 79 certamente mudaram os planos: com o casamento com Egydio Schwade e o nascimento do primeiro de cinco filhos, a família Schwade se localizou em Itacoatiara, AM, iniciando um trabalho com os povos Wai-wai, Ixkariana e Waimiri-Atroari, implantando a pastoral indigenista na Prelazia de Itacoatiara.

Nos anos subseqüentes o casal Doroty e Egydio se integrou em diversos fóruns locais e regionais, dinamizando a comunicação entre os grupos através do Boletim CIPÓ. Paralelamente a essas atividades, foram colhendo informações, estudando e planejando os passos no rumo dos Waimiri e Atroari. Em 1985 iniciaram um trabalho escolar, conduzindo uma experiência de um programa de alfabetização na língua, durante um período de 15 meses, quando foram expulsos pela FUNAI. A questão Waimiri-Atroari viria a marcar profundamente a inserção na região, com levantamento de informações e fundação do MAREVA (Movimento de Apoio à Resistência Waimiri e Atroari), constituindo uma rede de parceiros, numa corrente a favor destes povos. Assim, o profundo compromisso com a transformação local e a inserção nas questões globais oferecem uma moldura do seu modo de vida, cabendo certamente à Dorô animar e revigorar as relações do cotidiano, com sua reflexão crítica e engajada.

Em 2009, ao festejarmos 40 anos de OPAN, tivemos a oportunidade de ouvir de Dorô a reafirmação de suas convicções e seu entusiasmo pelas causas populares e indígenas. A foto registra um momento do seminário.

“Se Deus fez as pessoas para amarmos, e as coisas para usarmos, porque amamos as coisas e usamos as pessoas?” (Bob Marley, filósofo e músico jamaicano)

Ontem, diante de uma pergunta curiosa de meu filho ainda menino sobre o pacifista Marley, encontrei esse dito simples e denso em meio aos tantos do poeta rastafári. À noite, me veio a notícia, sem mais nem porquês, que Doroti tinha partido. Passei parte da madrugada alimentando os flashes do videomemória, recortando as imagens de um corpo miúdo e gestante e um rosto, ainda que cansado, com um sorriso eterno de menina.

Não um sorriso qualquer. Um sorriso permanente, convicto em sua gentileza e humanidade. Não consigo lembrar Doroti sem um sorriso suave, harmônico com os brilhantes olhinhos azuis…

Encontrávamo-nos com pouca freqüência – a opção pela cigana vida indigenista já lançada – mas o sorriso de Doroti era de uma doçura tão iluminada que parecia sempre presente nos atos mais simples e convictos: de amamentar um filho a vociferar contra o genocídio Waimiri-Atroari perpetuado pela Hidrelétrica de Balbina. Talvez porque fôssemos, em décadas diferentes, de uma geração que ainda acreditava, quase como fé, que era possível “endurecer sin perder la ternura jamás…”. Assim era Doroti, às voltas com seus muitos curumins-germanos-pululantes… Ou ainda o é? Ou sempre será?

Não sei por que nem como se foi: importa o que fica. O eterno sorriso amoroso e convicto de Doroti, e os muitos curumins, de todas as cores, aos quais se dedicou, imprescindível, por toda a vida. Fica o sorriso. Ficam os “curumins”. Fica a Lição de Amor.

“Agora, pois, permanecem a Fé, a Esperança e o Amor… Mas o maior destes, é o Amor”

(I Epístola do Apóstolo Paulo aos Coríntios, capítulo 13…, não sei o verso, mas isto não importa…)

Rosa Cartagenes

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