15 de setembro de 2021

Ministro Alexandre de Moraes pediu vista após Nunes Marques votar a favor de tese que deturpa direitos dos povos originários.

Helson França/OPAN

O julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365 no Supremo Tribunal Federal (STF), que versa sobre a possibilidade de se instituir um marco temporal à demarcação de terras indígenas – tese que viola os direitos originários das populações nativas sobre os seus territórios – , foi suspenso por tempo indeterminado nesta quarta-feira (15.09). A situação ocorreu porque o ministro Alexandre de Moraes pediu vista do processo. Agora, o caso somente volta à pauta do Supremo quando Moraes liberar os autos e uma nova sessão for agendada pela Corte.

Ele sustentou que precisava de um tempo maior para avaliar os votos anteriores dos colegas Edson Fachin e Nunes Marques, que divergiram, para somente então formar convicção sobre o tema e proferir sua decisão. Marques, recém-nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro, votou a favor da tese do marco temporal – algo já esperado, segundo juristas. 

“Não nos surpreendeu. Em seu argumento [a favor do marco temporal], o ministro chegou a citar linhões de energia e estradas que cruzam terras indígenas, opondo os direitos dos povos nativos à ideia de desenvolvimento econômico e progresso. Trata-se de uma narrativa retrógrada, expressão máxima do agronegócio ”, observou o advogado Eloy Terena, coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), durante transmissão virtual em que analisava o julgamento.

Fachin, que é o ministro-relator do processo, já havia lido o seu voto, contrário ao argumento, em junho, durante sessão virtual do tribunal. Na semana passada, ele ratificou o seu posicionamento.

Povos seguem mobilizados em todo o país. A 2ª Marcha das Mulheres, em Brasília, reuniu mais de 5 mil pessoas. Créditos: APIB.

Desde o dia 20 de agosto, milhares de indígenas estiveram na capital federal para acompanhar o julgamento. Um acampamento, denominado Luta Pela Vida, chegou a ser montado na Praça da Cidadania. Na semana passada, ainda foi realizada a 2ª Marcha das Mulheres, movimento pelo empoderamento feminino indígena, que reuniu mais de cinco mil pessoas. Mesmo assim, o julgamento, na pauta do desde o dia 30 de junho, foi sucessivamente adiado.

Marco temporal

Argumento defendido por ruralistas e setores interessados na exploração das terras indígenas, o marco temporal sustenta que os povos originários só podem reivindicar terras que eram ocupadas por eles na data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988 – ou áreas que disputavam judicialmente naquele momento.

O entendimento problemático desconsidera remoções forçadas e todas as violências sofridas pelos indígenas antes da Constituição.

Entre os povos que foram expulsos de suas terras, estão os Tapayuna. O grupo historicamente vivia em uma área situada na margem esquerda do Rio Arinos, via fluvial que atravessa os municípios mato-grossenses de Juara, Novo Horizonte do Norte, Porto dos Gaúchos, Itanhangá e Tabaporã.

Após quase serem dizimados pela violência e gripe levadas por invasores, seringueiros em sua maioria, os indígenas foram removidos compulsoriamente de suas terras em maio de 1970, durante a Ditadura Militar. Eles foram transferidos em aviões militares da Força Aérea Brasileira (FAB) para a região do Xingu – onde permanecem até hoje.

Outros povos que foram tirados dos locais de origem são os Kayabi, que habitavam a cabeceira do Rio Teles Pires e a região do Rio dos Peixes, no Norte de Mato Grosso. De forma semelhante aos Tapayuna, eles também foram levados para o Xingu, na década de 70.

O argumento do marco temporal contraria também a própria Constituição Federal, que no artigo 231 assegura aos indígenas seus “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, e atribui à União a responsabilidade em “demarcá-las e protegê-las”. A tese ainda configura grave ameaça aos povos indígenas isolados, já que, em razão da condição em que vivem, a comprovação territorial desses grupos ficaria ainda mais difícil de ser realizada.

Na avaliação do coordenador geral da Operação Amazônia Nativa (OPAN), Ivar Busatto, a referida tese configura um “saque de direitos” das populações indígenas.

“O direito territorial dos povos indígenas foi reconhecido pela própria Constituição como sendo um direito originário e imprescritível, ou seja, que antecede inclusive a formação do Estado brasileiro e não perde o efeito ao longo do tempo. Pensar em estipular uma data para dizer qual povo pode ou não ter a terra demarcada, além de ser um retrocesso e não resolver as disputas territoriais, favorece o acirramento de conflitos”, observa.

Julgamento

O julgamento no STF faz parte de uma ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, que se refere à TI Ibirama-Laklãnõ, onde vivem também indígenas Kaingang e Guarani. O Recurso Extraordinário possui status de repercussão geral – o que significa que a decisão tomada servirá de diretriz para casos semelhantes no país, em todas as esferas judiciais.

No caso de o argumento do marco temporal prevalecer no STF, todas as terras indígenas que se enquadrem no critério ficam ainda mais ameaçadas. Isso porque aquelas já demarcadas podem ser reduzidas e as outras, em trâmite para a regularização fundiária, podem não ter o processo concluído.

Dados do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), revelam que, das 1.298 terras indígenas no Brasil, 829 (63%) apresentam alguma pendência do Estado para a finalização do seu processo demarcatório e o registro como território tradicional indígena na Secretaria do Patrimônio da União (SPU).

O argumento do marco temporal voltou a ganhar força em 2017, durante o governo do ex-presidente Michel Temer. Na época, a Advocacia Geral da União (AGU) emitiu parecer favorável para que a tese, aplicada já no julgamento da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em 2009, fosse utilizada em outros casos semelhantes.

Localizado em Roraima, o território era reivindicado por ruralistas, apesar da reconhecida presença indígena. Em meio aos conflitos, a disputa chegou ao STF, que decidiu em favor dos povos originários.

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