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Mudança de percepção de indigenistas assegurou direito de povos em permanecer isolados

Mobilizações ocorridas na década de 80 foram determinantes para consolidação de políticas de proteção aos grupos em isolamento, que passaram a ter o princípio da autodeterminação priorizado.

POR HELSON FRANÇA/OPAN

Entre os povos originários, existem aqueles que, para sobreviver à ação de invasores em seus territórios e preservar seu modo de vida, tiveram que buscar refúgio nas áreas mais densas e remotas das florestas. Esse esforço pela não interação com quem não seja parte de seu círculo de confiança é uma realidade que perdura até hoje.

Esses povos que procuram viver sem contato com o mundo exterior são os isolados, grupos que têm como características a persistência cultural de práticas e valores e representam um fenômeno social único no mundo.

Grupos isolados na floresta amazônica. Foto: Ricardo Stuckert/Instagram

Atualmente, a Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC), órgão vinculado à Fundação Nacional do Índio (Funai) e que é responsável pela proteção desses grupos, dispõe de 114 registros sobre índios isolados, dos quais 28 são referências confirmadas, 74 ainda em estudo e 12 grupos de recente contato.

A criação de um órgão exclusivo vinculado ao Estado, para que a salvaguarda aos povos originários em isolamento fosse reforçada, aconteceu apenas em 1987. O estabelecimento da CGIIRC foi fruto de um longo processo de reflexão e mudança de percepção dos indigenistas e alguns missionários em relação à política vigente na época – que previa a atração e posterior assimilação do índio à cultura do homem branco, para somente então se definir uma proteção ao território nativo. Essa metodologia, ao invés de defender os indígenas, estava levando-os ao extermínio.

“Um tempo após acontecer o contato, uma boa parte dos índios morriam, em decorrência de doenças e perda de seus territórios. A política de atração remetia a uma ideologia colonizadora. Precisávamos romper com essa lógica. Era necessário implementar uma forma de atuação com os grupos em isolamento que tivesse como premissas a garantia da saúde, proteção territorial e do respeito à vontade desses indígenas em não serem contactados. Não eram eles que deveriam ser incorporados à nossa cultura, mas sim nós adentrarmos em seu universo”, afirmou Ivar Busatto, indigenista com 50 anos de atuação em defesa dos povos originários e que atualmente ocupa a função de coordenador geral da Operação Amazônia Nativa (OPAN) – organização indigenista fundada em 1969.

Entre os povos acometidos por doenças e que quase desapareceram em razão do encontro com o homem branco estão os Tapayuna, que viviam na margem esquerda do Rio Arinos – via fluvial que atravessa os municípios mato-grossenses de Juara, Novo Horizonte do Norte, Porto dos Gaúchos, Itanhangá e Tabaporã.

Avistados por missionários em 1949, na segunda metade do século XX, os Tapayuna encontravam-se desprotegidos em seu próprio local de origem. Invasores, seringueiros em sua maioria, faziam cerco aos indígenas. Os métodos para tentar ceifar a vida dos nativos eram diversos e incluíam práticas de sabotagem. Animais que faziam parte da dieta dos Tapayuna, como antas, eram envenenados pelos invasores. “Precisamos amansar os brancos, que são muito selvagens”, diziam os jesuítas que atuavam em missões na região, apontam registros da época.

Cansados após décadas de conflitos com as frentes de expansão seringueira e agropecuária, em setembro de 1969 os Tapayuna buscaram contato amistoso com uma embarcação de indigenistas que passava pelo Arinos. Como desdobramento do encontro, a Funai assumiu a responsabilidade pela salvaguarda do povo. Em razão de uma atuação desastrosa da autarquia, em menos de três meses, após um surto de gripe, a população dos Tapayuna, que era de aproximadamente 400 pessoas, foi reduzida a apenas 45.

Imagens dos Tapayuna. Foto: João Américo Peret, 1969.

Em maio de 1970, durante a Ditadura Militar, os indígenas acabaram removidos compulsoriamente de suas terras. Os Tapayuna foram transferidos em aviões militares da Força Aérea Brasileira (FAB) para o Parque Nacional do Xingu – uma terra estranha para eles e onde permanecem até hoje.

