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Órgãos do governo de MT demoram quase um ano para encaminhar informações sobre projetos que impactam povos indígenas

Documento produzido pela OPAN e Transparência Internacional Brasil aponta que o período de resposta da Sema e CGE de MT chegou a praticamente o triplo do prazo máximo estipulado pela legislação, sendo de 105 dias para uma das solicitações dentre as dezenas de pedidos realizados.

Por Beatriz Drague Ramos/OPAN

Cerca de 334 dias é o tempo médio enfrentado pela Operação Amazônia Nativa (OPAN) para obter informações de órgãos ambientais e de controle a respeito de empreendimentos com possível impacto na vida e nos territórios dos povos indígenas de Mato Grosso (MT). O dado está na nota técnica “Acesso às informações sobre licenciamento ambiental no Estado de Mato Grosso”, elaborada pela Transparência Internacional Brasil (TI BR), em parceria com a OPAN, lançada nesta segunda-feira (13).

As entidades monitoraram cerca de 50 pedidos de acesso à informação encaminhados à Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso (SEMA) pela OPAN entre fevereiro de 2018 e outubro de 2021. Foi constatado que o tempo de resposta para diversas solicitações ultrapassou os 105 dias determinado pelo Decreto n. 1.973/2013 do estado de Mato Grosso, legislação vigente durante a maior parte da tramitação dos pedidos.

Aproximadamente um quinto das solicitações foi respondida fora do prazo máximo estipulado pelas normativas que regulamentam a Lei de Acesso à Informação (LAI) no estado, os decretos de números 1.973/2013 e 806/2021. Este último determina 65 dias para a resposta. Apenas metade dos pedidos foi respondido em conformidade com a legislação em menos de 20 dias. O restante dependeu de recursos a instâncias superiores, endereçados à Ouvidoria e Controladoria Geral do Estado de Mato Grosso. Dentre eles, chama a atenção um pedido que trata de possível infração ambiental, que está completando mais de 1.000 dias, quase três anos, sem retorno à solicitação de complementação de informações. 

Acompanhar o longo percurso a ser enfrentado pelas instituições para acessar dados sobre licenciamento ambiental e obras de infraestrutura que podem ocasionar impactos socioambientais foi um dos objetivos da Nota, segundo Kátia Demeda, coordenadora de Projetos na Transparência Internacional – Brasil  “Apresentar as dificuldades que as pessoas e organizações da sociedade civil enfrentam em acessar informações que são públicas e têm impacto na vida cotidiana demonstra como o direito ao acesso à informação ainda precisa ser constantemente defendido e monitorado, expondo os caminhos para o seu aprimoramento”, diz.

O que se observa nos casos apresentados, segundo ela, é uma “lacuna entre a teoria, o que está previsto na legislação sobre o acesso à informação, e o que de fato se observa na realidade”,  complementa a representante da organização.

Nessa linha, Marcos de Miranda Ramires, indigenista da OPAN e um dos autores do trabalho, observa que a Nota Técnica visa contribuir para o aprimoramento da consulta feita de forma prévia, livre e informada aos povos indígenas, que podem sofrer impactos frente à instalação de empreendimentos dentro de seus territórios, ou próximos, como estabelece o Art. 6º da Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). “A dificuldade, ou mesmo a falta de acesso à informações produzidas pela SEMA, impacta a vida dos povos indígenas nesse território, na medida em que essas informações não chegam no tempo necessário e com uma qualidade mínima, o que dificulta a tomada de decisão.” 

A partir disso, os casos trazidos no documento expõem os prejuízos que a morosidade no fornecimento de informações provoca nas terras indígenas, salienta Marcos. “Os indígenas querem ser consultados! Se solicitam nosso apoio a gente faz isso, e aí como a informação vem atrasada, ou vem incompleta, ou desconectada do que a gente havia pedido, isso tem impacto na outra ponta, que é nas aldeias, a gente também não consegue atender a demanda por essas informações no tempo necessário e da forma correta.”

