Um banho de água fria ao manejo de pirarucu
Companhia Nacional de Abastecimento diminui preço do pirarucu do Amazonas no Programa de Aquisição de Alimentos.
Manaus (AM) – Na contramão do esforço da sociedade civil pela valorização do manejo de pirarucu, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Superintendência do Amazonas, baixou este ano o preço do pirarucu no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), na modalidade de doação simultânea. Manejadores e organizações de apoio ficaram sem entender. Por que o valor foi de R$ 7,29 para R$ 4,50?
“Neste momento é questão de cumprimento à normativa”, explicou o superintendente regional da Conab Serafim José Taveira Júnior, mencionando a resolução número 59 do Grupo Gestor do Programa de Aquisição de Alimentos (GGPAA), de 2013. De acordo com ele, os valores anteriores estavam errados porque consideraram os custos. “Equivocadamente pegaram, sem nenhum embasamento legal, o custo de produção e inseriram na tabela do PAA. Esse é um problema que internamente nós vamos ter que resolver com as ferramentas de investigação administrativa”, disse.
Uma resolução mais recente, a 78/2017/GGPAA, prevê, porém, itens de despesa a serem considerados, inclusive serviço de terceiros. O presidente do Memorial Chico Mendes, Antonio Adevaldo Dias, explicou que os manejadores gastam em média R$ 1,50 por quilo do pescado no processo de limpeza e congelamento. “Além do pirarucu, tem que considerar o frigorífico com selo de inspeção. Imagina. De R$ 4,50 o comunitário vai receber R$ 3,00 descontando esse custo”, observou. Ele comentou, ainda, que o valor é menos que a metade do que a Conab considera como preço mínimo do pirarucu: R$ 10,84.
“A gente vai voltar ao valor que era em 2010”, destacou Ocemir Salve dos Santos, presidente da Associação dos Comunitários Que Trabalham com Desenvolvimento Sustentável no Município de Jutaí (ACJ), que entrega o pescado para o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), por meio do PAA. “Se considerar os custos de produção fica inviável comercializar pelo PAA”, destacou o indigenista da OPAN, Felipe Rossoni, especialista em manejos participativos.
O superintendente da Conab do Amazonas na gestão de 2007 a 2013, Thomaz Antonio Meirelles, também observou que sendo um produto que exige garantias sanitárias, diferente de alimentos como abacaxi, macaxeira, banana e outros, e considerando a resolução 78, é preciso incluir os gastos no preço do PAA. “Na norma eles não vão achar um jeito legal de pagar 4,50”, disse ele. Segundo a atual superintendência da Conab, porém, as organizações têm recebido gratuidade no serviço de lavagem e resfriamento e “quando não se trata de acordo comercial entre a associação/cooperativa em relação à gratuidade, a prefeitura dos municípios é que tem arcado com a despesa”, afirma a instituição.
A superintendência do Amazonas informou que a resolução 78 permite o uso de recursos do PAA para serviço de terceiros por parte dos beneficiários fornecedores, mas que não é obrigatório para a Conab o pagamento de despesas caso o produto tenha passado por algum processamento.
O mercado atacadista
Para fazer o novo preço, a Conab se ateve à resolução 59/2013. Segundo ela, o preço deve ser definido a partir da média entre três cotações do mercado atacadista local ou regional. Caso não haja a referência, é possível utilizar os preços pagos no mercado local.
O superintendente, junto com outros três servidores presentes na entrevista concedida à OPAN, negou, porém, que haja um mercado atacadista. “Aqui em Manaus não tem nenhum atacadista de pirarucu”, informou. Num segundo momento, ele enfatizou: “Eu estou tentando mostrar que nós não temos mercado atacadista do pirarucu”.
Por essa inexistência de mercado atacadista teriam se voltado a pesquisar o preço pago aos produtores através das associações comunitárias que os representam. A Conab também informou um levantamento de preços feito pelo Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Estado do Amazonas (IDAM) nos municípios de Tefé, Maraã e Fonte Boa, além de contatos por meio de prefeituras e outros órgãos. O preço médio nesse caso foi de R$ 4,69, enquanto no levantamento da Conab os R$ 4,50 que decidiram adotar.
O IDAM informou que não tem levantamento de preço de pirarucu. Perguntada sobre isso a superintendência da Conab disse que realizaram uma pesquisa genérica nas unidades do IDAM e com representantes das organizações comunitárias.
“Eu acredito que houve um erro técnico. Um erro de metodologia de balizamento pra chegar a esse preço”, disse o coordenador da Rede Maniva de Agroecologia, Márcio Menezes.
Apesar da negativa sobre o mercado atacadista, entramos em contato com empresas aptas a comercializarem o pirarucu, com garantias sanitárias – como exige a resolução 59 no artigo sexto – comprovadas pelos selos de inspeção estadual e federal. Mais de três frigoríficos* apresentaram valores para o quilo do peixe eviscerado inteiro, também conhecido como “charuto”: R$ 10,00, numa empresa de Manaus; entre R$ 11 e 12, em Manacapuru; e a R$ 7,00 em Jutaí (cidade em que ocorre pesca manejada). No município de Iranduba, um frigorífico não revelou o valor de venda, mas falou que compram o peixe de vários municípios do interior pagando entre R$ 6,50 e 8,50, a depender da oferta de pescado.
A Conab, que negou a existência de mercado atacadista inicialmente, falou que tem a lista das empresas, mas se resumiu a explicar que entraram em contato com elas e que “o produto final é diferente do produto entregue pelas organizações no âmbito da execução do PAA e os valores, quando informados pelos frigoríficos, são compatíveis com o varejo no mercado da cidade de Manaus”.
Impactos da redução de valor do PAA
O ex-superintendente da Conab, Thomaz Antonio Meirelles, destacou a função da Conab de agregar valor ao produto, observando que a Companhia tem como objetivo a proteção do produtor e que é uma balizadora do preço de mercado. “Uma empresa que tem a missão de sustentar preço dá um retrocesso desses?”, questionou, apostando, porém, que a Conab fará uma revisão no valor do pirarucu.
O coordenador da Rede Maniva, Márcio Menezes, destacou a importância do PAA e as consequências que a falta do produto pode significar para aqueles que recebem. “Na compra por doação simultânea, são pessoas que estão em situação de vulnerabilidade social”, concluiu, esperando que a decisão seja repensada.
Contatos com a imprensa
Dafne Spolti
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dafne@amazonianativa.org.br
(92) 9 8405-1757 / (65) 9 9223-2494
*Citamos alguns frigoríficos que trabalham com pirarucu no Amazonas: Rio Mar LTDA, Friolins, Frigonorte, Frigorífico Iranduba, Frigorífico J B Serpa Pescados, Piracema Pescados, Frigopesca, DMC Pescado.