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Juruena Vivo, Amazônia Viva

O evento trouxe para o debate a importância das águas do Juruena na composição da bacia amazônica.

Cerca de 150 pessoas participaram do 6ª Festival Juruena Vivo (FJV), que aconteceu entre os dias 24 a 27 de outubro na Comunidade de Pedreira e Palmital, a 30 km da cidade de Juara-MT. Com o tema “Juruena Vivo, Amazônia Viva” o evento promoveu um encontro sobre pesca e outro sobre comunicação. 

O Festival, como um momento de discussão anual da Rede Juruena Vivo, possui também um caráter festivo. Foi marcado por rodas culturais, baile e uma feira de artesanatos e produtos da biodiversidade, que finalizou o evento no centro de Juara. Participaram dos quatro dias de evento diferentes povos indígenas, agricultores, extrativistas, organizações sociais, além de universitários e pesquisadores. 

Abertura do 6º Festival Juruena Vivo. Foto: Lívia Alcântara/OPAN.

“Este Festival é importante para a afirmação da luta, para a visibilidade da comunidade”, defende Michel de Andrade, mestrando em geografia e que acompanha a situação das famílias que vivem na comunidade de Pedreira e Palmital frente ao projeto hidrelétrico de Castanheira, que a ameaça.  

Castanheira e as outras hidrelétricas

As famílias que vivem em Pedreira e Palmital são pequenos e médios produtores de leite e gado de corte, que possuem roças de quintais, criação de animais como porcos, galinhas, carneiros para consumo e venda no mercado local. Vivem na beira do rio Arinos – o mais piscoso da bacia do Juruena – com o qual mantém uma relação vital. 

“Este rio é tudo para nós, chega final de semana e você não vai para a cidade, vai para a beira do rio, vai lá fazer um almoço… Vem os amigos da cidade e você vai para a beira do rio, ninguém fica em casa”, relata Dona Genir Piveta, moradora de Pedreira há 30 anos. Para ela, o grande problema do projeto de construção da hidrelétrica neste momento é a garantia dos direitos dos moradores à informação. “Eu quero saber o que vai acontecer comigo primeiro antes da usina sair […]. Você deita na cama e pensa ‘até quando eu vou ficar aqui? E se este empreendimento sair, para onde eu vou?’”. A moradora conta que outra grande insegurança é não saber se pagariam um valor justo por sua propriedade.

Dona Genir, moradora de Pedreira no rio Arinos. Foto: Lívia Alcântara/OPAN.

Essa situação de Dona Genir ilustra um dos muitos casos em que populações indígenas, extrativistas, ribeirinhas e rurais estão sendo afetadas por empreendimentos de infraestrutura no noroeste mato-grossense. Um levantamento realizado pela Operação Amazônia Nativa em 2019 identificou 138 usinas na bacia do Juruena, sendo 32 em operação, 10 em construção e 96 em fase de planejamento. 

Dineva Maria Kayabi, professora indígena da aldeia Tatuí, na Terra Indígena Apiaká Kayabi, levou para o Festival sua preocupação com a construção de uma hidrelétrica no rio dos Peixes, que banha sua comunidade. “Para nós é um rio muito sagrado, de lá o meu povo retira o seu sustento. Lá tem nossa cachoeira sagrada (Salto Ytu’u), que também está em risco com a construção de hidrelétrica”. 

Os encontros da Rede Juruena Vivo têm servido para o compartilhamento dessas experiências de ameaças sofridas pelos moradores da região. Juarez Paimy, da etnia Rikbaktsa, alertou para a possibilidade de seu território ser impactado por 11 grandes hidrelétricas e destacou a importância da participação da população nos processos de tomada de decisão e gestão hídrica. “Eu vejo que a gente conseguiu que fossem realizadas as audiências públicas, a gente queria ser consultado pela equipe técnica que ia fazer os estudos e, muitas vezes, estes não chegavam até os povos. Queriam fazer os projetos de empreendimentos de PCHs e UHEs no Juruena sem olhar para a gente”. 