Representante do Instituto Caracol no Conselho Estadual do Meio Ambiente de MT (Consema), e secretário-executivo do Fórum Matro-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad), Herman Oliveira explica que foi uma ação do Ministério Público Estadual (MPE/MT) que levou a SEMA a criar uma página de transparência, ainda sob a gestão do André Torres Baby [ex-secretário da SEMA entre 2017 e 2018]. “A princípio, esta página de transparência era apenas um filtro para cair nas mesmas páginas e percorrer as mesmas informações caducas e confusas num cipoal de links, que não traziam a informação segundo a legislação, muitas vezes não traziam nenhuma informação consistente ou, até mesmo, nenhuma informação sobre o objeto pesquisado.”

Com relação a reivindicação de dados, Herman também aponta que a transparência e o acesso à informação não são trabalhados no Consema. “Mesmo em processos administrativos para discussão de Estudos de Impacto Ambiental, há problemas de qualidade das imagens (quando envolvem mapas, por exemplo), além da ausência de documentação”. 

Ainda assim, para Herman, houve uma melhora substancial no acesso à informação nos últimos dois anos. “Foi fruto da luta da sociedade civil, a partir da publicação integral e não ‘interpretativa’ das atas, mesmo os acórdãos dos processos administrativos de autos de infração também melhoraram muito, mas ainda carecem de pormenores em relação ao voto, conclusões, até porque as reuniões para discussão desses processos não são gravadas”, exemplifica.

Casos de descumprimento da LAI em Mato Grosso

O documento lança mão de um histórico detalhado de pedidos de informação realizados pela OPAN que não foram respondidos ou que não tiveram um retorno satisfatório por parte dos órgãos estaduais e detalha três casos nos quais houve o descumprimento da LAI. 

O primeiro deles trata da linha de transmissão para a interligação da Pequena Central Hidrelétrica (PCH) Buriti à subestação de energia na cidade de Sapezal, com potencial impacto sobre a Terra Indígena (TI) Tirecatinga. Parte da linha já estava instalada sem receber a Licença Prévia e de Instalação e desta forma sem receber a devida autorização,. questionou o Promotor de Justiça do Ministério Público Estadual , Dr. Joelson de Campos Maciel, durante a 11ª Reunião Ordinária do Consema no ano de 2017. Além disso, a consulta à população ali residente não havia sido feita.

Diante desse possível crime ambiental, a OPAN encaminhou ao Consema no início de 2018 uma solicitação de informação sobre as medidas adotadas pela SEMA. A cobrança junto a Ouvidoria Geral foi feita em maio de 2018. O pedido foi reiterado junto ao então secretário de Meio Ambiente de Mato Grosso em agosto do mesmo ano. Mas foi somente em janeiro de 2019, 339 dias depois do pedido inicial, que a resposta à solicitação chegou, no entanto, o documento enviado como resposta, estava incompleto (faltavam páginas) e ilegível (letras apagadas), diz a nota técnica.

Diante disso, um pedido de complementação de informações foi enviado à chefe de gabinete da SEMA, em fevereiro de 2020, porém, até o momento, passando-se mais de 1.375 dias, ou quase quatro anos do pedido inicial, nenhuma resposta foi enviada. 

O segundo exemplo de descumprimento da LAI trata ainda do mesmo pedido. Outra solicitação foi encaminhada para a SEMA em novembro de 2018, que não respondeu ao pedido. Ultrapassados os prazos para uma resposta por parte da Secretaria, sucessivos recursos foram destinados às diferentes instâncias, culminando com o recurso de terceira instância à Controladoria Geral do Estado (CGE), em janeiro de 2019. 

No mês seguinte, a SEMA informou o número do processo de algumas das licenças dos empreendimentos, algo que já era sabido desde 2017. Segundo a Nota Técnica, no “documento enviado como resposta não há qualquer informação sobre ações da Sema a fim de apurar os possíveis ilícitos ambientais”. Já a Controladoria Geral do Estado (CGE) informou 435 dias depois do pedido inicial, no início de 2020, que “os pedidos de informação são genéricos e impõem dificuldade na entrega das respostas”.

Um terceiro caso citado na nota técnica versa sobre uma solicitação de informação sobre os empreendimentos dentro da faixa de 10 km no entorno das Terras Indígenas de Mato Grosso. O pedido solicitava sobretudo informações sobre os empreendimentos no entorno das TIs Tadarimana, Apiaká-Kayabi e Arara do Rio Branco que tiveram o Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) dispensado.

