OPAN

Só com preço justo

Durante seminário manejadores não aceitam valor oferecido pelo pirarucu sustentável, por ser muito baixo.

Por: Dafne Spolti/OPAN

Jutaí (AM) – O Centro Cultural Popular Irmão Fernandes estava lotado. Havia mulheres e homens, jovens e velhos de comunidades indígenas e ribeirinhas, políticos locais, empresários, membros da sociedade civil organizada. Gente que animava o grupo com piadas ao microfone, a equipe que preparava os lanches e almoços, garantindo a participação especialmente de quem veio de longe. No salão, cartazes enfeitados com papel crepom e músicas tocadas aos intervalos também davam o tom do evento, o “Seminário de avaliação e mostra de resultados”, que apresentou os ganhos do manejo sustentável de pirarucu apoiado pelos projetos “Juventude Rural” e “Arapaima: redes produtivas”, este executado com recursos do Fundo Amazônia. Além das conquistas, foram pautadas nos dois dias de evento as dificuldades do manejo, com foco na comercialização. No próprio encontro, foi discutida a venda do pescado deste ano e, sem consenso em relação aos valores oferecidos pelo quilo do peixe, as 42 comunidades manejadoras não fecharam um acordo coletivo de venda.

Foto: Dafne Spolti/OPAN.

“A R$ 3,50 vamos estar pagando para trabalhar”, disse Altmar Mendes, da comunidade Acapuri de Baixo. “O certo é valorizar o que você tem. Se não der valor, ninguém vai dar”, enfatizou, defendendo a unidade de todos sobre isso. Valdenora Nunes Batalha, da comunidade Guariba, na Terra Indígena Espírito Santo, também destacou que é necessário um preço melhor: “O comércio tem que dar mais valor nos nossos peixes. Às vezes não dá para manter o gasto de combustível da vigilância”, afirmou, se referindo a uma das etapas do manejo que visa a conservação da espécie e do ambiente. Ela disse que a R$ 5,50 já ficaria bem melhor.

Valdenora Nunes Batalha. Foto: Dafne Spolti/OPAN.

Carlos Nei de Souza, coordenador de pesca do Instituto de Desenvolvimento Sustentável (IDS) – Fonte Boa, município que tem uma das maiores cotas de pesca do pirarucu, observa a inversão na negociação de compra, em que o preço do pescado nunca é estipulado pelos manejadores e sim pelos empresários que o adquirem. O senhor Filomeno Filgueira dos Santos Filho, da comunidade Irmão Fernandes, deu um exemplo antigo disso, apontando a semelhança com o momento atual: “Na época do peixe liso o pescado era vendido a dois cruzeiros. Os empresários fizeram um acordo e decidiram baixar para Cr$ 1,50”, lembrou ele.

O presidente da Associação dos Comunitários Que Trabalham com Desenvolvimento Sustentável no Município de Jutaí (ACJ), Antônio Cândido Gomes, também defende que haja melhoria no preço do peixe, porém, não acredita que essa melhoria aconteça esse ano. Ele observou as características do mercado, que tem aumento na oferta do peixe, inclusive o pirarucu de viveiro – boa parte produzido em Rondônia –, e do momento de crise do país. “Não adianta, na questão de mercado, Jutaí dizer que a venda só irá ocorrer a 5,50 porque o peixe vai ficar aqui. Fonte Boa, Purus, Juruá vão vender por menos, por conta da questão do mercado”. Ele falou que é preciso uma política de governo para apoiar a atividade, que já é desenvolvida em 17 dos 62 municípios do Amazonas, para que ela seja fortalecida, mas afirmou que os representantes não estão interessados: “Você não tem nenhum deputado estadual que fale do manejo”, enfatizou.

Antônio Cândido. Foto: Dafne Spolti/OPAN.

Outro gargalo apontado e que interfere na comercialização do peixe manejado é o pescado ilegal: “Às vezes a fiscalização só vem para cima das comunidades. Acho que os movimentos sociais têm que fazer cobrança por fiscalização. Enquanto estamos aqui cuidando dos lagos, na nossa capital Manaus tem peixe em tudo quanto é lugar, clandestino”, disse o presidente do Conselho dos Povos Indígenas de Jutaí (Copiju), Josimar Lopes de Oliveira.

