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Esperança de um outro futuro

Iniciativas socioambientais são destaque no Festival Juruena Vivo.

Por: Keka Werneck/OPAN

Cotriguaçu, MT- Pela primeira vez no norte de Mato Grosso, o Festival Socioambiental Juruena Vivo reuniu indígenas de dez povos, indigenistas, pequenos produtores rurais, ambientalistas, servidores públicos e outros parceiros da Operação Amazônia Nativa (OPAN), que, através do Projeto Berço das Águas, realizou este evento histórico, trazendo esperança por um outro futuro.

A preocupação de todos era com os impactos dos 63 empreendimentos hidrelétricos previstos para o rio Juruena, em contraste com as diversas ações socioambientais que estão sendo desenvolvidas na região, com resultados positivos, como é o caso do próprio projeto Berço das Águas, patrocinado pela Petrobras.

A bióloga Ana Marcela Di Dea Bergamasco, gestora da Petrobras, destacou a importância de estar presente no Festival Juruena Vivo e cada vez mais perto da realidade socioambiental dos projetos que a empresa patrocina, como o Berço das Águas. “É um aprendizado sobre a conjuntura nessas localidades, muitas vezes distantes do escritório da empresa”, percebe a gestora.

A antropóloga Andréa Jakubaszko, coordenadora do Programa Direitos Indígenas da OPAN e uma das organizadoras do Festival, destaca que a intenção é contribuir para que essa prática não ignore a vida dos povos ribeirinhos e dos ecossistemas como um todo. Ela destaca também que existem diversos modelos de geração de energia e o importante é saber os prós e contras de cada um.

O Festival, realizado nos dias 18 e 19 de novembro de 2014, na Fazenda São Nicolau, da ONF Brasil, em Cotriguaçu (MT), finalizou com a articulação de uma rede, empenhada em dar continuidade à luta pela saúde da bacia do Juruena.

Berço das Águas

Artema Lima, coordenadora do projeto Berço das Águas, explicou que o objetivo principal do projeto é apoiar os indígenas na elaboração de planos de gestão territorial em quatro territórios tradicionais. “O trabalho de elaboração dos planos inclui expedições de monitoramento territorial, acompanhamento técnico para ampliação de áreas de roçado, abertura de estradas de coleta e o trabalho com sementes para o artesanato”, diz. “Fazemos também um trabalho pedagógico de fortalecimento das associações indígenas para que estas possam ter condições de acessar editais, fazer projetos próprios e gerir seus recursos de forma independente e responsável”.

O projeto acompanha indígenas dos territórios Myky, Tirecatinga, Pirineus de Souza e Manoki.

Manoel Kanunxi, cacique geral do povo Manoki, está preocupado. No rio Cravari, que corta o município de Brasnorte, há previsão de instalação de cinco Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs). “Estamos nos sentindo ameaçados”, comenta. Ele destaca que, embora desmatar seja um comportamento comum entre fazendeiros na região, os Manoki vão na contramão disso tudo. “Fizemos a sementeira e deu certo, e a gente reflorestou em vários lugares”. Ele conta ainda com orgulhoso que somente ele plantou mais de 70 pés de pequi. Afirma que o pequi está sendo uma importante fonte de renda pra os Manoki e que hoje vendem o fruto em vários municípios da região. “Estamos cuidando da pequena floresta que a gente tem. A gente cuidando da mãe natureza, a mãe natureza cuida da gente de volta, ajuda a gente”.

O presidente da Associação Myky, Yaokai Myky, avalia que o plano de gestão, finalizado em 2012, ajudou muito o seu povo a acessar e manejar melhor seu território.

Valdir Sabanê, da Terra Indígena Pirineus de Souza, acredita que o plano de gestão vai fortalecer muito a agricultura local, que é a base de renda do seu povo. Ele se preocupa com a pressão dos empreendimentos que estão chegando. “O rio já não e mais o mesmo e a água não é saudável, pois está poluída por agrotóxicos do cultivo de soja”, lamenta.

Cotriguaçu Sempre Verde

A educadora de práticas sustentáveis do Instituto Centro de Vida, Suzane Scaglia, conta que, na execução do projeto Cotriguaçu Verde, que visa promover uma nova trajetória de desenvolvimento social e econômico sustentável do município, o primeiro passo foi realizar rodadas de diagnóstico participativo, para que a comunidade conhecesse e valorizasse sua história e sua organização, além de identificar coletivamente as dificuldades e oportunidades e de cada uma.

Em um segundo momento, foram criados grupos de trabalho para a construção de planos de ação. Diz ainda que um elemento importante nessa experiência foram os intercâmbios com outros grupos e o apoio às associações comunitárias para que se fortaleçam.

Suzane apontou que, como resultado do projeto, o ICV percebeu o aumento da autoestima dos envolvidos e o auto reconhecimento como agricultor familiar, aumento da confiança na organização comunitária, a implantação de práticas agroecológicas,  segurança alimentar, geração de renda, melhoria da qualidade  de vida da comunidade, formação e fortalecimento das lideranças comunitárias, abertura de diálogo com outros setores produtivos,  intercâmbios com os indígenas vizinhos aos assentamentos e a mobilização comunitária.

O produtor rural Gerci Laurindo de Oliveira, do Projeto de Assentamento Nova Esperança, relatou que demorou um pouco para os agricultores acreditarem no projeto, mas depois que vieram os primeiros resultados, os moradores começaram a se unir e aderir à ideia. Ele diz ter descoberto que é possível trabalhar sem agredir o meio ambiente e sem usar agrotóxicos. “Fico grato pela oportunidade de mudar minha cabeça”.

Já dona Gercina Chagas, do Projeto de Assentamento Novo Horizonte, e do Grupo de Mulheres Primavera, aprimorou o manejo de vaca leiteira, frango de corte e galinha poedeira. “Estamos agora mais dispostos a aprender coisas novas”. Hoje, ela convive bem com os Rikbaktsa, da TI Escondido, inseridos na iniciativa. “Apesar das culturas diferentes, somos muito parecidos”, constata.

Pacto das Águas

O técnico agroflorestal do projeto Pacto das Águas, outro projeto patrocinado pela Petrobras na região, se orgulha ao explicar que há dois anos a organização atua pela sustentabilidade e renda de famílias indígenas da região de Juína, em Mato Grosso, e Ji Paraná, em Rondônia, sem agredir o meio ambiente.

Segundo ele, oficinas, reuniões e intercâmbio de troca de experiências têm sido constantes, na estruturação da iniciativa que chega para fortalecer os povos Cinta Larga e Rikbaktsa, Gavião e Arara. Extrativistas da Reserva Guariba Roosevelt também são atendidos pelo projeto.

O extrativista Ailton Pereira dos Santos, da Associação dos Moradores Agroextrativista da Resex Guariba Roosevelt – Rio Guariba (Amorarr), informa que essa atividade trouxe do Nordeste para Mato Grosso várias famílias que se estabeleceram em Aripuanã e Colniza, como a dele. Com o apoio do projeto é que grandes dificuldades históricas começaram a ser vencidas, como levar os produtos para o mercado. “A dificuldade era muito grande, o acesso à comunidade era muito difícil e não dava pra vender o produto direito”, relata Ailton.

A principal atividade desenvolvida na reserva extrativista é a coleta da borracha natural, castanha-do-Brasil e roças de subsistência. “Através de projetos, a gente aprendeu muito e as pessoas estão se sensibilizando, pois uma parte dos moradores da reserva queria extrair madeira, e agora já não veem necessidade disso. O projeto tem sido importante também na resistência aos madeireiros, que só pensam em retirar árvores, querendo a tora para o comércio milionário”.

Fazenda São Nicolau

Cleide Arruda, da ONF Brasil (Office National des Forêts), destacou que o histórico da Fazenda São Nicolau, sede do Festival Juruena, é em si um exemplo que desperta a esperança. Desde 1998, ou seja, em 15 anos, a ONF Brasil transformou um cenário de pastagem em área de reflorestamento misto para sequestro de carbono. A iniciativa se amplia em um programa de educação ambiental, com as crianças dos assentamentos da região e professores das escolas rurais, mudando mentalidades. Este trabalho tem a parceria do ICV, grande parceiro também da OPAN na realização do Festival Juruena Vivo.

A ONF Brasil atua junto aos agricultores, dando assistência técnica em Sistemas Agroflorestais (SAFs), e com coletores de castanha-do-Brasil. Veridiana Vieira está entre eles. Ela é presidente da Associação do Projeto de Assentamento Juruena, que conta com 35 sócios. Ela destaca que foram muitos os avanços nos últimos anos na dinâmica do trabalho de coletar castanhas, mas muito ainda há que ser feito na qualificação dos seus colegas. Segundo ela, a associação estabelece regras rígidas sobre os procedimentos da coleta e os cuidados com o meio ambiente para estimular os agricultores a terem práticas ambientalmente responsáveis.

Depois de todas essas conquistas, a ONF Brasil vai “abrir as portas da Fazenda São Nicolau para o público e parceiros, para pesquisa e novas experiências de gestão territorial e manejo florestal”, informa Cleide Arruda.

Parcerias

A Fundação Nacional do Índio (Funai) participou do Festival Juruena Vivo como parceira da OPAN. O coordenador geral de Gestão Ambiental da Funai (CGGAM), João Guilherme Cruz, lembrou que, em se tratando de preocupações ambientais, “nossas culturas (indígenas e não indígenas) podem ser diferentes, mas nossos problemas são muito semelhantes”. Na opinião dele, este encontro foi um belo exemplo de como a gestão territorial pode ser pensada em conjunto.

A coordenadora de Licenciamento Ambiental da Funai, Vivian Gladys Souza, destacou a importância de medidas preventivas, porque, segundo ela, atualmente a Funai interfere mais para mitigar ou compensar os impactos desses empreendimentos em terras indígenas. Ela destacou que o país está em “franco processo de desenvolvimento” e por causa disso muitos povos indígenas estão sendo pressionados por processos de licenciamento de empreendimentos, como gasodutos, hidrelétricas, rodovias e outros. Ela lembrou que todo o histórico de contato com povos indígenas no Brasil é decorrente de um processo de licenciamento, ou seja, sempre que se quer construir um projeto que afete os povos indígenas de alguma maneira eles são pressionados e, às vezes, de forma violenta.

O especialista em ictiologia, Francisco Machado, que participou do evento representando o Ministério Público Estadual (MPE), externou suas preocupações com as barragens. “Somente organismos que conseguem sobreviver em ambientes lênticos é que vão se sobressair. Quanto aos peixes, eu poderia citar carás de maneira geral, e o tucunaré, que é o maior deles. Mas tudo isso vai afetar e já está afetando bastante a pesca dos povos que vivem do rio e tiram deles o sustento. Quando a gente coloca uma usina em um rio, a gente muda toda a sua dinâmica”. Ele destacou, em vários momentos do evento, a seriedade das mudanças causadas pelas barragens. “Nós vamos ter a extinção de plantas e animais, se não for total, vai ser pelo menos local, além da interceptação de rotas migratórias. Qualquer reservatório, mesmo com mecanismo de transposição, escadas de peixes, elevadores, eclusas, alças, vai interferir de forma drástica na vida dos animais”.

O Festival teve apoio também da Embaixada da Noruega e da Misereor.

 

Conheça o site do projeto Berço das Águas

 

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