Pequenas hidrelétricas causam 4 vezes mais prejuízos aos rios
Estudo inédito foi apresentado durante evento organizado pela Rede Ciência Cidadã para a Amazônia. Impactos das PCHs sobre o ambiente e a cultura dos povos da bacia do Juruena também foram debatidos.
As pequenas centrais hidrelétricas, que se expandem pelos mais diminutos córregos e rios pelo Brasil e são consideradas energia limpa, podem provocar impactos até quatro vezes superiores aos das grandes usinas quando se analisam os prejuízos à conectividade das águas. A conclusão, que consta no recente artigo científico do pesquisador Thiago Couto, da Universidade Internacional da Flórida, foi apresentada durante uma discussão online promovida pela Rede Ciência Cidadã no último dia 19 de fevereiro.
Para discutir casos concretos e outras dimensões de impactos que envolvem esses empreendimentos, participaram do encontro Andreia Fanzeres, jornalista e coordenadora do Programa de Direitos Indígenas, e Ricardo Carvalho, engenheiro de pesca e indigenista do Programa de Direitos Indígenas, ambos da Operação Amazônia Nativa (OPAN).
Publicado na revista científica Nature Sustainability, o artigo “Salvaguarda de peixes migratórios por meio de planejamento estratégico de pequenas hidrelétricas no Brasil”, de Thiago Couto, aponta que as pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) estão espalhadas por toda a bacia amazônica a migração de peixes, fonte de sustento de milhões de pessoas. O documento também quantifica a capacidade de geração hidrelétrica e os impactos à conectividade dos rios para represas atuais e futuras projetadas em todo o Brasil.
Segundo Couto, as PCHs estão recebendo muitos incentivos políticos e econômicos e, com isso, expandem-se muito rápido. “ A partir do ano 2000, houve a explosão das PCHs. Hoje elas representam 85% dos empreendimentos hidrelétricos e contribuem com apenas 7% na potência de geração. Será que vale a pena construir tantas?”, questionou.
Thiago ainda explicou que os impactos ecossistêmicos são grandes, uma vez que “os peixes migradores têm que se mover ao longo da bacia para concluir o ciclo de vida. “Por causa das PCHs, esse cenário vai piorar muito no futuro. Vamos ter grandes perdas na área Amazônica e do Tapajós, os projetos vão se expandir para o centro-oeste e norte”.
O estudo conclui que dois terços das espécies migratórias avaliadas ocupam bacias que serão mais fragmentadas por pequenas hidrelétricas. “Isso inclui espécies ameaçadas de extinção e espécies que têm uma importância grande para pesca comercial”, alegou o pesquisador.
O caso Juruena
Na visão de Andreia Fanzeres, da OPAN, as comunidades da bacia do rio Juruena já vivem os impactos dessa proliferação de pequenos empreendimentos. De acordo com números atualizados em janeiro de 2021 pela OPAN, foram mapeadas 149 usinas em diferentes fases de implantação. “Percebemos a falta de planejamento setorial para implementação desses projetos no conjunto. Você acaba descobrindo que existe uma PCH ou que se pretende construir alguma, quando na verdade ela já está operando e o problemajá está instalado. A grande maioria, 71% das que identificamos na sub-bacia do rio Juruena, está em fase de planejamento. Isso quer dizer que, se a sociedade se organizar, ainda é possível evitar grandes impactos”.
Um relatório técnico da OPAN, divulgado em outubro de 2020, apontou que em apenas um ano nove empreendimentos hidrelétricos projetados em cascata em um único rio, o Sauê-Uiná, foram incluídos nos inventários da Aneel bacia do rio Juruena. Segundo o mapeamento, subiu de 66 para 72 a quantidade de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) mapeadas em 2020, em comparação com 2019, e de 46 para 49 a de Centrais Geradoras Hidrelétricas (CGHs), consideradas microempreendimentos energéticos.
Andreia também ressaltou que a previsão de novos empreendimentos hidrelétricos está associada ao modelo de desenvolvimento baseado no agronegócio. “Lamentavelmente, esta é uma região muito visada em termos de pressão por infraestrutura. Sabemos que o agronegócio, que se expande pelo norte de Mato Grosso, pretende aumentar o escoamento da produção pelos portos localizados na região norte do país, sobretudo nos na região de Itaituba, no Pará, no Tapajós. Então, existe essa pressão desenvolvimentista por mais portos, mais hidrovias e rodovias. Isso obviamente impacta não só os territórios indígenas, mas os próprios rios”, destaca.
O indigenista da OPAN Ricardo Carvalho ressaltou os danos sociais dos empreendimentos energéticos para os povos tradicionais. “Os principais impactos sobre as comunidades permeiam a segurança alimentar, principalmente dos indígenas cuja base proteica é predominantemente baseada em peixes.” Segundo o engenheiro de pesca, a ampliação dos empreendimentos hidrelétricos provoca a queda do número de peixes que são capturados por esses povos.
O indigenista ressaltou ainda que a redução de peixes nos rios tem consequências culturais relevantes na vida dos povos indígenas. “O que está sendo feito atualmente para tentar minimizar esse impacto é que estão sendo comprados peixes de piscicultura para a alimentação. A PCH Bocaiúva, que já está em operação no rio Cravari, por exemplo, afetou drasticamente a diversidade e a quantidade de peixes capturados e utilizados pelo povo Manoki nas oferendas aos espíritos, por exemplo”.
A mascreação, técnica tradicional de pesca de diversos povos dos rios do Alto Juruena, também sofre as consequências da instalação das PCHs. “A mascreação precisa de rios livres e limpos, ela é uma técnica de pesca considerada um patrimônio cultural imaterial dos povos, principalmente os que vivem em terras indígenas localizadas nas cabeceiras da bacia do Juruena. Essa técnica também encontra-se muito ameaçada por essas usinas planejadas”.
UHE Castanheira e outras pequenas usinas na microbacia do Arinos
Outro exemplo trazido por Ricardo foi uma usina de grande porte que está sendo planejada para o Rio Arinos, conhecido como um dos rios com maior abundância de peixes da bacia do Juruena. “Nós identificamos que existem 32 projetos para a microbacia do rio Arinos, sendo 17 CGHs, 12 PCHs e três usinas hidrelétricas de maior porte. Uma delas é a Usina Hidrelétrica de Castanheira, que está em processo de licenciamento. Um dos impactos da possível instalação dessa usina será o desaparecimento de um molusco bivalve, que tem suas conchas usadas na elaboração do colar Tutãra, do povo Rikbaktsa”.
Para Thiago Couto, apostar na multiplicidade de fontes de energia é a solução para a preservar a natureza e atender às demandas de ampliação de produção energética. “Existem muitos outros recursos modernos que podemos tentar explorar. Não é só a hidrelétrica, temos uma diversidade imensa, como fontes eólicas e solar. Se escolhemos os empreendimentos de menor custo socioambiental, podemos promover e incrementar a produção energética sem grandes perdas, sem esses efeitos drásticos e muito negativos nas questões socioecológicas no Brasil”.
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