Soma-se a isso a dificuldade em armazenar e transportar o pirarucu com as normas estabelecidas no manejo, em que o peixe – que pode chegar a até três metros de comprimento – deve ser colocado eviscerado inteiro no gelo para transporte e armazenamento. Além de divergir com a tradição de consumo do peixe, salgado, seco, isso exige uma estrutura que as comunidades vêm buscando adquirir, mas que são muito caras, assim como os gastos com combustível e gelo, por exemplo, em que uma caçapa chega a R$ 18. Dessa forma, os manejadores acabam em uma situação de dependência com empresários, especialmente os donos de frigorífico, já que são eles que podem garantir as estruturas. “O gargalo é o armazenamento porque a gente fica preso ao comprador que vem de fora. Não temos logística para levar o peixe. Em Manaus achamos comprador, mas não tem como levar”, disse Joel Fernandes, da comunidade Irmão Fernandes.

Joel Fernandes. Foto: Dafne Spolti/OPAN.

Por conta disso, uma das soluções pensadas por organizações que apoiam o manejo é simplificar a forma de armazenar o pirarucu, como defende o indigenista da Operação Amazônia Nativa (OPAN), Leonardo Pereira Kurihara, coordenador de campo do projeto Arapaima: “Você vai no mercado e tem bacalhau salgado, camarão salgado. Por que a gente não consegue normatizar isso aqui?”. Carlos Nei de Souza, do IDS-Fonte Boa também aposta na ideia. Ele mencionou um projeto de salgadeiras caboclas que estão buscando desenvolver. Consistiria em uma estrutura baseada no método tradicional de salga e secagem, no sol, mas com as garantias de higienização para que o pescado possa ser transportado para fora do município legalmente. “O pai de vocês, o avô de vocês, viveu a vida inteirinha comendo pirarucu seco”, lembrou ele.

No “Seminário de avaliação e mostra de resultados” houve participação de um representante da Fundação Nacional do Índio (Funai) da Coordenação Regional Alto e Médio Solimões, localizada em Tabatinga, que, por conta do desmonte da instituição, há muito tempo não tem um representante em Jutaí. O chefe substituto do Serviço de Gestão Ambiental e Territorial, Francisco Ribeiro Gouveia, colocou a Funai à disposição para contribuir com o manejo e incentivou os presentes à desenvolverem a atividade: “É preciso sempre união. Este trabalho é valioso, a carne do pirarucu é muito nobre e tratada como tesouro em outras regiões”, disse, destacando, porém, que o peixe ainda precisa ser mais conhecido no país.

O poder municipal de Jutaí também marcou presença com participação de secretários e do prefeito Pedro Macário, que se dispôs a apoiar o manejo da ACJ e outras associações. A prefeitura, como anunciou o secretário Manoel de Jesus Mendes, da Secretaria de Produção Rural, também se comprometeu a contribuir com um subsídio de R$ 0,25 pelo quilo de pirarucu manejado que as comunidades de Jutaí comercializarem. Dois empresários locais estavam no evento e tentaram negociar o peixe a um valor que chegava a cerca de R$ 3,85, competindo com a proposta inicial de um comprador de Manaus que ofereceu inicialmente o valor líquido de R$ 3,50. Mesmo assim, não foi possível chegar a um consenso naquele momento. Os comunitários têm condições de capturar, ao todo, 200 toneladas de peixe este ano, mas alguns deles, irão aguardar o aumento do preço para realizar a pesca.

Benefícios do manejo

O manejo sustentável de pirarucu, muito além da geração de renda, proporciona outros ganhos sociais e ambientais. Pressuposto inicial do sucesso de um manejo é o fortalecimento da organização das comunidades, que planejam e executam, os passos da atividade, além da própria pesca, de forma articulada e coletiva.

Entre as etapas do manejo está a vigilância dos lagos, para evitar a pesca predatória, e a contagem de pirarucu, que permite conhecer o número de peixes para, a partir disso, estipular uma cota de pesca – função do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) –, de no máximo 30% do estoque, garantindo a manutenção da espécie e do do ambiente.

Além de conservar e recuperar ambientes aquáticos, o manejo contribui com a proteção da floresta, já que nos territórios onde ocorre – terras indígenas, unidades de conservação ou regiões de acordos de pesca – é mais difícil que se dê espaço para atividades econômicas que degradam o meio ambiente.

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