OPAN

Indígenas unidos no ATL

Com apoio dos outros povos, Manoki e Myky protagonizaram algumas das mais importantes vitórias jurídicas.

Por: Giovanny Vera/OPAN

Brasília (DF) – “Em tempos de luta, a união dos povos é o que faz a diferença!”. Esta é a resposta que Rosinês Kamunu, da Terra Indígena (TI) Manoki, tem na ponta da língua para explicar o porquê da longa viagem e os esforços para participar do Acampamento Terra Livre (ATL) em Brasília, na semana entre 23 e 27 de abril de 2018. Rosinês viajou quase três dias para chegar até o maior evento de mobilização e articulação indígena do Brasil, onde lideranças de todo o país se reúnem para debater e propor estratégias para a luta do movimento e efetivação dos direitos indígenas.

onibus.jpgA distância e as cansativas horas de viagem não foram obstáculos para que uma caravana de 40 representantes indígenas das etnias Manoki, Myky, Nambikwara (com seus subgrupos Sabanê e Tawandê), Xavante de Marãiwatsédé e Tapayuna chegassem até Brasília. Para alguns deles foram quase 1100 km percorridos. Para outros mais de 1900 km.

Apesar de serem de diferentes etnias, todos enfrentam dificuldades referentes à garantia de proteção de seus territórios e ao acesso a políticas públicas. Os Tapayuna hoje vivem longe de suas terras, de onde foram removidos compulsoriamente na década de 1970; os Xavante, só em 2004 conseguiram retomar parte de seu território e hoje enfrentam o desafio da gestão territorial em um contexto de hostilidade; os Myky e os Manoki lutam pela continuidade do processo demarcatório de seus territórios ancestrais; e os Nambikwara batalham para ter acesso a políticas públicas nas áreas da saúde, educação, transporte e energia elétrica.

Esses são alguns dos motivos pelos quais eles participaram do ATL para se juntar a quase 3200 indígenas de mais de 100 povos de todo o Brasil. Na pauta comum destacou-se a luta por uma maior participação na política institucional e parlamentar, pelo fim da criminalização do movimento e de suas lideranças, e principalmente, pela revogação da Portaria 001/2017, da Advocacia Geral da União (AGU), que restringe as demarcações de terras indígenas em todo o país.

A responsabilidade das futuras lideranças

A delegação de indígenas mato-grossenses era composta em sua maioria por jovens, todos carregados de emoções, força e esperança. A energia daquelas mulheres e guerreiros contribuiu para fazer a diferença com sua ativa participação nos debates. Eram elas e eles os que convocavam e organizavam os indígenas para as assembleias, eram elas que iniciavam as danças e os rituais, e durante a manifestação em direção à Esplanada dos Ministérios, junto aos demais indígenas, com seus cânticos e discursos se motivaram e se emocionaram.

O grupo de Nambikwara pintados para a luta, durante o ATL 2018. Foto: Giovanny Vera/OPAN

Este é um efeito da formação e do empoderamento destes grupos, assumindo um papel incumbido pelas velhas lideranças na busca de novos líderes, conforme explicou Manoel Kanunxi, ancião Manoki. “Antes a nossa luta era com arco, flecha e borduna, mas hoje é com papel, caneta e leis, e quem tem que fazer [a luta] são esses jovens que estão aqui”, afirmou ele.

Essa responsabilidade foi levada a sério pela delegação de indígenas de Mato Grosso, cujos membros foram escolhidos por suas lideranças para serem porta-vozes de suas aldeias e de suas terras. “Fomos mandados para participar, para ser parte das discussões para o nosso futuro”, disse Cileuza Jemjusi, também do povo Manoki, que está em seu segundo ATL. “Aqui também estou aprendendo coisas novas e conhecendo pessoas, para mais para frente ser liderança na minha aldeia”, afirmou.

