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A WEB3 como palco para a arte indígena

Ampliação das plataformas de exibição e comércio de produções digitais fornecem espaço cada vez maior para atuação de artistas que antes dependiam de curadorias tradicionais para divulgar e comercializar seus trabalhos.

Obra ‘Matriarca e Patriarca’, de Moara Tupinambá. Reprodução da Internet.

Web3 e cultura indígena, uma coisa tem a ver com a outra? Sim, apontam as atuais experiências de artistas no universo digital. O termo “Web3” denomina uma fase das interações via internet em que as moedas tradicionais são preteridas pelas criptomoedas. O poder descentralizado de uma blockchain é um exercício de simulação de um mercado em que o poder financeiro está nas mãos de muitos, não somente de instituições financeiras formais, como os bancos, e políticas, como os Estados. E essa pulverização de privilégios tem proporcionado novos espaços para a divulgação da cultura e arte indígena. 

Conectado a esse universo, a tecnologia de certificado digital NFT tem chamado a atenção dos mais jovens e dos aficionados por inovações. A famosa sigla tem uma tradução não amistosa: Token não-fungível. Grosso modo, significa assegurar que um determinado arquivo é original e exclusivo, atesto que é amplamente aplicável (e necessário) no contexto da produção artística, principalmente a digital.

No oceano da internet, se você faz um belo desenho ou uma colagem digital, a chance de que sua arte se desmanche entre os bits, e que depois de algum tempo ninguém saiba mais quem é o autor, é grande. Os NFTs prometem corrigir essa curva da tecnologia ao atribuir, por meio da mesma tecnologia aplicada às criptomoedas, um selo de autenticidade digital. 

Nessa imensidão de possibilidades que as bolhas da internet permitem, os jovens estão reescrevendo elementos da cultura indígena segundo as gramáticas da tecnologia, a exemplo de um ilustrador de Manaus que está desenvolvendo um jogo no NFT com referências dos povos tradicionais e elementos da cultura Amazônica. “Fizemos, inicialmente, uma pesquisa sobre os Yanomamis para criar as NFTs. O universo dos povos é bem amplo, exige estudo. A internet é importante para os indígenas mostrarem sua cultura. Atualmente, isso também é feito com humor, e memes. E essa interação serve para romper o isolamento e quebrar barreiras, ganhar espaço nas mídias”, afirma Jonas Araújo, ilustrador da Reszon (veja o perfil no OpenSea, plataforma de NFTs). 

Personagem Yanomami do game da plataforma NFT. Arte: Jonas Araújo
O ilustrador Jonas Araújo desenvolve personagens indígenas para um jogo que está sendo disponibilizado no OpenSea. Foto: Reszon

Jonas explica que parte das vendas dos NFTs serão revertidos para projetos que apoiam povos indígenas do Amazonas. Ação semelhante ao do leilão digital de artes do povo Paiter Suruí, pela Mercado Bitcoin, que foi revertido em recursos para a aquisição de drones que serão usados para o monitoramento territorial. Essas ações estão dentro da estratégia de “NFT de impacto”, produções que movimentam vendas na bolsa das obras digitais certificadas e revertem parte dos recursos para causas sociais e ambientais. 

Obra de Denilson Baniwa do catálogo NFT –  Reprodução da Internet

Além dos royalties que a comercialização de artes pode proporcionar, no ambiente de valorização das imagens em bits já começam a florescer múltiplas mostras e prateleiras digitais. Este ano, a indígena pataxó-kiriri Tassia Mila, aluna da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, foi curadora da “The Wrong Biennale”, que reuniu 23 artistas indígenas. No Rio de Janeiro, foi criado o primeiro museu digital de cestarias, que reúne os teçumes realizados e incrementa os registros com a contextualização da história e importância cultural dos trabalhos para os povos.

Catálogo do museu digital Tramas Daqui. Foto: Reprodução da Internet