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Brigadas indígenas reduzem incêndios florestais no interior e entorno de territórios

Estudo aponta que no período de atuação das equipes focos de calor diminuíram em três das quatro TIs analisadas; na TI Myky, redução de queimadas em seu interior foi de 74%.

POR HELSON FRANÇA / OPAN 

Estudo feito pelo Instituto Centro de Vida (ICV) em parceria com a Operação Amazônia Nativa (OPAN) constatou que, quando da atuação de brigadistas indígenas, o número de queimadas florestais na maioria de seus territórios teve redução significativa. Conforme a pesquisa, três de quatro Terras Indígenas (TIs) da Amazônia Legal registraram menos incêndios, em comparação aos períodos em que as equipes não estiveram em campo.

Na TI do povo Myky, localizada no Noroeste de Mato Grosso, nos anos em que brigadistas indígenas foram acionados, as queimadas ilegais mapeadas no interior do território tiveram uma redução de 74%, passando de 54 para 14. No entorno da TI, os registros de incêndios caíram de 64 para 23, uma diminuição de 62%.

Situada próxima aos Myky, na TI do povo Manoki, no intervalo relacionado à presença de equipes indígenas para combater o fogo, o número acumulado de queimadas dentro da área, que era 356, passou para 240, o que corresponde a um decréscimo de 33%. No espaço que circunda a TI, a redução foi menor, de 6% (450 para 422 incêndios contabilizados).

Na Amazônia, a TI Tenharim/Marmelos registrou uma diminuição de 25% nos focos de calor em seu interior, no período em que equipes de brigadistas se fizeram presentes.

A única das quatro TI analisadas no estudo que não apresentou redução de incêndios florestais, durante os trabalhos das brigadas indígenas, foi Marãiwatsédé. Localizada na região Leste de Mato Grosso e morada do povo Xavante, em 2020 a TI teve 38.918 hectares incendiados e foi uma das mais prejudicadas do estado por queimadas ilegais. Especialistas atribuem essa situação à forte pressão que a TI ainda sofre por parte de invasores, que intensificaram os incêndios criminosos desde o início do processo de desintrusão, entre os anos de 2013 e 2014.

Contexto preocupante

Os altos índices relacionados a desmatamentos ilegais e incêndios florestais indicam que o cenário de destruição ambiental neste ano pode ser tão ruim ou ainda pior que aquele de 2020, em que grandes densidades de fumaça cobriram os céus de muitas cidades e deixaram a atmosfera com um nível elevado de partículas tóxicas. 

O Sistema Deter (Detecção do Desmatamento em Tempo Real), vinculado ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), identificou que em maio deste ano foram registrados 2.679 focos de queimadas na floresta amazônica, o que corresponde a um aumento de 49%, em comparação aos dados contabilizados no mesmo período de 2020 – 1.798 casos.

A escalada nos incêndios florestais acompanha o ritmo intenso de desmatamento ilegal. Em abril, os alertas de desmatamento do Deter totalizaram mais de 580 quilômetros quadrados de destruição na floresta amazônica, um aumento de quase 43% na devastação em relação ao mesmo mês em 2020, que registrou cerca de 406 quilômetros quadrados de desmate.

Especialistas apontam que o uso do fogo na maior parte dos casos ocorre após o desflorestamento, como uma forma barata de “limpar” e preparar o solo para fins agropecuários.

Diante desse contexto, o trabalho das brigadas indígenas de combate aos focos de incêndio nas florestas tem demonstrado ser cada vez mais importante à proteção de seus territórios, fundamentais para regulação do clima e consistência das chuvas.

Segundo Maristella, que é indigenista e atuou na Funai por 38 anos, a atuação dos indígenas nas brigadas contribui para a preservação dos territórios. Foto: Arquivo Pessoal

“As brigadas indígenas têm demonstrado que as técnicas implementadas impedem o fogo de se alastrar para dentro dos territórios e de causar uma maior devastação. A população indígena, por natureza, já possui um profundo conhecimento de seu espaço, mas o manejo do fogo, para períodos críticos, contribui ainda mais para a preservação de suas terras. O que é bom para todos nós”, afirma Maristella Aparecida Corrêa, indigenista que atuou na Fundação Nacional do Índio (Funai) por 38 anos.

Uma das principais especialistas no país no controle do fogo sob o contexto indígena, Maristella é vinculada ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), órgão responsável pela gestão dos cursos de formação de brigadistas voltados aos povos originários – uma iniciativa do projeto PrevFogo.

Formação de brigadistas indígenas

Maristella detalha que o curso de formação alterna entre atividades teóricas e práticas. Durante o treinamento, além de estratégias de combate à dissipação de labaredas, são detalhadas técnicas de caráter preventivo, como a realização de aceiros, que consiste na eliminação da vegetação rasteira para evitar que o fogo possa se espalhar.

Este ano, as brigadas já iniciaram o trabalho preventivo, com a queima prescrita e a realização de aceiros. Foto: Arquivo Pessoal

A queima prescrita, que visa reduzir o combustível acumulado (material seco) e assim mitigar os efeitos das queimadas, também é esmiuçada.

O trabalho preventivo, já em atividade, ocorre antes do início do período considerado crítico, marcado pela baixa umidade do ar e maior número de incêndios florestais. Esse período geralmente vai de agosto até meados de novembro.

De acordo com o indigenista da Operação Amazônia Nativa (OPAN) Paulo Eberhardt, que atua de forma mais próxima ao povo Myky, além dos benefícios ambientais, com a redução das queimadas e preservação da biodiversidade, as brigadas indígenas beneficiam na complementação da renda das famílias, uma vez que o contrato com os brigadistas tem a duração de seis meses e prevê remuneração. Paulo também destaca o fortalecimento das relações.

“Os membros das equipes percebem que sem existir confiança mútua dificilmente o trabalho será bem sucedido. Nota-se, no decorrer e ao final do processo, um maior senso de coletividade e união”, observou Paulo.

A OPAN coopera com a atuação dos brigadistas, por meio do melhoramento da estrutura e formação no campo tecnológico. As sedes passaram a ter internet e as equipes foram contempladas com ferramentas de georreferenciamento, drones, computadores e quadriciclo.

Em Mato Grosso e no Amazonas serão envolvidos neste ano 199 indígenas, a serem distribuídos por 13 brigadas, que atuarão nos seguintes territórios: Bakairi, Utiariti, Paresi, Myky, Juininha, Manoki, Menkü, Marãiwatsédé, Wawi, Parque Indígena do Xingu e Tenharim/Marmelos.