Compartilhamento de experiências durante o 6º Festival Juruena Vivo. Foto: Lívia Alcântara/OPAN.

Em um contexto com tantas barragens planejadas para a bacia do Juruena, as comunidades discutiram o Projeto de Lei 668/2019, enviado pelo governador de Mato Grosso à Assembleia Legislativa, que propõe, entre outras mudanças, a chamada cota zero*. Se aprovado, afetaria toda a cadeia da pesca, pois proíbe o armazenamento, a comercialização e o transporte de pescado por pescadores amadores e profissionais por cinco anos Tal medida atingiria diretamente os pescadores artesanais e profissionais que dependem da pesca para sobreviver, além do comércio ligado ao setor. Este foi um dos temas do I Encontro de Pesca do Juruena, importante momento dentro da 6ª edição do Festival.

I Encontro de Pesca do Juruena

O evento reuniu diferentes populações que mantém uma relação com a pesca na bacia do Juruena para informar sobre as políticas de pesca e discutir ferramentas de governança dos territórios pesqueiros. Para Ricardo Carvalho, engenheiro de pesca da OPAN, essas populações não têm tido acesso as alterações propostas pelo poder público. “Ficou claro no encontro que poucas pessoas sabiam sobre essa proposição da ‘Lei do Cota Zero’, e as que haviam ouvido falar, nem sabiam do que se tratava de fato”, explicou. 

Encontro da Pesca. Foto: Lívia Alcântara/OPAN.

Além a regulamentação da pesca em Mato Grosso, discutiu-se alguns mecanismos de participação popular na gestão dos recursos pesqueiros, como os protocolos de consulta, incidência legislativa e a participação Conselho Estadual de Pesca do Estado de Mato Grosso (Cepesca). 

Para quem vive da pesca, qualquer interferência na atividade precisa ser analisada pela população que dela vive. Os protocolos de consulta, mecanismos de defesa coletiva de povos tradicionais para seus territórios e modos de vida, foram um desses instrumentos em debate. Pescadores de Santarém-PA, por exemplo, quando se viram diante do projeto de implantação de um porto graneleiro no Lago do Maicá, elaboraram um documento para dizer como e quando deveriam ser consultados em caso de interferência em suas áreas. Tal ferramenta é garantida pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário.

Josemar Alves Durães do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais. Foto: Lívia Alcântara/OPAN.

Para além disso, outro problema tem sido restrições às áreas de pesca por empresários. Josemar Alves Duraes, do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP), abordou este desafio enfrentado por muitos de seus companheiros. Desde 2012, o MPP luta por uma lei de regularização do território das comunidades tradicionais pesqueiras. “Os territórios da pesca já existem desde sempre, eles só não são respeitados. A pesca artesanal e de subsistência é o que garante 70% do pescado do mundo”, defendeu Josemar para as comunidades do Juruena. 

O evento discutiu também possibilidades de incidência no Cepesca e a formação de um comitê da bacia do Juruena. As comunidades presentes no Festival escreveram, ainda, uma carta ao final do evento, que marca um posicionamento crítico com os projetos de hidrelétrica previstos para a região e exige o arquivamento do projeto da hidrelétrica Castanheira. “A Rede Juruena Vivo requer que o projeto da UHE Castanheira seja imediatamente arquivado porque os próprios estudos já revelaram que este empreendimento é inviável para a economia da cidade de Juara e todos os povos que habitam seu entorno”.

Feira de artesanatos indígenas e produtos da sociobiodiversidade. Foto: Lívia Alcântara/OPAN.

*Em 14 de novembro a votação do Projeto de Lei 668/2019 foi suspensa.

**Colaboraram na realização de entrevistas para esta matéria: Márcio Jorfi, Valdeilson Manoki, Tarsila Menezes, Rogenderson Natsitsabui, Umenã Myky, Minã Myky, Ellen Rodrigues, Érica Rodrigues.

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