“Aqui todos viemos para aprender, para ver que os problemas que temos em nossas aldeias também acontecem em outros lugares, para conhecer as soluções que outros estão encontrando, para conhecer outros líderes”, continuou Rosinês. Por sua vez, Carolina Rewaptu, cacique da aldeia Madzabzé da TI Marãiwatsédé, destacou que a presença de tantas mulheres no ATL só demonstra o que muitos não queriam ver, que a mulher hoje em dia está ocupando o seu espaço, por muito tempo negado, e que elas são parte das decisões. “Os problemas que nós, indígenas, vivemos, por causa dos políticos que querem negar nossos direitos, serão resolvidos com a nossa participação, com a nossa decisão”, afirmou ela.

A união faz a força

Este grande encontro de etnias de todo país foi mais uma demonstração da força e do poder do coletivo indígena contra as permanentes investidas do governo contra os povos tradicionais, que provocam crises na política indigenista como a inconstitucional aplicação do marco temporal, com sucessivos cortes orçamentários, o aparelhamento da Fundação Nacional do Índio (Funai) e a negação do direito aos territórios.

Durante a plenária de terra e território, Carolina e Estevão, da TI Marãiwatsédé, explicaram as dificuldades relacionadas ao território que seu povo ainda passa, e a importância da luta por políticas indigenistas que os favoreçam. Foto: Marcelo Okimoto/OPAN

Foram esses os motivos pelos quais, na quarta-feira, 25 de abril – dia do julgamento de quatro recursos de associações de produtores rurais contra o processo demarcatório das terras Manoki e Menkü – os 40 indígenas de Mato Grosso fizeram questão de ir juntos até o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) para apoiar seus parentes.

“A gente é de povos diferentes, nós somos Xavantes, vocês são de Pirineus [de Souza], eles Manoki e Myky, e tem também os Tapayuna, mas a gente veio junto para ver os direitos nossos, de todos”, disse Domingos Trere’õmorãte, Xavante da TI Marãiwatsédé. Ele comemorou junto aos Myky e Manoki as decisões do TRF1 que contrariam o Parecer 001/2017, que inviabilizava as demarcações das terras indígenas.

Este resultado é mais uma vitória para os povos indígenas do Brasil porque derruba a proibição de revisar os limites das terras indígenas, como no caso dos Manoki e Myky, em que a demarcação realizada na época da ditatura militar não considerava a área de ocupação tradicional indígena. “Nós ainda não reocupamos todo o nosso território, mas com esta decisão chegaremos lá”, disse a liderança Manoel Kanunxi, enquanto agradecia a união dos povos de Mato Grosso na luta deles.

Passeata do movimento indígena nas ruas de Brasília chamou a atenção da população exigindo seus direitos e a demarcação de terra. Foto: Marcelo Okimoto/OPAN

Para muitos jovens, esta foi a primeira experiência de participar em mobilizações tão grandes, de se misturar entre indígenas de quase 100 etnias diferentes, “de ver de perto as discussões e poder até chegar nos políticos e fazer eles entenderem que eles têm que nos ouvir”, explicou Kojayru Myky. Ela frisou que os jovens precisam sair das aldeias, participar da luta pelos direitos de forma mais direta e se formarem para terem opinião e tomar melhores decisões que beneficiem seus povos.

Estar no ATL e ser parte ativa do movimento indígena marcou Cleison Manoki, reafirmou nele a vontade de ser liderança de sua comunidade. “Estar com todos os parentes cantando, gritando, dançando na rua, recebendo palmas das pessoas desde os edifícios, e até ouvir alguns palavrões contra a gente me emocionou! É uma energia muito especial, me deu forças. É uma experiência que eu vou levar para a minha aldeia, contar pra eles”, afirmou Cleison. O brilho nos olhos deste jovem transmitia o orgulho de se mostrar para Brasília e para o mundo o que são.

O esforço de cada um dos 40 indígenas de Mato Grosso para chegar até Brasília, de passar tantos dias fora de suas aldeias, longe de suas famílias, valeu a pena, acredita Rosinês. “Viemos de longe para mostrar ao Brasil que existimos e que exigimos nossos direitos. Já basta dos abusos desses políticos que estão querendo acabar com a gente”, disse ela, com um longo sorriso de alegria e orgulho, enquanto subia no ônibus para encarar uma viagem de, com sorte, 45 horas até sua aldeia.

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