15 de dezembro de 2020

Com delegação indígena em plataforma da ONU, povos têm desafio de articulação em âmbito nacional, aponta assessora da secretaria-executiva da Rede de Cooperação Amazônia em entrevista à OPAN.

Adiada devido à pandemia do novo coronavírus, ainda sem data definida, a Conferência do Clima da ONU (COP-26) deverá ocorrer na cidade escocesa de Glasgow, em 2021 (data prevista 1 a 12 de novembro). Em ano recorde de queimadas no Pantanal e na Amazônia, os debates sobre a forma como o Estado brasileiro trata o meio ambiente ecoaram no mundo todo.

Para traçar ações concretas para mitigação e adaptação frente às alterações no clima, uma plataforma com a participação de povos indígenas, comunidades tradicionais e governos do mundo todo foi criada, em 2018, na COP-24, como parte da Convenção Quadro das Nações Unidas para Mudanças do Clima (UNFCCC, sigla em inglês).

A UNFCCC é o órgão da ONU criado a partir da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento Mundial do Clima. É formada por 195 países que se comprometeram a adotar medidas para a redução das emissões dos gases do efeito estufa, assegurando a produção de alimentos e que as decisões econômicas se pautem em formas sustentáveis de desenvolvimento.

Na UNFCCC, a Rede de Cooperação Amazônia (RCA) tem acompanhado e colaborado com o processo de criação e implementação desta Plataforma, buscando apoiar a participação de representantes das organizações indígenas que compõem a rede. Em entrevista à Operação Amazônia Nativa (OPAN), Patrícia Zuppi, assessora da secretaria-executiva da RCA, aponta quais são os principais desafios dos povos indígenas após um ano do início dos trabalhos da plataforma e conta um pouco quais temas devem estar em destaque na cúpula da ONU e entre as organizações sociais, em 2021.

Delegação da RCA acompanhando a agenda da Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas, em Bonn, na Alemanha, para a Primeira Reunião do Grupo de Trabalho Facilitador da Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas no Órgão de Mudanças Climáticas da ONU. Foto: Reprodução Facebook/RCA.

OPAN: Como a plataforma funciona e quais são seus objetivos?

Patrícia Zuppi: Esta Plataforma, que está em fase de implementação na UNFCCC através de um grupo de trabalho facilitador composto paritariamente por representantes indígenas e de governos, tem como objetivos principais: promover o reconhecimento e o intercâmbio de melhores práticas de mitigação e adaptação a partir dos saberes tradicionais, ampliar o engajamento e a participação destes povos nos processos da UNFCCC e facilitar a integração de diversos sistemas de conhecimento na concepção e implementação de programas e políticas de clima. O seu plano de implementação que está em curso (2020-2021) prevê uma série de atividades ligadas a cada uma das três funções, dentre elas mapeamentos de políticas e ações nacionais, regionais e internacionais que contam com a participação de povos indígenas e comunidades locais, dispositivos de implementação de seus direitos, intercâmbios de melhores práticas tradicionais, capacitação, workshop temáticos, articulação de parcerias e a criação propriamente dita do website da Plataforma.

OPAN: Quais são os principais desafios da implementação da plataforma de povos indígenas e comunidades tradicionais (locais) na UNFCCC?

Patrícia Zuppi: São vários desafios de ordens distintas. Primeiro fazer com que esta proposta alcance e reverbere as realidades das comunidades e povos do mundo todo, que estão nas bases, e garantir a participação de seus representantes para que de fato esta Plataforma se relacione com estes grupos para a qual está sendo criada. Este é um desafio enorme, que trata de estabelecer processos efetivos de articulação e representação legítima dos povos indígenas e comunidades locais de cada país, e que pressupõe a construção prévia de plataformas nacionais para embasar a plataforma na UNFCCC.

No caso de um país, por exemplo, como o Brasil, que além de ter um tamanho continental e uma diversidade enorme de povos, atualmente tem um governo avesso às perspectivas de seus povos indígenas e uma postura negacionista nas negociações internacionais de clima, o desafio se amplifica. Então, para aqueles representantes que conseguem acessar estes debates o desafio está em difundir e multiplicar esta discussão em âmbito regional, local e nacional. Promover esta participação envolve, também, vários desafios de acessibilidade, como a questão do idioma, pois as reuniões são em inglês, e aspectos relacionados à garantia de recursos, uma das discussões mais intensas no processo de aprovação da plataforma, que não conta ainda com financiamento garantido.

Outro ponto desafiador está ligado à necessidade de capacitação, pois como todas as estruturas do Sistema das Nações Unidas, a UNFCCC tem um funcionamento e linguagem técnica específicos e para uma efetiva participação é preciso conhecê-los minimamente. É preciso também compreender o quanto pode ser desafiador no contexto das negociações climáticas, articuladas historicamente na UNFCCC pelos países, inserir nos distintos processos a participação desses povos, que a princípio não faziam parte desta estrutura. É uma grande e necessária mudança de paradigma. Isso tudo está em construção.

A nossa meta, que é também nosso maior desafio, é colaborar para estreitar a relação dos representantes da plataforma na UNFCCC com os povos indígenas de base com os quais trabalhamos e promover a sua participação e protagonismo nestes processos.

OPAN: Diante dessas dificuldades, já existe alguma estratégia para facilitar a inclusão dos povos?

Patrícia Zuppi: Dentro da estrutura de atividades de implementação da Plataforma estão previstas atividades de capacitação, assim como reuniões regionais e oficinas/intercâmbios temáticos em que se espera garantir a participação dos sábios e sábias detentores de conhecimentos tradicionais de seus povos.

Enquanto RCA, estamos investindo em capacitação e agora deveremos ampliar essa estratégia para apoiar os povos indígenas na agenda da plataforma, sobretudo com a possibilidade de incluir os parceiros da Operação Amazônia Nativa e da Rede Juruena Vivo, mantendo sempre o diálogo e a parceria com o movimento indígena. Estamos vivendo um contexto de violação do próprio governo, de não demarcação de terras indígenas, de buscar regularizar a mineração nos territórios indígenas, então poder incidir internacionalmente é fundamental.

OPAN: Como os povos indígenas do Brasil podem se envolver e contribuir mais?

Patrícia Zuppi: A estruturação desta Plataforma foi indicada no Acordo de Paris (COP21/2015) ao estabelecer que a comunidade internacional deveria incluir nas negociações do clima o respeito aos direitos dos povos indígenas dentro de uma estrutura de direitos humanos. A implementação da Plataforma visa garantir que esses povos possam trazer a sua colaboração, as suas perspectivas e prioridades para os debates na UNFCCC, incluindo a questão das salvaguardas e direitos. Se aqui no Brasil hoje não há o devido reconhecimento dos direitos indígenas, e os mesmos estão sendo continuamente ameaçados, esses mecanismos internacionais trazem muito claramente a necessidade e a prerrogativa de respeito a esses direitos. Incidir nestes contextos pode ser um caminho favorável num momento tão adverso.

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