OPAN

Jutaí sem Funai

Por: Dafne Spolti/OPAN

Foto: Dafne Spolti/OPAN.

Jutaí (AM) – O Conselho dos Povos Indígenas de Jutaí (Copiju) representa os povos Katukina, Miranha, Kokama, Kambeba, Tikuna, Kanamari e Kulina na defesa de seus direitos, desempenhando importantes trabalhos especialmente em educação e saúde. Recentemente vem apoiando atividades para geração de renda por meio das cadeias de valor da sociobiodiversidade com o projeto “Arapaima: redes produtivas”, executado com recursos do Fundo Amazônia. Em entrevista à OPAN, realizada no mês de outubro, Francisco Peres Alves Filho, conhecido como Caju, coordenador de educação do Copiju, conta sobre o contexto e as necessidades dos povos indígenas de Jutaí e destaca as lacunas deixadas pela Fundação Nacional do Índio (Funai), ausente na região.

Dafne Spolti/OPAN – Caju, pode me contar em que momento foi fundado o Copiju e um pouco da sua história?

Francisco Peres/Copiju – A formação do Copiju foi pela necessidade da época. Em 2001, 99, a gente veio a acompanhar os processos de problemas sociais de Jutaí. A Uni-Tefé na época, a União dos Povos Indígenas, fez toda a articulação no nosso município. Ela abrangia 14 municípios e Jutaí era um deles. Fazia o controle social na saúde, educação, na questão econômica e outras. Porém, como a distância geográfica era imensa, a Uni-Tefé não dava conta. Aí houve a necessidade de criar a organização indígena de Jutaí que foi a Copiju. Em 2006 nós fundamos a Copiju junto com a Uni-Tefé para fazer esse trabalho de articulação da saúde, educação, economia e outros e até hoje a gente está aqui.

Francisco Peres em assembleia na TI Rio Biá. Foto: Dafne Spolti/OPAN.

Dafne Spolti/OPAN – O que você avalia que o Copiju conseguiu conquistar de melhorias para os povos indígenas de uma forma geral?

Francisco Peres/Copiju – O que a gente conseguiu trazer de melhoria pra população hoje foi que a gente deixou, por exemplo, flutuantes nos pontos estratégicos de vigilância [territorial] para os parentes. A gente também se uniu com as outras organizações de que somos parceiros, por exemplo, a ACJ [Associação dos Comunitários Que Trabalham com o Desenvolvimento Sustentável no Município de Jutaí], que a gente trabalhou muito na questão do manejo. Hoje os parentes tiram pirarucu e o município compra e é doado aqui mesmo. Também o que facilitou pra população e que a gente enfrenta o desafio, é com o tema Funai [Fundação Nacional do Índio]. A gente faz alguns trabalhos aqui porque a Funai não se faz presente no município. Por exemplo, em situação de conflito a gente vai lá, tenta minimizar o problema. Então são coisas que a gente percebe que facilitou pra população indígena. E a gente tem hoje acesso com a polícia, na delegacia, cartório, todos esses órgãos públicos, governamentais, a gente tem acesso e eles respeitam muito a gente. Isso aí facilitou mais um pouco pra população indígena que a gente representa. Esse é um dos pontos que a gente avalia que deu certo, que está dando certo, graças à Deus.

Dafne Spolti/OPAN – Ah, legal…

Francisco Peres/Copiju – E também na educação, como Copiju, o que facilitou hoje foi a parceria aqui no município com esse governo que está hoje aqui. A gente conseguiu fazer os trabalhos juntos e conseguimos três funcionários no núcleo de educação. A gente não sabe se vai permanecer porque quando troca de governo as coisas mudam. Mas estamos aqui.  Esse foi um dos pontos estratégicos que facilitaram para nós como Copiju, para a população, né. E outra coisa também que facilitou pra população foi em termos de benefícios. A gente trabalhou muito essa questão do benefício social. Aposentadoria, maternidade. Junto à Funai de Tefé*, deu certo.

Dafne Spolti/OPAN – Existem outros movimentos sociais semelhantes ao Copiju? Qual é a força da organização comunitária indígena em Jutaí – e extrativista também? Se você puder dar um pouco esse contexto das organizações comunitárias.

