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Roças Nambikwara: alimento e cultura

Cultivos promovem a cultura e melhoria da qualidade de vida.

Por: Giovanny Vera/OPAN

Terra Indígena Pirineus de Souza, Comodoro (MT) – As roças de toco, ou simplesmente roças tradicionais, são partes essenciais da identidade dos povos indígenas que promovem a segurança alimentar e a conservação de seu território mediante o uso sustentável da floresta. A mandioca, o cará, o urucum, a batata, a banana e outros, além de serem fontes de vida também são elementos de alta importância usados em festas e rituais que fortalecem a cultura e as tradições indígenas.
 
Esta é a visão dos seis povos conhecidos como Nambikwara – Sabanê, Tawandê, Manduca, Nechuandê, Idalamarê e Ialakolorê – da Terra Indígena (TI) Pirineus de Souza, no município de Comodoro, extremo oeste de Mato Grosso. Aqui eles, com suas roças familiares, mantêm as tradições e reconhecem a importância desta atividade para o cuidado de seu território, como afirma Davi Tawandê, cacique geral da terra indígena: “Queremos aumentar a roça, mas não vamos estragar o mato, temos que fazer uma coisa de bom tamanho que a gente vai poder plantar e dar conta”, diz ele.
 
Cacique Davi ainda planeja melhorar a roça de sua aldeia com novas espécies. Foto: Giovanny Vera/OPAN
“Não é possível desconectar as roças da cultura, porque a roça é mandioca, é língua, é ritual, é festa. A roça converge a prática das atividades tradicionais com a vida do indígena, como a pesca, a caça e a alimentação”, explica Fabiano da Matta, indigenista da OPAN. O plantio de roças é uma sincronia muito íntima entre a conservação e a perpetuação da cultura, porque usando o território de forma tradicionalmente sustentável os Nambikwara fornecem alimentação e bem-estar à suas famílias e proporcionam oferecimentos aos espíritos durante as festas e rituais  –como o da ‘Menina Moça’, que celebra a passagem das meninas para a vida adulta –, explica Fabiano.
 
Roça para a família e para o mercado
Banana, abacaxi e mandioca são alguns dos produtos que saem da TI Pirineus de Souza para serem vendidos em Vilhena, cidade de Rondônia que fica a 20 km da terra indígena. É a cidade mais próxima e o principal mercado para a produção Nambikwara. Apesar da pouca distância, o escoamento não é tão fácil, por ser feito em uma estrada de terra que cruza morros e beira grandes cultivos de milho e soja.
A TI Pirineus fica em Mato Grosso, porém o acesso é feito via Vilhena, estado de Rondônia. Foto: Giovanny Vera/OPAN
Os produtos são reconhecidos em Vilhena pela sua qualidade e por serem cultivados de forma diferenciada, já que em Pirineus de Souza os indígenas não usam adubos químicos nem agrotóxicos, explica o indigenista da OPAN, Lucinaldo Gomes. “Eles têm uma produção ecológica e tradicional, com bons resultados que inclusive permitem obter um excedente na produção que eles vendem e assim gerar uma renda auxiliar”, diz.
 
