OPAN

Não um abril qualquer

Em todo país indígenas se manifestam contra decisões do governo e o clima de incitação à violência.

Por: Dafne Spolti/OPAN

Cuiabá-MT – “Querem acabar com os povos indígenas”, afirmou Damião Paridzané durante palestra da Semana dos Povos Indígenas, realizada na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) em abril. A fala lúcida resume uma conhecida ideia, disseminada aos quatro cantos neste período histórico em que já não há mais pudor em anunciar opiniões nefastas. Se a força desses grupos opressores é forte, maior ainda, porém, é a mobilização dos povos, que deram um show de vitalidade em todo o país durante o mês de abril. Nas aldeias, em pequenas cidades ou em Brasília no 14º Acampamento Terra Livre, onde enfrentaram cavalaria e bombas de gás lacrimogênio, povos de mais de 200 etnias foram para as ruas em defesa da terra e de seus direitos.

Mobilização Nacional Indígena no Acampamento Terra Livre. Foto: Giovanny Vera/OPAN.

Os indígenas estão ameaçados não apenas por propostas que tramitam no legislativo, como a PEC 215, mas por uma sequência de medidas do poder executivo: a nomeação de um ruralista e um pastor – agora exonerado – para o Ministério da Justiça (MJ) e a Fundação Nacional do Índio (Funai), a qual está subordinada, respectivamente, e de um militar para a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai); as sequenciais ações de desmonte da Funai como cortes de gastos e a publicação das portarias 68 (revogada) e depois a 80 do MJ, que fragilizam o processo de demarcação executados pela instituição; uma CPI estranha que tem servido para criminalizar indígenas, antropólogos, missionários, procuradores e indigenistas; e o recente fechamento de coordenações técnicas locais (CTLs) da Funai pelo decreto 9.010/2017. Decisões que fragilizam a presença do Estado junto aos povos e abrem o caminho para o acirramento de conflitos com consequências imprevisíveis.

Damião Paridzané na Semana dos Povos Indígenas falando junto a seu filho Cosme Rité. Foto: Dafne Spolti/OPAN.

Foi por este motivo que ocorreu uma das primeiras manifestações do mês de abril, na cidade de Tabatinga (AM), à margem do rio Solimões, onde com o fechamento da CTL um público de 25 mil pessoas deixará de ser atendido. Somada à de Santo Antônio do Içá, também fechada e que englobava 15 mil pessoas, a Coordenação Regional (CR) Alto e Médio Solimões vai ficar ainda mais sobrecarregada no atendimento total a 85 mil pessoas em sua área de abrangência.

Manifestações em frente ao Ministério Público Federal (MPF) em Tabatinga (AM). Foto: Arquivo/CR Alto e Médio Solimões.

Sem dar conta do trabalho, os servidores – leia aqui carta publicada por eles – que restam em campo não evitarão a vulnerabilidade desses povos na região do município de Tabatinga onde fica a Coordenação Regional, local de grandes distâncias e com o complicador de atividades ilegais como tráfico de drogas e a violência decorrente delas, como avaliou sua coordenadora Mislene Mendes, indígena Tikuna. De acordo com ela, a ausência da Funai nas aldeias – que neste desmonte aprofundado do governo Temer já não tem nem mesmo combustível para chegar às comunidades – os indígenas acabarão permanecendo mais tempo na cidade em busca de fazer documentos (que demoram de um a dois meses para ficar prontos) ou adquirir seus benefícios sociais, muitas vezes sem ter onde ficar e estando mais suscetíveis ao consumo de bebida e a serem vítimas de violência. “A Funai vai estar possibilitando a exposição dos indígenas à própria sorte”, destacou ela.

Mislene Mendes e a equipe de cinco pessoas da CR, estão questionando qual foi o critério para o fechamento da CTL. “Não levam em consideração essa CR ser uma das maiores do país. Foram dois golpes. O do decreto e a distribuição das CTLs atingidas”, afirmou, comparando a uma outra CTL que atende – muito menos, mas também não pouco – 12 mil pessoas.

No município de Jutaí, descendo o rio Solimões, a CTL que foi criada em 2014 jamais chegou a funcionar e os indígenas vivem sem apoio do Estado. Com isso, o Conselho dos Povos Indígenas de Jutaí (Copiju), movimento indígena que atua no município, acaba recorrendo à CR de Tabatinga em suas demandas. Mas agora, diante do enfraquecimento, vai ficar muito mais difícil serem atendidos. “O governo que tinha que nos apoiar, está nos invalidando”, avaliou Josimar Lopes de Oliveira, presidente do Copiju. Sempre questionando a perda de direitos e se pautando pela Constituição Federal de 1988, a Convenção 169 da OIT, o Copiju e centenas de indígenas da cidade foram a público apresentar suas reivindicações para as autoridades, sobretudo em relação à educação – o assunto local que mais está preocupando os indígenas – , contra a PEC 2015 e os demais retrocessos.

Mobilização dos povos indígenas de Jutaí. Foto: Antônio Miranda Neto/OPAN.

Além de Santo Antônio do Içá e Jutaí, o Amazonas teve manifestações em outros municípios como Itamarati (assista ao vídeo), São Paulo de Olivença e Manaus. País afora também participaram de suas ou de outras manifestações, aderindo por vezes até à greve geral de trabalhadores.

Agora o mês de abril terminou. Maio teve início violento contra o povo Gamela, no Maranhão. Mas os povos indígenas continuam. Fortes. E contando com apoio da sociedade, como canta Letícia Sabatella – letra de Carlos Rennó – no vídeo “Demarcação já”, as perspectivas podem mudar: “Por um mundo melhor ou pelo menos um mundo por vir, por um futuro melhor. Oxalá algum futuro para eles, para nós, por todos nós. Que nesse barco todo mundo junto está. Demarcação, já! Demarcação já!”.

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Dafne Spolti
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