Francisco Peres/Copiju – Olha, além da organização da Copiju que é a maior de Jutaí, também tem as organizações indígenas comunitárias. Não sei se você sabe. Só que elas não funcionam, né. No Bugaio tem uma organização que começou a funcionar e parou não sei por qual motivo, mas está lá. Ontem eu fiquei sabendo que tem outra associação criada também próxima à cidade. Segundo o que o rapaz falou pra gente aqui de manhã ela está recente e está tudo organizado. Mas também ainda não se manifestou ao público.

Dafne Spolti/OPAN – U-hum…

Francisco Peres/Copiju – Bom, o extrativista também há 10 anos atrás, fazia movimento aqui. A gente via. Faziam movimento, trabalhavam com artesanato e outros, né, com a extração de borracha. Só que hoje está parado. Hoje a gente conversa com eles e o que eles conversam é que a extrativista está fragilizada. Por conta do recurso. E a gente vê mesmo que está parado. Até o momento, pelo que observo, o que está funcionando hoje é a Copiju e a ACJ também que é uma organização pra cuidar do pescado, né.

Dafne Spolti/OPAN – U-hum…

Francisco Peres/Copiju – Hoje para se fazer o manejo dentro da área indígena, a gente está fazendo parte. A gente conversa através de reunião, a gente faz uma carta de anuência aqui e manda pra Funai, a Funai envia pro Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] e o Ibama envia diretamente pra ACJ permitindo que os indígenas possam fazer o manejo do pescado, entendeu?

Dafne Spolti/OPAN – Sim, maravilha… Aí, assim, por que você avalia que aconteceu isso de outras organizações estarem um pouco enfraquecidas? Você tem uma ideia sobre isso? 

Francisco Peres/Copiju – Olha, eu conversei com alguns coordenadores dessas organizações, por exemplo a extrativista. O que eles nos falaram é que na época foi movimentado, sim. O problema é que teve umas mudanças de coordenação de um para o outro, né, de alguns recursos que eles fizeram, uns projetos, alguns deles não souberam como prestar contas, né. Esse aí foi o fim da organização deles. Por exemplo a extrativista… eu converso muito com um colega aí, ele até concorreu a uma vaga na câmara municipal, e conseguiu. Ele é um colega que conta muito a situação do extrativista, o motivo que ela foi a fundo. Foi por isso, porque o pessoal que ficou na coordenação não soube prestar contas do recurso que veio. E aí foi a fundo, né…

Dafne Spolti/OPAN – É… já até se aponta um pouco pra essa necessidade né, de se pensar melhor essa questão da gestão, de prestação… 

Francisco Peres/Copiju – É, exatamente. E assim, outra organização que eu conheci no começo, que nós começamos a trabalhar aqui no Copiju, era associação do Riozinho. Justamente essa do Riozinho também foi feito um projeto e esse projeto era a AFIB, outra organização comunitária, que executava. Parece que eles não souberam prestar contas do recurso e também foi a fundo essa associação. Até hoje ela está sem condição de fazer projeto. Então são essas informações que eu posso repassar pra você aí, Dafne.

Dafne Spolti/OPAN – Tá bom… Aí agora, mudando um pouco. A questão da Funai, que sempre foi algo central na atuação do Copiju, você me conta exatamente o que acontece? O que a Funai deveria estar fazendo e não está?

Francisco Peres/Copiju – A-ham. Bom, a Funai, o problema da Funai pra nós aqui em Jutaí é o seguinte. Quando foi feita uma reestruturação da Funai há uns anos atrás aí, dizem que pra melhorar, pra facilitar mais o trabalho, o que aconteceu? A CTL [Coordenação Técnica Local**] aqui de Jutaí – quando mudaram pra CTL – eles tiraram daqui e foi ficando em Tonantins. E lá em Tonantins eles nomearam o rapaz que poderia ficar sendo gestor da CTL em Tonantins e Jutaí. Então, com o acordo que foi feito, era para que esse gestor passasse 15 dias em Tonantins e 15 dias em Jutaí, fazendo trabalho como Funai. Mas infelizmente não deu certo. O parente não vem aqui. Ele não vem. Está com mais de ano que ele veio aqui de repente e quando ele vem a gente nem sabe. Ele vai lá pra aldeia aqui próxima no Bugaio e quando a gente pensa que não o fulano já está lá no Bugaio, já foi, e ninguém sabe qual é o papel dele mesmo. O certo da história é que a Funai está ausente demais aqui. Quem faz mesmo o papel da Funai aqui em alguns momentos somos nós como Copiju. Nós é que fazemos.