Todo esse contexto, parte de um histórico semelhante, levou os indigenistas a buscar novas estratégias na forma de lidar com os povos indígenas isolados ou de recente contato. Os sertanistas – expressão mais antiga que denominava os indigenistas com profundo conhecimento das florestas e dos povos indígenas que lá vivem – organizaram então três encontros na década de 80, para propor mudanças na relação com os povos em isolamento.

Encontro de sertanistas

O primeiro dos encontros foi organizado em Cuiabá-MT, entre os dias 5 e 7 fevereiro de 1980, por sertanistas da OPAN – como Ivar – e do Conselho Indigenista Missionário (CIMI). Na reunião, a política de atração aos indígenas em isolamento mantida pela Funai à época é comparada a uma “captura”, ou um “cerco aos índios”. Tanto a OPAN quanto o CIMI consideraram que os contatos “são forçados pela expansão do capitalismo sobre novas áreas. Então as pacificações são feitas para manter a ‘boa aparência’ e ‘lavar as mãos’”, consta no documento intitulado “Reunião para estudar a situação em que se encontram os índios livres”, que registrou o encontro e que encontra-se disponível no acervo da OPAN, em Cuiabá.

A iniciativa ainda resultou em um levantamento a respeito da situação dos grupos isolados nos estados de Mato Grosso, Rondônia, Acre, Amazonas, Pará e Maranhão, incorporado pela Funai anos mais tarde, em 1988.

Já em 1986, as respectivas organizações realizaram um novo evento, denominado “Encontro sobre índios isolados e de contato recente-OPAN/CIMI”, no período de 27 a 30 de outubro de 1986, em Cuiabá-MT. A atividade ressaltou que a regularização fundiária dos territórios dos índios isolados não deveria estar “subordinada à existência de contatos regulares”. Recomendou também que deveria ser feito um acompanhamento jurídico permanente para demarcação de terras indígenas, sobretudo dos territórios dos índios isolados.

Todos esses movimentos culminaram, então, no “Encontro de Sertanistas”, ocorrido em Brasília, de 22 a 25 de junho de 1987, na sede da Funai. Puxado pelo indigenista Sydney Possuelo, as premissas das reuniões anteriores, em Cuiabá, influenciaram fortemente as discussões que visavam definir outros rumos e conjunto de diretrizes na política em relação aos indígenas isolados.

No evento, os sertanistas partilharam a preocupação de anos de vivência e diziam ter consciência de que, quando atuavam em um trabalho de atração, estavam na verdade, “sendo ponta-de-lança de uma sociedade complexa, fria e determinada”. “Estamos invadindo terras por eles habitadas, sem seu convite, sua anuência. Estamos lhes incutindo necessidades que jamais tiveram. Estamos desordenando organizações sociais extremamente ricas. Estamos lhes tirando o sossego. Estamos muitas vezes, levando-os à morte”, consta em trecho de documento formulado no Encontro, detalhado no livro “Povos Isolados de Mato Grosso”, de autoria de Elias Bigio, que é doutor em História pela Universidade de Brasília (UnB) e ex-coordenador-geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Funai (2006-2011).

“Foi um momento histórico, eu diria. Indigenistas de todo o Brasil estavam lá, reunidos, na busca por sistematizar todas as ideias e propor uma nova alternativa que pudesse, de fato, proteger os povos originários em isolamento. Era consenso que algo precisava ser feito e que deveria partir de nós, as pessoas que mais conheciam a realidade desses grupos”, destacou José Carlos Meirelles, indigenista aposentado da Funai, após quase 50 anos de carreira, sendo 20 deles como coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental (FPE) Envira, no Acre. Meirelles, que, a convite de Sydney, via rádio, viajou do Acre até Brasília para participar do encontro.

Após os três dias de discussões, definiu-se que o princípio da autodeterminação dos povos isolados, que versa sobre o direito desses indígenas em viver sem contato com outros grupos e a seu modo tradicional, deveria ser não apenas respeitado e priorizado, mas sobretudo protegido.

No mesmo ano, pouco depois do encontro, a Funai publicou três portarias que romperam com a tradicional política de atração e consolidaram o respeito ao conceito da autodeterminação dos povos em isolamento, bem como a necessidade de mantê-los protegidos.

