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Único dispositivo que protege Terra Indígena Piripkura é renovado por apenas 6 meses

Prazo destoa do que a Funai costuma atribuir a uma portaria de restrição de uso, que geralmente tem validade de pelo menos 2 anos. Território é onde vivem povos isolados

Helson França/OPAN

A Fundação Nacional do Índio (Funai) renovou por apenas seis meses o único dispositivo que protege a Terra Indígena (TI) Piripkura, onde vivem grupos isolados. O prazo destoa do que, normalmente, a autarquia atribui a uma restrição de uso. Desde 2008, quando a primeira portaria do tipo foi publicada, a vigência concedida é de, geralmente, pelo menos dois anos. Algumas, como a que protege a TI Tanarú, têm validade de uma década; já a da TI Kawahiva do Rio Pardo, tem os efeitos assegurados até que o processo de demarcação seja devidamente concluído.

O documento que confirma a renovação da portaria que protege a TI Piripkura foi publicado no Diário Oficial da União desta sexta-feira (17) – um dia antes do vencimento. O instrumento proíbe o acesso de pessoas não autorizadas pela Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados (CGIIRC) à área, veda a exploração de recursos naturais, bem como a expansão das propriedades rurais que ali já se encontravam inseridas antes de o território ter alguma proteção legal – além do surgimento de outras.

Terra Indígena Piripkura é onde vivem Tamandua e Pakyî (Baita], remanescentes de que se têm notícia de um grupo dizimado pela ação de invasores na década de 70

“É um prazo de validade exíguo, sobretudo se olharmos para o histórico de outras portarias de restrição de uso que foram publicadas. O nosso receio é de que, após esse período, que não é suficiente para realização dos estudos antropológicos, etno-históricos e todo o levantamento fundiário da área, ela tenha os limites territoriais reduzidos”, afirmou Elias Bigio, doutor em História pela Universidade de Brasília (UnB), ex-titular da CGIIRC e atual presidente da Operação Amazônia Nativa (OPAN).

A reportagem questionou a Funai sobre a justificativa pela renovação da portaria por seis meses, mas até o momento não obteve retorno.

A TI Piripkura está com o processo de regularização fundiária parado, depois que a Justiça Federal suspendeu a atuação do Grupo Técnico (GT) responsável pela identificação do território, em razão de os integrantes – indicados pela Funai –  não possuírem isenção e formação necessárias para a realização dos trabalhos. O reconhecimento da área pelo GT é uma das últimas etapas do processo de demarcação de uma terra indígena.

Situada na região amazônica de Mato Grosso, entre os municípios de Colniza e Rondolândia, a TI Piripkura é o local onde vivem Tamandua e Pakyî (Baita), remanescentes de que se têm notícia de um grupo dizimado pela ação de invasores na década de 70. Uma terceira sobrevivente, Rita, atualmente vive com o povo Karipuna, em Rondônia.

O território foi inicialmente detectado em 1985, a partir de trabalhos realizados por equipes da OPAN e Prelazia de Ji-Paraná, responsáveis pelo desenvolvimento de ações para proteção dos grupos indígenas que vivem na região. Apesar de a ocupação tradicional de povos originários na área ter sido reconhecida, o processo de regularização fundiária da TI Piripkura evolui em ritmo lento.

Em contraste a esse ritmo, está o avanço de madeireiros, garimpeiros e demais invasores, que passaram a intensificar a degradação ambiental no território e em seu entorno. A terra indígena foi a mais desmatada em 2020 entre aquelas com a presença confirmada de povos isolados e, de acordo com um levantamento realizado pela OPAN, passou a ser cobiçada para atividades de garimpo. A atração relaciona-se a uma espécie de mapa do ouro divulgado pelo governo federal em dezembro do ano passado.

De 2019 até hoje, o tamanho da área requerida junto à Agência Nacional de Mineração (ANM) para atividade de lavra garimpeira ao redor do território (buffer de 10 quilômetros) aumentou mais de nove vezes, saltando de 5.857 hectares para 53.889 hectares – o que representa um incremento de aproximadamente 820%.

“As informações mostram a grande pressão que a terra do povo Piripkura vem sofrendo e, o que é mais alarmante, que sofrerá muito brevemente, caso nada seja feito para garantir a proteção efetiva deste território”, alertou o indigenista da OPAN, Ricardo Carvalho.

Atualmente, existem em vigência sete portarias de restrição de uso protegendo povos isolados na Amazônia. Além da relacionada ao território Piripkura, outras duas, referentes às terras indígenas Jacareúba/Katawixi (AM) e Pirititi (RR), terão a validade expirada em dezembro de 2021. Já em janeiro do próximo ano, vence o efeito do instrumento normativo que protege a TI Ituna-Itatá (PA). Para pressionar a Funai a renovar todas as portarias, entidades da sociedade civil lançaram uma campanha.