Dafne Spolti/OPAN – Sim…

Francisco Peres/Copiju – A gente faz denúncia pra lá pra Tabatinga, já fizemos umas duas, três vezes fizemos denúncia, né, e até hoje ninguém deu resposta, né. Então quem dava apoio pra nós aqui de Jutaí é a CTL de Tefé. É quem tem dado apoio pra nós aqui em termos de benefícios. E é assim que funciona a Funai de Jutaí pra nós aqui. A gente foi numa reunião em Tabatinga, eles falaram com a gente, a coordenação da Funai, que nós íamos ganhar a CTL de Jutaí, ia voltar de novo, né. Aí ficou naquela conversa. Quando foi em maio deste ano eu estive em Brasília, né, final de maio. Eu acho que você deve saber daquele movimento que houve lá…

Dafne Spolti/OPAN – Sim… o Acampamento Terra Livre…

Francisco Peres/Copiju – Isso. Eu estava lá no Acampamento Terra Livre. A gente fez a pergunta pro doutor João Pedro Gonçalves. Eu fiz a pergunta pra ele sobre a CTL em Jutaí, como é que estava. A resposta que ele me deu é que até naquele dado momento não tinha CTL aqui em Jutaí. Lá em Tabatinga diz que tem. Mas eu fico assim, estou mais acreditando na palavra do João Pedro, considerando que na época era o presidente nacional. E ele falou pra gente que não tinha CTL em Jutaí. Eu acredito que é isso mesmo que até hoje ninguém ainda veio né. E quem fica aqui somos nós aqui. Pelejando. Então é assim que funciona. É assim que está a Funai, que é ausente demais aqui a Funai.

Dafne Spolti/OPAN – A outra questão que eu queria ver é que agora vocês estão envolvidos com esses trabalhos das cadeias produtivas da sociobiodiversidade. O que é preciso pra esse trabalho dar certo na sua avaliação, na avaliação de vocês?

Francisco Peres/Copiju – U-hum. Sim. Nós fizemos essa articulação junto om a OPAN. A gente fez todo o trabalho de conversa nas comunidades sobre esse levantamento na cadeia produtiva. Não madeireiro. Então assim, até hoje me perguntaram, alguns parentes me perguntaram “e aí aquele trabalho que vocês fizeram, aquele diagnóstico sobre a sustentabilidade, como ficou?” e eu não tive resposta, né? Então pelo que eu observo o diagnóstico que nós fizemos foi bom. Todo mundo gostou das propostas. Então agora o que eu vejo assim é que tinha que funcionar, fazer funcionar, pra que o povo pudesse ver e acreditar nos nossos trabalhos, né. Eu vejo isso aí.

Dafne Spolti/OPAN – E em relação ao manejo de pirarucu?

Francisco Peres/OPAN – Com relação ao manejo de pirarucu, ele está funcionando. Todos anos o pessoal tira. Esse ano parece que nós temos uma base de 2800, quase três mil pra tirar aqui no município de Jutaí. Agora o que está dificultando pra nós, é o preço. Porque ano passado conseguiram vender a R$ 5,50 o quilo, né? E este ano o maior preço que apareceu foi de R$ 4,00. Eles sabem que pra acontecer de chegar esse produto, nós sofremos muito discutindo como fazer e eles conseguiram chamar o povo deles da comunidade pra fazer a vigilância, né, sofrendo dia e noite. Quando é uma época dessa não aparece comprador. E o que aparece é assim. Botando o preço lá embaixo. E tem necessidade às vezes, são obrigados a vender o peixe por esse preço.

Dafne Spolti/OPAN – Sim…

Francisco Peres/OPAN – Então essa é uma das coisas que a gente enfrenta aqui. A gente vai pra assembleia do Copiju agora a partir de dezembro de novo, vou levar isso de proposta, de pedir apoio do governo.

