Manejo de pirarucu e proteção de Terras Indígenas são destaque no Rio Gastronomia
Lideranças Deni e Paumari compartilharam suas experiências com os participantes do evento, que provaram diferentes pratos com o pirarucu pescado pelas comunidades .
Marina Rabello/OPAN
As experiências de manejo de pirarucu dos povos Deni do rio Xeruã e Paumari do rio Tapauá, do Amazonas, marcaram presença em diversos espaços da 11ª edição do Rio Gastronomia, o maior evento da categoria do país, organizado pelo jornal O Globo, que ocorreu entre os dias 9 e 19 de dezembro, no Rio de Janeiro. Lideranças do manejo dos dois povos foram convidadas para um bate-papo sobre a eficácia do manejo para a conservação da biodiversidade.
Além disso, o pirarucu da marca Gosto da Amazônia, que comercializa o pescado de manejo do povo Paumari, ganhou um quiosque próprio, onde foram servidos três diferentes pratos de pirarucu, e exibidos fotos e vídeos da atividade. Outros três restaurantes também serviram pratos com o pescado manejado pelas comunidades indígenas.
Histórias do manejo
Quatro representantes dos povos Paumari e Deni viajaram para o Rio de Janeiro para participar de um bate-papo promovido pela marca Gosto da Amazônia, que reuniu cerca de 70 pessoas no auditório montado no Jockey Club do Rio de Janeiro, no último sábado, 18. Os indígenas contaram como o manejo do pirarucu contribuiu para a retomada do controle sobre seus territórios, e para a recuperação da população de pirarucu, por meio do fortalecimento da organização comunitária e dos sistemas de vigilância.
Rogilson Paumari lembrou dos tempos de escassez de peixes nos territórios de seu povo, e falou com entusiasmo sobre as conquistas proporcionadas pelo manejo. “Antes tinha muita invasão de barcos pesqueiros, que levavam todo o peixe. Agora temos seis bases de vigilância, e nos dividimos em plantões semanais. Estamos conseguindo conter a pesca predatória”, contou. Com isso, a população de pirarucu cresceu 631%, em 12 anos, nas três Terras Indígenas do povo, no sul do Amazonas. Outras espécies de peixes, que também estavam desaparecendo, voltaram à abundância.
O fortalecimento da organização coletiva, fundamental na implementação de iniciativas de manejo sustentável, e na estruturação de sistemas de vigilância comunitários, foi o aspecto ressaltado por Ana Paula Paumari. “Com a decisão de cuidar do que estávamos perdendo, conquistamos a mobilização das comunidades, e união das mulheres, que estão trabalhando junto, braço a braço com os homens, na conservação do território e do pirarucu, cheias de alegria”, afirmou ela, destacando o protagonismo feminino no manejo.
Benefícios do manejo
O manejo sustentável de pirarucu é uma atividade guarda-chuva, já que contribui para a conservação de toda a biodiversidade da floresta. Isso porque possibilita o fortalecimento da organização coletiva e dos sistemas de vigilância comunitários. “Nesse arranjo, as comunidades locais são empoderadas para proteger seus territórios. Cada comunidade recebe o aval do Estado para instalar bases de proteção na entrada dos lagos, e passa a protegê-lo, para impedir a pesca predatória, que foi responsável pela redução populacional do pirarucu”, contou o biólogo João Vitor Campos Silva, que conduziu o evento.
Dessa forma, as comunidades conseguem reduzir drasticamente as invasões e ações ilegais nos territórios, preservando não só o pirarucu, mas todas as espécies do ecossistema. “Com o manejo a gente não cuida só do pirarucu, a gente protege todo o território”, explicou Matavi Deni.
Origem do pirarucu
Pha’avi Hava Deni impressionou a todos com a história sobre a origem do pirarucu, que surgiu da transformação de um antepassado Deni, chamado Ve’e, em peixe. Como contou Pha’avi, após uma grande epidemia, só sobraram Ve’e e a sua irmã. Os dois, então, saíram de canoa em busca de outro lugar para morar. No caminho brigaram por causa da desobediência do pássaro de estimação da irmã de Ve’e.
Chateada, a irmã se transformou em pássaro, e voou para longe, não respondendo aos pedidos do irmão para que voltasse. Sozinho, então, ele se transformou no pirarucu. “Por isso os Deni chamam o pirarucu de Ve’e. O peixe tem escamas vermelhas, porque nosso antepassado se pintou de urucum”, explicou Matavi Deni.
Pirarucu à moda kariú
Durante os dois dias em que participaram do Rio Gastronomia, as lideranças indígenas provaram diferentes receitas com o pirarucu pescado por suas comunidades. No quiosque da marca Gosto da Amazônia, onde havia uma exposição de fotos e vídeos do manejo, era constante o fluxo de pessoas interessadas em provar os pratos criados pelo chef Frédéric Monnier, que participou da viagem de chefs cariocas aos territórios Paumari, em 2019.
Além de um bolinho de pirarucu, que segundo o chefe desbanca o clássico de bacalhau, e de uma brasileiríssima moqueca, o quiosque serviu um Fish and Chips Amazônico, releitura do clássico britânico, com tiras de pirarucu de manejo empanadas e fritas, a versão que mais agradou os indígenas. Outros três restaurantes serviram pratos com o peixe. “Gostei muito de ver os kariú (não-indígenas) comendo nosso pirarucu, e de provar os pratos diferentes que os chefs prepararam”, relatou Matavi.