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Povo Manoki faz denúncias à relatora da ONU

Dados subsidiarão recomendações da ONU ao governo brasileiro.

POVO MANOKI FAZ DENÚNCIAS À RELATORA DA ONU

Dados subsidiarão recomendações da ONU ao governo brasileiro.

Por: Mel Mendes/OPAN

Brasília, DF – Representantes do povo Manoki, noroeste de Mato Grosso, reuniram-se com a relatora da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, e entregaram um dossiê com denúncias sobre violações de direitos e agressões à Terra Indígena (TI) Manoki, que vêm se intensificando com a demora da homologação de seu território. O encontro aconteceu durante agenda da relatora com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) na última quarta-feira, 16 de março, em Brasília. Os dados apresentados pelos indígenas servirão de referência para a tomada de decisões e para a elaboração das recomendações da relatora da ONU  ao governo brasileiro.

A TI Manoki localiza-se no município de Brasnorte e, de acordo com dados oficiais, já teve 20% de sua vegetação suprimida pela ação de fazendeiros e madeireiros. Ao longo dos últimos cinco anos, foram inúmeras as cartas, ofícios, fotos, vídeos e depoimentos dos Manoki encaminhados às autoridades de fiscalização e implementação da política indigenista. Todos esses documentos foram reunidos para compor o dossiê.

De acordo com José Francisco Jamoexi, liderança Manoki presente à reunião, a denúncia à ONU é uma oportunidade de dar visibilidade aos pleitos de seu povo e cobrar providências do governo federal e de outras autoridades públicas. “A gente faz o monitoramento da área, tira foto, faz denúncias para o Ibama, Funai e Ministério Público sempre, mas, infelizmente, a gente continua nessa situação. A gente corre risco, faz o que pode, mas estamos sem apoio e nem proteção do Estado. Esperamos que essa denúncia aqui para a ONU dê um bom retorno pra nós, fazendo o nosso problema ser visto e tendo influência para resolver essa situação”, afirmou.

Perspectivas de futuro e as ameaças do presente

No momento da entrega do documento, o outro representante Manoki, Sergio Teodoro, falou sobre a importância da integridade do território em um contexto de constantes ameaças. “Na nossa região o agronegócio tem avançado muito rápido. Ao redor da nossa terra já não existe mais floresta, já derrubaram tudo. Estamos lutando há mais de 30 anos por essa terra, para proteger nosso território tradicional, que é a última área de floresta da região. A gente fica muito preocupado com a demora na homologação porque a cada dia que passa mais floresta é derrubada e há mais chances de conflitos”, relatou.

Sergio Teodoro expressou, ainda, preocupações com o bem-estar e a cultura do povo Manoki. “Se isso continuar, a gente corre o risco de, no futuro, ter nossa terra de volta sem floresta. A gente precisa da floresta em pé. É de lá que a gente tira alimento, que a gente caça, para comer e para manter a cultura. Temos nossa festa tradicional, onde a gente caça para ‘oferecer’ aos espíritos. Sem floresta não vai ter caça. Precisamos da nossa terra protegida para a gente sobreviver fisicamente e culturalmente”, disse.

Os indígenas lembraram que nem só da terra vêm as ameaças aos seus direitos, citando que pelo menos sete projetos de hidrelétricas colocam em risco seu território de ocupação tradicional. “As pequenas hidrelétricas que estão ao redor da gente já geram muitos impactos. É uma área de muitos rios, que formam a bacia do Tapajós, e tem muitas usinas, algumas já prontas e outras que querem fazer, que vão destruir tudo. Aí os peixes vão desaparecendo. A gente também precisa do peixe pra sobreviver e precisa do rio vivo pra manter nossa cultura”, concluiu Sergio Teodoro.

PCH Bocaiúva, no rio Cravari, causou imapactos socioambientias irreversíveis para a comunidade Manoki. Foto:Andreia Fanzeres/OPAN.

Contribuição valiosa

Após receber o dossiê e ouvir os Manoki, Victoria Tauli-Corpuz mostrou-se fortemente sensibilizada e reforçou a importância da conclusão do processo de regularização fundiária. “Faremos um chamado urgente pela garantia do território e pelas homologações das terras com processos parados, pois isso é direito e uma proteção aos povos que estão sujeitos a todo tipo de violência. É injusto que vocês façam tanto esforço para defender o território, que é importante para toda a sociedade, mas não tenham apoio do Estado. É uma omissão muito grande, e isso não pode mais acontecer”, disse na reunião.

A relatora da ONU demonstrou preocupação com o futuro das comunidades. “A destruição dos rios e florestas, que são a base material da cultura de vocês, é muito grave. Isso é genocídio cultural porque destrói a cultura de um povo pouco a pouco. Vocês têm direito de poder repassar esses bens culturais para as próximas gerações, e isso está sendo tirado de vocês diariamente”, afirmou Victoria, destacando também a importância do dossiê elaborado pelos Manoki em parceria com a OPAN, além de e outros entregues na reunião por diferentes povos, como os Maxakali, de Minas Gerais, e os Ka’apor, do Maranhão. “Esses documentos são preciosos para nós. Serão lidos, analisados e agregados ao relatório sobre minha visita ao Brasil. Suas palavras serão referência para meu trabalho”, concluiu a relatora.

Em seu comunicado oficial sobre o fim da missão no Brasil, divulgado em coletiva de imprensa realizada no dia 17 de março, foi possível ver os primeiros efeitos das denúncias encaminhadas no dia anterior. No documento, Victoria citou seu encontro com “representantes de mais de 50 povos indígenas, incluindo os Yanomami, Maxakali, Manoki e Ka’apor” e a importância disso para a compreensão da realidade dos povos indígenas no Brasil.

Mesmo considerando o cenário preocupante, a relatora da ONU aponta caminhos para a melhoria da qualidade de vida dos povos indígenas no país, como a necessidade de superar o impasse atual relativo à demarcação de terras, “pois as soluções urgentes e vitais são possíveis, caso exista a necessária vontade política”; e a urgência de o Estado “reconhecer e apoiar as medidas proativas que vêm sendo tomadas por povos indígenas para exercer seus direitos na prática, em conformidade com seu direito à autodeterminação”.

Victoria Tauli-Corpuz e os representantes dos povos indígenas do Brasil presentes na reunião. Foto: Mel Mendes/OPAN.

Mais apoio aos Manoki

O dossiê Manoki foi entregue, ainda, à Coordenação Geral de Monitoramento Territorial da Fundação Nacional do Índio (Funai), em Brasília, que considerou o documento importante para orientar as ações de fiscalização, prioritárias para aquela região. Os indígenas denunciaram também a intensificação das ameaças à Procuradoria Geral da República (PGR).

“Esse esforço de levar as evidências de violações dos direitos humanos e territoriais do povo Manoki às esferas nacional e internacional é reflexo da necessidade urgente de pôr fim a tantas agressões simultâneas aos povos indígenas. É preciso indenizar os ocupantes de boa-fé, e interromper a onda crescente de devastação que assola a TI Manoki, com responsabilização dos infratores e o apoio da sociedade, que se beneficia diretamente com a manutenção do clima, da floresta e da cultura manoki”, diz a coordenadora do Programa de Direitos Indígenas da OPAN, Andreia Fanzeres.

Para acessar o comunicado oficial da relatora da ONU na íntegra, clique aqui.

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Mel Mendes – mel@amazonianativa.org.br

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