A primeira, a portaria nº 1.900, de 6 de julho de 1987, estabeleceu as diretrizes e a criação da Coordenadoria de Índios Isolados (CGI) – que mais tarde, ao englobar também os indígenas recém-contatados, tornou-se CGIIRC. A portaria estabeleceu que o contato deveria ser realizado apenas em último caso, quando fosse evidente o risco à saúde ou integridade física dos povos originários.

Já a portaria nº 1.901 de 6 de julho de 1987, determinou que todos os grupos de indígenas isolados no Brasil fossem mapeados e que, a partir desse trabalho, os territórios onde as populações vivem fossem interditados e fiscalizados pelas Frentes de Contato – equipes formadas por indigenistas vinculados à Funai. Essas equipes também desempenham papel importante na identificação de territórios onde vivem povos isolados.

Essas duas portarias, em 2000, foram atualizadas e substituídas, respectivamente, pelas de nº 281 e 290, ambas de 20 de abril, que mantiveram a essência e reforçaram o texto das anteriores, além de atualizarem nomenclaturas. As Frentes de Contato, por exemplo, passaram a ser denominadas Frentes de Proteção Etnoambiental.

Promulgada em 5 de outubro de 1988, a Constituição Federal do Brasil ressalta, no artigo 4º,  que preza, também, pelo respeito à autodeterminação.

No julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o estabelecimento, ou não, de um marco temporal para a demarcação de terras indígenas, o ministro-relator do caso, Edson Fachin, destacou o referido princípio em seu voto.

“A compreensão de uma sociedade plural e de respeito à diversidade, como aquela que a Constituição de 1988 busca constituir, exige que se respeite o direito à autodeterminação desses povos, mantendo-os fora do contato constante com outras pessoas, em respeito a seu modo de vida e evitando sua dizimação, como ocorreu notoriamente em nosso País com outras comunidades contactadas ao longo da história”, enfatizou Fachin em seu voto.

Identificação e localização

Pouco antes de a Constituição ser promulgada, a Funai publicou a portaria de n º1.047, de 29 de agosto, que definiu os critérios para se identificar geograficamente os grupos em isolamento, evitando-se o contato. Além das coordenadas geográficas, as equipes das Frentes de Proteção deveriam indicar os riscos aos quais os indígenas estavam expostos.

O documento, referência até os dias atuais, estipula que expedições terrestres e/ou fluviais são a melhor forma de as equipes atuarem em campo. Porém, quando necessário, devem ser realizados sobrevoos, para se ter melhor compreensão da área, bem como perceber as pressões sofridas pelos indígenas em isolamento, em razão da proximidade de fazendas, garimpos, estradas e hidrelétricas de seus territórios.

Expedição de três meses atravessou áreas do Vale do Javari, no Amazonas Foto: Divulgação

Conforme a portaria, devem ser detalhadas em mapas as aldeias e todos os elementos e vestígios que possam comprovar a ocupação indígena, como os caminhos, os acampamentos de caça, roças e os cemitérios. É preciso também que sejam esmiuçados os sítios arqueológicos, as inscrições rupestres, grutas e cavernas, para serem protegidos de qualquer degradação.

“Esses registros contribuem não apenas para instruir processos de identificação e regularização fundiária das terras indígenas ocupadas por povos isolados, mas também, e sobremaneira, para a defesa dos direitos indígenas em ações judiciais em que pessoas e instituições contestam as identificações e demarcações dos territórios indígenas”, enfatiza Bigio.

Vida na floresta

Responsáveis pela fiscalização dos territórios onde os povos isolados vivem, os indigenistas que compõem as Frentes de Proteção Etnoambiental são aqueles que mais conhecem a realidade desses grupos. Eles ficam estabelecidos em bases montadas estrategicamente nas proximidades dos limites das terras indígenas, para tentar impedir a entrada de invasores. Porém, nem sempre isso é possível. 

“Falta investimento. As equipes são muito reduzidas, não sendo suficiente para monitorar  uma área de milhares de hectares. A situação tem ficado ainda mais precária no atual governo, o que favorece o avanço criminoso de madeireiros, grileiros, garimpeiros e pistoleiros sobre os territórios”, alertou Meirelles.

Os invasores, segundo o indigenista, quando conseguem adentrar um local onde vivem povos isolados, ao menor sinal de vestígios da presença desses grupos, tratam logo fazê-los desaparecer. Ou, no caso de encontrar os indígenas, a ordem é matá-los e sumir com os corpos. Os métodos são empregados para evitar que se confirme a existência de indígenas isolados em determinadas regiões para, assim, tentar uma apropriação da área. 