Um dos principais produtos é a banana, sendo que as variedades mais procuradas são a banana-da-terra, consumida frita, a banana-maçã e a banana-nanica, todas apreciadas pelos compradores em Vilhena. “A nossa produção é pequena mas vai melhorando, agora temos apoio para plantar e produzir mais”, diz Davi, enquanto mostra a nova roça na aldeia Aroeira Tawandê. Davi se refere ao apoio do projeto IREHI: Cuidando dos Territórios, executado pela OPAN com recursos do Fundo Amazônia, para fortalecer as roças Nambikwara. Ele conta que a produção e a venda de bananas estão ajudando o povo Nambikwara porque agora geram uma nova renda que faz diferença. Elias Sabanê, que mora na mesma aldeia que Davi, concorda e explica que com a banana que eles vendem estão conseguindo uma melhoria na qualidade de vida: “Compramos mais alimentos, mais coisas para a família e também para fazer novos plantios”.
A produção excedente de bananas em Pirineus de Souza tem um mercado seguro: Vilhena. Foto: Giovanny Vera/OPAN
Lourival Sabanê, da aldeia Iquê, produz banana consorciada com outros cultivos, como abacaxi, arroz, mandioca e milho, mas ele diz que não faz isso com o objetivo específico de vender. “A maioria da minha roça é para consumo da minha família, para doação para as festas, para fazer chicha [bebida tradicional feita de banana, mandioca, milho ou outros alimentos tradicionais]”, diz ele, afirmando, que quando tiver mais produção também poderá comercializar. Sendo assim, em uma de suas primeiras tentativas de cultivos maiores, em janeiro deste ano Lourival plantou cerca de quatro mil mudas de abacaxi que serão colhidas no próximo ano, e segundo ele, se forem vendidas com um bom preço gerarão uma renda de R$ 4.500,00.
A técnica de cultivo de espécies consorciadas é usada pelos Nambikwara com algumas outras variações, com a plantação de arroz embaixo dos bananais e mandioca ou milho nos laterais. Desta forma os indígenas conseguem um melhor uso do solo e também uma produção com mais variedade de alimentos durante o ano todo.
 
Em Pirineus de Souza cada família vende os produtos de suas roças e estabelece o preço direto com os compradores. A banana é vendida em caixas com cerca de 23 quilos e os preços variáveis, de acordo com a temporada, que vão de R$ 30 a R$ 50. “Apesar do preço que varia, vender a banana vale a pena porque os compradores vêm até aqui. A gente colhe na hora, lava, encaixa e entrega, e eles pagam aí mesmo. É um negócio bom para todo o mundo”, afirma Davi. Em cada viagem os compradores levam entre 15 e 20 caixas.
Já a mandioca que Marcelo Manduka, da aldeia Bacurizal, produz em sua roça tem um preço de R$ 25,00 por caixa. Além de mandioca, em sua roça Marcelo cultiva banana, abacaxi, laranja e limão, para consumo na família e nas festas, e o excedente é vendido.
 
Preparo da roça 
A abertura de uma nova roça nambikwara normalmente começa no final do mês de maio com o corte e derrubada das árvores e arbustos, a chamada roça de toco. A vegetação derrubada fica ali por três meses, até o final de agosto, quando a madeira das árvores está bem seca e pronta para ser queimada. Essa etapa é fundamental para os futuros plantios, porque “quando queima bem, a terra fica melhor”, diz Marcelo Manduka. Posteriormente vem a coivara, que é a limpeza da área e amontoamento dos galhos e madeiras que não queimaram completamente, para deixar mais limpo o espaço do plantio.
 
Lourival limpando sua roça de banana, onde poderá plantar outras espécies, como abacaxi, milho, mandioca ou milho. Foto: Giovanny Vera/OPAN
O roçado é um trabalho difícil e pesado que os indígenas costumam realizar em mutirões para facilitar o serviço. No ano passado, Lourival participou de um mutirão para fazer roças em cinco aldeias. Os Nambikwara se dividiram em dois grupos e fizeram duas por dia. “Derrubamos tudinho, e quando era o começo da plantação fomos de novo e cavamos buracos para as bananas em cada roça, preparamos as mudas e plantamos tudo. Hoje estão crescendo e dependem de cada dono da roça”, explica ele. Dessa forma, no ano passado conseguiram plantar cinco mil pés de banana.
 
O conhecimento indígena no uso da terra é sábio. Normalmente as roças nambikwara de bananas tem uma duração de três anos e logo são deixadas em pousio, permitindo a recuperação do solo e do ambiente.
Marcelo e Lucinaldo observam a grandeza da floresta de Pirineus de Souza. Foto: Giovanny Vera/OPAN
É assim que o povo Nambikwara da Terra Indígena Pirineus de Souza demonstra ser um verdadeiro protetor de seu território, com o seu modo de vida tradicional em que o uso dos recursos naturais é compatível com a conservação. Sempre plantando e cultivando, cuidando da terra e de sua floresta, eles produzem e vivem, perpetuando a cultura indígena respeitosa de seu entorno.
 
 
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