A prática de dispensa do EIA/RIMA para o licenciamento de empreendimentos próximos à TIs é permitida desde que “em exame prévio constate em parecer técnico que a obra ou atividade tem baixo potencial de causar significativa degradação ambiental”, conforme diz a Resolução nº 26 do Consema, de 24 de julho de 2007.

Ao reivindicar a informação em fevereiro de 2018 para a Secretaria do Consema, a OPAN se deparou com uma resposta insatisfatória 199 dias depois de ter encaminhado o pedido. Foi dito que “não conta com um banco de dados georreferenciado que permita acessar os dados dos empreendimentos licenciados ou em licenciamento”. 

A resposta, não obstante a negativa, informava sobre as coordenadas geográficas, dados sobre a propriedade, o proprietário, a atividade, o tipo de licenciamento e o número do processo de licenciamento . Afirmava ainda que, ao todo, “foram encontrados 1.240 empreendimentos na faixa de 10 km no entorno das terras indígenas, sendo 995 no entorno da TI Tadarimana, 146 da TI Apiaká-Kayabi e 99 da TI Arara do Rio Branco.”

Com o objetivo de conseguir as mesmas informações acessadas para todas as 72 terras indígenas em Mato Grosso, em que vivem 49.302 indígenas, um novo ofício foi encaminhado para a SEMA em novembro de 2018. Após recursos protocolados na Ouvidoria Setorial da Sema e na Ouvidoria Geral do Estado de Mato Grosso, a resposta final da Ouvidoria Geral e Transparência do estado foi apresentada em fevereiro de 2020, afirmando que “os pedidos de informação são genéricos e impõem dificuldade na entrega das respostas”.

Um recurso de 3º instância foi interposto junto à Controladoria Geral do Estado de Mato Grosso (CGE), em janeiro de 2020, com cópia para o Ministério Público Estadual (MPE). A resposta, insatisfatória, veio 883 dias depois do pedido inicial, em uma manifestação da Ouvidoria Geral do Estado afirmando ser o pedido “genérico, amplo e indeterminado”, e ainda que “utiliza conceitos vagos de difícil compreensão, impondo a necessidade de busca ampla que importa na utilização desproporcional de servidores para atender unicamente ao pedido do demandante.”

Diante disso, a Nota Técnica faz uma crítica à SEMA. “Tanto neste caso quanto no descrito anteriormente, optou-se por não recorrer à SEMA, diante do histórico de não atendimento da solicitação dentro do prazo estabelecido pela legislação.” Destaca-se ainda que nos casos a CGE não informou a possibilidade de registro de recurso à Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI).

CGE e SEMA se comprometem a colaborar com recomendações da Nota

Para além dos entraves destacados na Nota Técnica, a OPAN e TI BR pontuaram uma série de recomendações para o aprimoramento da política de acesso à informação no estado do Mato Grosso e da transparência. 

As sugestões foram debatidas em uma reunião ocorrida na última terça-feira (07/12), junto a Aline Landini secretária-adjunta de Ouvidoria Geral e Transparência em substituição da CGE-MT e a equipe da SEMA, incluindo o secretário Executivo Alex Sandro Marega, Gabriel Vitoreli de Oliveira Chefe da Unidade Estratégica de Transparência e Geoinformação e a secretária adjunta de Licenciamento Ambiental e Recursos Hídricos da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Lilian Ferreira dos Santos.

Entre as medidas debatidas durante a reunião estão o atendimento aos prazos e procedimentos definidos na legislação de acesso à informação. O monitoramento e a capacitação de servidores e a realização de processo de consulta aos povos indígenas e tradicionais sobre os projetos de empreendimentos hidrelétricos, de acordo com a Convenção 169 da OIT, também foram ressaltados no encontro pelos membros da OPAN e TI BR. 

Aprimorar a transparência ativa com a disponibilização de todos os documentos técnicos usados para justificar o planejamento, a instalação e a operação de projetos de infraestrutura pela SEMA em seu portal eletrônico, também é uma das sugestões indicadas no documento e colocadas durante a reunião. Sobre esse tema, o secretário Executivo da SEMA, Alex Sandro Marega declarou que muitos desses processos não tramitaram adequadamente e recomendou que os pedidos citados na Nota, bem como as novas solicitações sejam feitas pela plataforma Fale Cidadão.