Dafne Spolti/OPAN – U-hum

Francisco Peres/Copiju – Porque… qual é a proposta que nós vamos ter do governo? Porque o governo, eles criaram as leis e a população, graças à Deus ouviu, de proteger o meio ambiente. Eles tiveram essa paciência de preservar e pescar do jeito adequado. Agora nós queríamos que o governo olhasse também e visse um meio aí, um encaminhamento sobre como escoar esse produto de forma adequada. Porque do jeito que está acontecendo pode muito bem, daqui a um ano ou dois anos, até o povo esmorecer e abandonar a vigilância porque estão falando isso. Eu trabalho tanto e está vendendo o peixe todo através do manejo e quando é na hora o preço se acaba e não tem. Então esse é o meu medo de acontecer futuramente. Se não acontecer o preço adequado, pode ser que o parente também desista, né. Aí abandona, aí fica difícil de novo a nossa situação, né.

Dafne Spolti/OPAN – Sim… Aí, uma outra coisa, se você pudesse falar quais são as necessidades mais urgentes pros povos de Jutaí, de maneira geral e aí pontuando os territórios e os povos.

Francisco Peres/Copiju – Olha, a necessidade maior sobre os territórios é que a gente precisava primeiramente, urgentemente, do estudo antropológico das terras que estão faltando demarcar. Por exemplo, nós temos duas áreas aqui. É a área Santa Helena que é uma das áreas que há muitos anos já foi feito o pedido e a Funai Brasília já tem esse conhecimento e está deixando de novo a desejar. Inclusive dentro dessa área tem até um fazendeiro que requereu aí uma parte pra criar gado e hoje ele implica com a comunidade. Tem uma comunidade aí que é vizinha com a fazenda desse fazendeiro e tem o único lago no qual eles tem a subsistência no lago todo tempo. E hoje o fazendeiro diz que a propriedade é dele.

Dafne Spolti/OPAN – U-hum…

Francisco Peres/Copiju – Por isso aí teve um conflito ano passado, aí não quiseram tirar o peixe todo, aí a gente conversou muito através de reunião e junto com ele, o fazendeiro mesmo e a ACJ, conseguimos naquele momento resolver o problema.  E assim, o que eu vejo, de coisa imediata, é que se pudesse vir uma equipe de antropólogos pra fazer estudos dessas áreas, seria melhor, daria um adiantamento no trabalho. Todo mundo ia acreditar nessas áreas que estão aí pra fazer demarcação, iam acreditar que era uma área indígena mesmo. Porque o povo tem disso, só acredita quando vê alguma coisa acontecer. Então essa é uma das coisas que a gente poderia agilizar, se fosse possível. Mas isso depende muito de governo, né?

Dafne Spolti/OPAN – Sim… Caju, tem mais alguma questão que você gostaria de colocar?

Francisco Peres/Copiju – O que eu gostaria de colocar pra gente encerrar é mais essas coisas que eu já falei. E dizer também que hoje eu estou enfrentando aqui em Jutaí, que nós estamos enfrentando enquanto organização, é que Jutaí tem alguns comerciantes – aliás todos – que ficam com cartões dos parentes né. Cartão bolsa-família, Bradesco, parece que tomam conta. Tem comerciante aqui em Jutaí, a maioria dos comerciantes, estão com os cartões de benefícios dos parentes, né, como Kanamari, Katukina e Madiha [Kulina]. Os parentes só vão ver o cartão no dia que recebem, né. Aí eles tomam conta e pronto. Eles que ficam manuseando o cartão deles a todo o tempo, né.

Dafne Spolti/OPAN – Entendi…

Francisco Peres/Copiju – Então a gente está achando que isso é uma coisa inédita que não pode acontecer né. Então, é passar pra você aí e a gente vai ficar aqui e ver como nós podemos tomar algumas providências, né, nessa situação.

Dafne Spolti/OPAN – É, parece que isso aí é uma prática que não acaba, né Caju…

É, é verdade. É isso mesmo…

 

* A Funai de Tefé não é responsável pelo trabalho em Jutaí, mas é quem contribui muitas vezes com as demandas do Copiju. 

** A CTL de Jutaí foi instituída pela portaria 1125/PRES/2014, da Funai. 

 

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