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Organizações acionam o MPF pela paralisação de estudos sobre petróleo e gás no Solimões

O pedido é acompanhado de uma nota técnica em que as instituições argumentam que a pandemia do novo coronavírus impede a realização da consulta às comunidades indígenas e tradicionais.

Um grupo de organizações da sociedade civil que atuam no Amazonas, do qual a Operação Amazônia Nativa (OPAN) faz parte, solicitou ao Ministério Público Federal (MPF) a paralisação imediata de procedimento de avaliação ambiental na bacia sedimentar do Solimões, cuja finalidade é determinar localidades a serem leiloadas para a exploração de petróleo e gás natural. 

O pedido, protocolado na última sexta-feira (27) nas procuradorias da República do Amazonas, Tefé e Tabatinga, foi acompanhado de uma nota técnica. O documento demonstra que a pandemia do novo coronavírus impede a realização da consulta às comunidades indígenas e tradicionais afetadas.

O desrespeito ao direito à consulta prévia, livre e informada vem se repetindo durante a crise sanitária. Por esse motivo, em maio a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) postulou pela suspensão dos procedimentos administrativos que permitam empreendimentos, projetos de exploração ou desenvolvimento de recursos naturais ao redor dos territórios indígenas.

A Avaliação Ambiental da Área Sedimentar do Solimões, realizada no âmbito da Portaria Interministerial MME/MMA 198/2012, é parte do processo de planejamento da política energética do Amazonas para a extração e produção de petróleo e gás natural. O principal instrumento desta avaliação é o Estudo Ambiental da Área Sedimentar do Solimões (EAAS-Solimões), que abrange uma área de 309 mil quilômetros quadrados, aproximadamente 7% de toda a Amazônia Legal ou 20% do território do Amazonas.

O resultado do estudo pode gerar uma cadeia de grandes empreendimentos de petróleo e gás por toda a bacia sedimentar do Solimões, na medida em que o EAAS disciplinará outorgas de blocos exploratórios em uma região caracterizada pela presença de povos indígenas e populações extrativistas. De acordo com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), essas comunidades têm o direito de consulta. 

A nota técnica indica que a população de menos de 10% dos municípios abrangidos pela análise ambiental foi ouvida. “Para a coleta de dados primários, foram realizadas  apenas três reuniões de mapeamento participante, em somente três dos 31 municípios abrangidos pelo Estudo: Carauari, Tefé e Coari. Sobre este ponto em questão, avalia-se que não só que a Consulta Prévia, Livre e Informada (CPLI) prevista em lei não foi observada, como a própria Consulta Pública prevista pelo procedimento interministerial apresentou falhas”, informa o documento protocolado junto ao MPF.

Durante oficinas no âmbito do EAAS, ocorridas no final de 2018 em Carauari e Tefé, representantes dos povos e comunidades requisitaram o direito à consulta prévia, livre e informada ante qualquer medida administrativa que os afetem. No entanto, os órgãos públicos, de acordo com a nota técnica, têm se negado a reconhecer, por omissão ou interpretações errôneas, o direito destes povos e comunidades.

Ausência de informações

As organizações apontam, ainda, no EAAS a ausência de informações preliminares sobre as comunidades inseridas em sua área de abrangência, tais como localização ou número de comunidades. As classificações das áreas aptas à exploração também carecem de mais informações. E, segundo a nota,  o estudo “desconsiderou importantes interferências que atividades de produção e exploração de gás e petróleo podem ocasionar”.

O estudo também é criticado por não vedar automaticamente a exploração de petróleo e gás natural em terras indígenas não regularizadas e em unidades de conservação de desenvolvimento sustentável, como as reservas extrativistas localizadas na área de impacto. Nele, a bacia sedimentar do Solimões é classificada em áreas aptas (com condições e características socioambientais para atividades e empreendimentos de exploração e produção de petróleo e gás natural) e não aptas. As terras indígenas em regularização e as unidades de conservação aparecem no estudo apenas com “indicadores de inaptidão”, sem que isso seja explicitamente apresentado como impedimento para as atividades exploratórias.

O EAAS-Solimões, além de não apresentar inclinação à busca pelas informações necessárias, se absteve de consultar e explicitar as diretrizes dos Planos de Manejo das Unidades de Conservação. E o mais grave: as referências informadas ou em estudo sobre povos indígenas isolados foram desconsideradas na classificação de áreas aptas para a produção e exploração de petróleo e gás.

Em vista das flagrantes violações de direitos dos povos indígenas e populações extrativistas, agravadas pelo desrespeito a estes grupos que sofrem com mortes e privações de locomoção para conter o contágio da covid-19 nas aldeias e comunidades, as organizações entendem que a Avaliação Ambiental da Área Sedimentar do Solimões precisa ser paralisada.

A nota técnica é um trabalho em conjunto realizado pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Conselho Indigenista Missionário (Cimi), 350.org América Latina, Centro de Trabalho Indigenista (CTI) e Operação Amazônia Nativa (OPAN).