Em razão dessas pressões históricas, na vivência do indígena que vive isolado, a aproximação, portanto, remete a um contexto de violência, reitera Meirelles. Por essas razões, alguns povos, quando são localizados, tendem a atacar, no intuito de se defender. Entre os indigenistas, esse comportamento já é bem assimilado. Porém, isso não impede que acidentes aconteçam.

No ano de 2004, no dia 4 de novembro, durante uma expedição de identificação, Meirelles estava em uma canoa, na confluência dos rios Envira e Xinane, próximo à fronteira do estado do Acre com o Peru, quando foi surpreendido com flechas vindas em sua direção. Quando tentou reagir, era tarde demais: uma delas entrou perto de sua orelha esquerda e atravessou o seu pescoço.

“Pulei da canoa e ao conseguir chegar à margem, corri, como nunca na vida. Senti outras flechas passando próximas à minha cabeça. Dei tiros para o alto e gritei por ajuda. Fui socorrido pelos colegas, levado até a base e lá fiquei, até a chegada da equipe médica, de helicóptero, que foi contactada via rádio. A espera durou por volta de quatro horas. Quando os médicos e enfermeiros chegaram, lembro que embaixo das minhas unhas pairava um tom azulado, o que não era um bom sinal. Minha pressão estava muito baixa, mas fui socorrido a tempo e tudo correu bem”, recorda.

Dez anos depois do ocorrido, indígenas do grupo Tsapanawa, devido às pressões de invasores, buscaram contato com o mundo exterior e passaram a viver nas proximidades da base da Funai da FPE Envira, que Meirelles coordenava. Com a ajuda de um intérprete, era possível estabelecer comunicação. Num desses encontros, a conversa passou a abordar sobre conflitos na região. Meirelles então mostrou a sua cicatriz aos indígenas, que perguntaram onde exatamente tinha acontecido o episódio. Quando o indigenista mostrou o local e detalhou exatamente onde havia sido flechado, um dos Tsapanawa começou a rir e interrompeu Meirelles. “Ele apontou para um companheiro e falou: ‘está vendo aquele ali, foi ele quem te flechou’”, conta o indigenista.

Membros do povo Tsapanawa durante seu primeiro contato com o mundo exterior, quando visitaram a aldeia Simpatia, do povo indígena Ashaninka, no Acre. Foto: Funai/Arquivo

Meirelles descobriu então que havia sido confundido com um invasor, também de barba e cabelos brancos, que teria executado a mulher do Tsapanawa. Depois da revelação, o indigenista foi procurado pelo autor da flechada. “Ele me perguntou se eu o mataria por vingança. Respondi que não, que já estava tudo superado e o assunto foi encerrado”, relatou.

No ano passado, em 9 de setembro, outro indigenista que atuava com os povos isolados foi flechado, vindo a falecer. Rieli Franciscato, 56 anos, foi atingido no tórax durante uma missão em Seringueiras (RO). Ele era o coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Uru-Eu-Wau-Wau (FPEUEWW).

“O que aconteceu com o Rieli foi uma fatalidade. É preciso ressaltar que ele seria o primeiro a não atribuir qualquer culpa aos indígenas. A gente (indigenistas) sabe que existe esse risco, pois os povos isolados, devido ao histórico de violência contra eles, não fazem distinção entre quem é inimigo ou defensor. Todos nós sentimos muito, o Rieli era uma grande pessoa”, lamentou Meirelles.

Além da FPE Envira, a CGIIRC conta com outras dez Frentes de Proteção Etnoambiental: Vale do Javari (AM), Purus (AM), Envira (AC), Yanomami (RR), Guaporé (RO), Uru-Eu-Wau-Wau (RO), Cuminapanema (PA, AP), Médio Xingu (PA), Madeirinha-Juruena (MT, AM, PA) e Awa-Guajá (MA).