“Muitos desses processos que foram indicados, a unidade de transparência [da SEMA] não tinha conhecimento, eles tramitaram por setores diversos no ano de 2018 e por isso que alguns deles estão até hoje sem respostas. Gostaríamos de fazer o levantamento de todos esses processos, vamos tentar padronizar e fazer o relançamento deles pelo Fale Cidadão”, sugeriu Marega.

Ele ainda salientou que a Sema tem como meta estratégica a digitalização de todos os processos até o final de 2022. “Entrará no ano que vem um sistema de manejo florestal sistematizado e de toda a parte de licenciamento ambiental, de estrutura e de serviços, não vamos ter mais papel, com isso não sendo processos físicos, fica mais fácil de promover a transparência. Boa parte das demandas passivas vão se tornar demandas ativas, isso já está em treinamento.”

Gabriel Vitoreli de Oliveira, Chefe da Unidade Estratégica de Transparência e Geoinformação da SEMA, chamou a atenção para uma melhora no tempo de resposta das solicitações desde 2020. “Uma média de 80% dos processos que entraram em 2020 e 2021 foram atendidos dentro do prazo legal.”

O documento orienta ainda a elaboração de uma política estadual que defina as regras e diretrizes para a publicação de dados em formato aberto pelos órgãos estaduais, o estabelecimento e cumprimento de prazo para resposta por parte da Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI) e, por fim, o aperfeiçoamento de relatórios estatísticos sobre os pedidos de acesso à informação, que inclua informações sobre as instâncias recursais, o tempo médio de resposta aos pedidos e o canal de registro dos pedidos.

Aline Landini, da CGE -MT comprometeu-se a incorporar as recomendações no órgão, entre elas a revisão dos prazos da CMRI. “Com relação aos prazos da comissão no decreto, essa revisão já está no nosso radar”. 

Landini também reforçou que as recomendações vão de encontro ao que a CGE- MT já planeja. “Todas as recomendações já estão em nosso radar e acredito que a maioria serão incluídas em projetos no próximo ano. O trabalho de educação do servidor com relação a LAI é prioritário, vamos levar materiais e cartilhas para também para os gestores, coordenadores, gerentes, superintendentes e secretários a fim de conhecerem a LAI, acredito que vamos ter melhoras nos próximos anos.”

Desafios para a transparência sobre dados socioambientais no Brasil 

Completados 10 anos no último dia 18 de novembro, a implementação da LAI no país ainda encara diversos desafios, segundo Amanda Faria Lima, consultora para Governo Aberto da Transparência Internacional – Brasil, alguns desses empecilhos são a ausência de regulamentação em municípios, a imposição de sigilo em informações públicas sem justificativas e a ausência de processos de gestão de dados. 

Além destes, Amanda elenca ainda a cultura de sigilo na administração pública, a baixa qualidade no atendimento dos pedidos de acesso à informação e, mais recentemente, conflitos entre a aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e a transparência pública. “Nos últimos anos, assim como a transparência em geral e de diversos temas sociais, como direitos humanos, a transparência de dados socioambientais, especialmente no âmbito federal, tem sofrido ataques e retrocessos”.

A tentativa do governo federal de ampliar o rol de servidores responsáveis pela classificação de sigilo de informações públicas, a desqualificação, pela alta cúpula do Governo Federal, dos dados sobre desmatamento e queimadas divulgados pelo INPE em 2019, assim como no ano seguinte a ausência de disponibilização de dados de áreas embargadas por crimes ambientais pelo Ibama por mais de oito meses, a tentativa de suspender os prazos de atendimento da Lei de Acesso à Informação no Brasil durante a pandemia de Covid-19. 

Mais recentemente, em 2021, o atraso deliberado do Governo Federal na divulgação dos dados anuais de desmatamento na Amazônia, para não os publicizar durante a última COP do clima, que indicam um aumento em 22% do desmatamento na região e a maior taxa dos últimos 15 anos são mais alguns exemplos, apontados pela consultora da Transparência Internacional – Brasil, que ajudam a exemplificar como esse cenário é preocupante. “Isso chama a atenção para a necessidade de defesa constante do direito ao acesso à informação”, avalia.

Veja a Nota Técnica completa: