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Hidrelétricas e a invisibilidade indígena

Na próxima quarta-feira, dia 19 de junho, o Conselho Estadual do Meio Ambiente de Mato Grosso (Consema) vai decidir se referenda ou não a licença prévia emitida pela Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema) em maio de 2013 à usina hidrelétrica Paiaguá (28MW), prevista para ser construída no rio Sangue, na bacia do Juruena.

Por: Comunicação OPAN

Cuiabá, MT – Na próxima quarta-feira, dia 19 de junho, o Conselho Estadual do Meio Ambiente de Mato Grosso (Consema) vai decidir se referenda ou não a licença prévia emitida pela Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema) em maio de 2013 à usina hidrelétrica Paiaguá (28MW), prevista para ser construída no rio Sangue, na bacia do Juruena. De acordo com o Estudo de Impacto Ambiental elaborado pela empresa Novo Norte Energia a pedido do empreendedor Global Energia Elétrica, a usina vai alagar 2.2 mil hectares entre os municípios de Campo Novo do Parecis e Nova Maringá, provocando uma perda de 19km de extensão no rio Sangue e dizimando pelo menos cinco espécies de peixes migratórios.

Embora o projeto esteja localizado a 25km da Terra Indígena Manoki e a 29km da Terra Indígena Ponte de Pedra, a licença saiu sem a realização de Estudo de Componente Indígena, sem consulta aos povos direta ou indiretamente afetados e sem a menção da existência de populações indígenas nos estudos socioeconômicos realizados. Mais uma vez, os indígenas ficaram invisíveis.

O Sangue, como também os rios Papagaio, Verde, Buriti, Sacre, Arinos, entre outros, é formador do rio Tapajós, com águas cristalinas. Ele serpenteia territórios secularmente ocupados pelos povos indígenas do Cerrado mato-grossense, que têm em comum, na Ponte de Pedra, o local de seu mito de origem. Mas, como tantos mais nesta mesma bacia, já está totalmente loteado para a implantação de usinas hidrelétricas sequenciadas, condenando cachoeiras e corredeiras tão características da bacia do alto Juruena.

Segundo o Estudo de Inventário Hidrelétrico da Bacia do Juruena, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) em 2010, até sua foz o Sangue já tem projetadas a UHE Kabiara (241,2 MW) junto à TI Erikpatsa, UHE Roncador (134MW) e UHE Parecis (74,5MW) vizinhas à TI Manoki, além da UHE Paiaguá (28MW), PCH Inxú, PCH Baruíto e PCH Garganta da Jararaca, essas duas em operação, conforme a Aneel. A UHE Paiagua está orçada em R$ 220 milhões de reais e, segundo informações do empreendedor divulgadas durante a etapa de audiências públicas, terá 70% de seu custo bancado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

“A UHE Paiguá vai nos afetar. As pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) que já construíram nos deram uma compensação em dinheiro, mas por outro lado acabaram com os peixes, poluíram nossas águas”, considera Manoel Kanunxi, cacique-geral do povo Manoki.

Atualmente, a cerca de 30km do território Manoki, encontra-se em funcionamento parcial a PCH Bocaiuva (30MW), construída em 2007 no rio Cravari. Segundo relatam os indígenas, as duas turbinas projetadas para operar ainda não conseguem trabalhar por vazão insuficiente do rio. E, apesar de neste caso ter sido realizado Estudo de Componente Indígena (ECI) e Projeto Básico Ambiental (PBA), o povo Manoki é unânime ao afirmar que os impactos estão sendo muito mais intensos do que aquilo que havia sido previsto e informado aos índios pelo empreendedor.

“Na [PCH] Bocaiuva eu mesmo vi pacuzinho morto porque não tem oxigênio na água. Fizeram escada, mas peixe não sobe. Não existe mais peixe no rio Cravari”, disse José Paulo Araxi Irantxe, morador da aldeia Cravari. Segundo os indígenas, o sistema de transposição de peixes planejado para a usina simplesmente não funciona. “O lugar que deixaram para os peixes subirem está seco”, afirma Cleonice Nanci Irantxe.

“Esse negócio de fazer barragem é para acabar mesmo. Nós somos contra fazer essa barragem. Aqui temos dois saltos, um de 18 e outro de 20 metros de altura. Esses dois saltos são sagrados, nós não queremos mexer em nada. Eles têm que consultar o povo. O rio Cravari para lá era só peixe. Hoje você vai pescar e não pega nada. Nós sabemos o que é a natureza, nós queremos preservar. Já não temos mais peixe no Cravari, será que o povo Manoki também não vai ter mais peixe no Sangue?”, indaga o ancião Celso Xinunxi.

Além de o licenciamento ambiental estar sendo conduzido de forma pontual, sem considerar os impactos cumulativos e sinérgicos que este conjunto de usinas hidrelétricas poderá acarretar ao rio Sangue e consequentemente à bacia do Juruena, ele ignorou valores, paisagens culturais e referências patrimoniais atribuídos pelos povos indígenas à região.

Usos ignorados

Segundo Manoel Kanunxi, os indígenas realizam diversas modalidades de pescarias no rio do Sangue: submarina com máscara e ‘fisga’, feita apenas pelos homens, pesca de barco com linhada, além de pescarias para rituais de oferecimento, alimentação e recreação. “As pescarias geralmente acontecem no período da seca, quando organizamos nossas expedições. Elas envolvem muito mais que as pescarias, pois aproveitamos para buscar remédios e sementes que só existem nesta vegetação”, relata o cacique.

O povo Manoki tem uma relação íntima com a água. “Os nomes dos Manoki foram dados, em sua maioria, pelos peixes, que em tempos passados saíram da água e falaram para as mulheres grávidas como deveriam chamar seus filhos”, conta. Na língua manoki, as palavras que significam “peixe” e “homem” possuem os mesmos radicais: mja (homem) e mija (peixe).

Às margens do rio do Sangue existem pelo menos três locais sagrados para os Manoki: barreiro, taquaral e tucunzal. “No rio existe manãli, a mãe dos peixes, que será afetada porque a hidrelétrica diminui a quantidade de água. Se isso acontecer, manãli pode se vingar acabando com os peixes, prejudicando a saúde das pessoas, provocando enchentes ou secas extremas”, conta Kanunxi. Segundo ele, para os indígenas, tudo que se retira da natureza deve ser devolvido em forma de oferecimento aos espíritos. Dessa forma, a depredação ocasionada pela UHE, que não obedece a essa regra de troca, terá consequências sobre as pessoas.

Apesar de a FUNAI ter recomendado que o empreendedor realizasse uma reunião com a comunidade antes da elaboração do termo de referência para o estudo de componente indígena, os Manoki afirmam que nunca foram contactados nem pela Sema nem pelo empreendedor.

A reunião que vai decidir sobre o referendo da licença prévia da UHE Paiaguá vai acontecer no dia 19 de junho às 8h30 no auditório Plenarinho da OAB, no CPA, em Cuiabá.

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