Atuação das Frentes de Proteção Etnoambientais

As informações sobre os territórios recolhidas pelas Frentes subsidiam processos de demarcação ou interdição das áreas. A FPE Envira, contribuiu diretamente na regularização fundiária das terras Kaxinawá do Rio Humaitá, Kulina do Rio Envira e Mamoadate, todas no estado do Acre; a FPE Vale do Javari foi determinante para a delimitação e demarcação da terra indígena de mesmo nome, que possui 19 referências de povos isolados (entre confirmados e em estudo) – a maior concentração de grupos em isolamento do Brasil e possivelmente do mundo; já a FPE Madeirinha-Juruena foi fundamental para o reconhecimento do território Kawahiva do Rio Pardo junto ao Ministério da Justiça em 2016. A terra, que ainda não foi demarcada, é protegida por uma portaria de restrição de uso, até que o processo de demarcação seja concluído.

O indigenista Edemar Treuherz, que coordenou a FPE Madeirinha-Juruena (2005-2006), lembra um pouco de como era a rotina de identificação da área, com a presença confirmada de povos isolados.

“Adentrávamos a floresta com mochila nas costas, pouquíssima roupa e comida. Cada um leva a sua barraca. Quando o dia clareia, desarmamos ela, colocamos tudo na mochila, vestimos a roupa molhada e seguimos. Quando não havia um caminho estabelecido (trilha), abríamos picadas. Passávamos os dias anotando as coordenadas geográficas e realizando o registro de vestígios, que eram abrigos, sinais na mata, utensílios que encontrávamos e sítios arqueológicos. Quando nos deparávamos com grupos de indígenas isolados, não nos aproximávamos. Houve uma noite em que, já dentro das barracas, fomos cercados. Tentaram nos afugentar, mas não reagimos e nada aconteceu. De certo perceberam que não oferecíamos ameaça. Não cheguei a ter medo. Essas pessoas só querem ter o direito de viver em paz, não são elas a quem devemos temer”, reflete Edemar.

Edemar no centro e à esquerda o indigenista Rieli Franciscato, morto em em 2020, vítima de uma flechada. Foto: Arquivo Pessoal.

Restrição de uso

A portaria de restrição de uso é um dispositivo que proíbe o acesso de pessoas não autorizadas pela CGIIRC a áreas com presença confirmada de grupos em isolamento. O instrumento também veda a exploração de recursos naturais e a expansão das propriedades rurais inseridas em determinado território – situação possível por ocorrer antes da existência de medidas restritivas.

Além da Terra Indígena Kawahiva do Rio Pardo, outras seis estão sob proteção da restrição de uso. As terras indígenas Jacareúba/Katawixi (AM) e Pirititi (RR) terão a portaria expirada em dezembro deste ano. Já em janeiro do próximo ano, vence o efeito do dispositivo que protege a TI Ituna-Itatá (PA).

Imagem de satélite da TI Kawahiva. Fonte: povosisolados.com
Habitação do povo Kawahiva, registrada pela FPE Madeirinha-Juruena

Recentemente, a portaria que protege a TI Piripkura foi renovada pela Funai por apenas seis meses. O prazo destoa do que, normalmente, a autarquia atribui a uma restrição de uso. Desde 2008, quando o primeiro dispositivo do tipo foi publicado, a vigência concedida é de, geralmente, pelo menos dois anos.

Como vem sendo uma dos territórios mais prejudicados pelo avanço predatório de grileiros, madeireiros e, mais recentemente, garimpeiros, a preocupação é de que o prazo exíguo seja uma estratégia para que a terra tenha os limites territoriais reduzidos, uma vez que a devastação pode vir a comprometer a identificação de vestígios que confirmem a presença dos Piripkura em certas regiões.

A terra é onde vivem Tamandua e Baita, remanescentes de um grupo dizimado por invasores. Uma terceira sobrevivente, Rita, vive com o povo Karipuna, em Rondônia.O território foi detectado em 1985 por indigenistas da OPAN e desde então seu processo de regularização fundiária arrasta-se. Atualmente, o trâmite está parado, depois que a Justiça Federal suspendeu a atuação do Grupo Técnico (GT) responsável pela identificação do local, em razão de os integrantes – indicados pela Funai – não possuírem isenção e formação necessárias para a realização dos trabalhos. O reconhecimento da área pelo GT é uma das últimas etapas do processo de demarcação de uma terra indígena.

Sobreviventes de um genocídio, Tamandua e Baita resistem dentro da TI Piripkura. Eles são dois dos últimos representantes do povo, de que se têm notícia, que vivem no território. Foto: Bruno Jorge (ISA).