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Como evitar a savanização da Amazônia

Iniciativas de manejo sustentável de produtos da sociobiodiversidade são soluções que protegem a floresta, enquanto geram renda justa para comunidades indígenas.

Por Marina Rabello | OPAN

O bioma amazônico está cada dia mais perto de um ponto de não retorno, em que a sua degradação será tamanha, que a floresta perderá a capacidade de se regenerar, tornando-se uma savana. Por isso, nesse Dia da Amazônia, 05 de setembro, é urgente discutir as alternativas para mudar o rumo dessa história, como as iniciativas de manejo sustentável de produtos da sociobiodiversidade, que são estratégicas para a conservação da floresta e para a geração de renda, e os Sistemas Agroflorestais, que produzem alimentos enquanto regeneram áreas de solo degradado.

Catástrofe evitável

Se continuarmos desmatando a floresta amazônica no ritmo atual, perderemos grande parte de sua biodiversidade em 30 a 50 anos. “Entre 50% e 70% da Amazônia poderá se transformar num ecossistema muito degradado, com pouquíssimas árvores, com predomínio de gramíneas, muito vulnerável ao fogo”, alerta o climatologista Carlos Nobre, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo.

Área de solo degradado nos entornos da Terra Indígena Caititu é exemplo de como pode estar a Amazônia em 50 anos | Foto: Marina Rabello

E se engana quem pensa que só os habitantes – humanos e não-humanos- da floresta amazônica sentirão os impactos dessa trágica transformação. Devido aos serviços ecossistêmicos que proporciona, como a absorção e o estoque de gases de efeito estufa, a regulação do clima e do regime de chuvas, a Amazônia está conectada com todo o planeta. “Se não conseguirmos frear o desmatamento e a degradação da floresta, vamos lançar na atmosfera mais de 300 bilhões de toneladas de gás carbônico com essa savanização. Isso vai mudar muito o clima na América do Sul. A Amazônia vai ficar muito mais quente, e vai parar de exportar uma grande quantidade de vapor d’água, que alimenta os sistemas de chuvas na bacia do rio Paraná e no centro oeste do Brasil” explica Nobre.

Também estão equivocados aqueles que acham que esse é um futuro distante. Os efeitos da degradação do bioma amazônico já estão sendo mensurados pela ciência. “Nas áreas mais desmatadas, como  Rondônia, o sul do Amazonas, e o norte do Mato Grosso, a estação seca já está cinco semanas mais longa, em relação ao ano de 1979, e se tornou de 2° a 3°C mais quente, com 30% menos chuva. No sul do Pará e norte do Mato Grosso,  a floresta já se tornou uma fonte de emissões de carbono. Ou seja, não remove mais carbono da atmosfera, pelo contrário, é uma fonte de emissão”, pontua o climatologista.

Caminhos possíveis

O cenário assustador projetado pelos cientistas não deve, no entanto, trazer a percepção de que é impossível reverter a situação. Na verdade, existem diversas iniciativas que já estão apontando os caminhos para evitar que a Amazônia chegue ao ponto de não retorno. “As soluções estão na combinação de conhecimentos técnicos-científicos e tradicionais dos povos indígenas, que chegaram na região há doze mil anos, e desenvolveram um conhecimento profundo sobre como viver com a floresta em pé”, opina Carlos Nobre.

As iniciativas apoiadas pelo Raízes do Purus, com patrocínio da Petrobras, são exemplos de como é possível aliar ciência e conhecimentos tradicionais para viabilizar a produção de alimentos e matérias-primas, geração de renda justa e conservação da floresta. Com o manejo sustentável de pirarucu, castanha-do-Brasil e copaíba, e a implementação de Sistemas Agroflorestais, o projeto, realizado pela Operação Amazônia Nativa – OPAN, contribui para a conservação de mais de dois milhões de hectares de florestas em seis Terras Indígenas do sul e sudoeste do Amazonas, para onde avança o arco do desmatamento.

Vigilância fortalecida

“Toda iniciativa de manejo sustentável depende, em primeiro lugar, da tomada de controle das comunidades sobre os seus territórios, evitando invasões e atividades predatórias. Por isso, os passos iniciais são o fortalecimento da organização coletiva e a estruturação de sistemas de vigilância comunitários que monitoram as áreas de interesse dos contraventores”, explica Leonardo Kurihara, coordenador do Raízes do Purus.

O manejo sustentável de pirarucu, por exemplo, é considerado uma atividade “guarda-chuva”, porque ao vigiar os lagos onde vivem estes peixes, as comunidades protegem muitas outras espécies, e evitam o desmatamento em seus territórios. Já o manejo de castanha-do-Brasil e de copaíba, favorecem a proteção das TIs porque, durante a coleta da castanha, e a extração do óleo, os indígenas circulam por grandes extensões de dos territórios, ocupando áreas remotas.

Essas atividades também estimulam a incorporação da vigilância no cotidiano das famílias. Em todos os trajetos que fazem, seja para ir à roça, visitar outras aldeias, ou centros urbanos próximos, os indígenas adotam uma postura vigilante, e estão sempre atentos a sinais de invasões e atividades predatórias.

Iniciativas de manejo sustentável de produtos da sociobiodiversidade fortalecem a vigilância dos territórios, coibindo o desmatamento e outras atividades predatórias | Foto: Adriano Gambarini

Regenerando florestas

Dentre os territórios indígenas onde atua o Raízes do Purus, a TI Caititu é a que mais sofre pressões externas, já que sua porção norte é margeada pela rodovia Transamazônica, e está há apenas cinco quilômetros do centro de Lábrea, município com índices de desmatamento crescentes.

Os Sistemas Agroflorestais, tipo de plantio inspirado na agricultura tradicional indígenaque produz alimentos sem desmatar ou usar agrotóxicos, combinando culturas agrícolas e árvores nativas para produzir um sistema ecológico saudável, estão recuperando áreas de solo infértil, que foram desgastadas pelo monocultivo da mandioca. Hoje, são 26 unidades de SAFs em 22 aldeias, representando uma área de mais de 20 campos de futebol, onde a floresta está voltando a oferecer os serviços ecossistêmicos dos quais depende o equilíbrio do planeta.

O povo Apurinã está recuperando a fertilidade de uma área de mais de 20 campos de futebol com os Sistemas Agroflorestais | Foto: Marina Rabello

Os povos indígenas estão mostrando que é possível gerar renda mantendo a floresta em pé. Cabe a nós, como sociedade, aprender com eles a escolher caminhos que possibilitem um futuro melhor para a Amazônia e para todo o planeta.

Sobre o Raízes do Purus

O projeto Raízes do Purus é uma iniciativa da OPAN, com patrocínio da Petrobras por meio do Programa Petrobras Ambiental, que visa contribuir para a conservação da biodiversidade no sudoeste e sul do Amazonas, fortalecendo iniciativas de gestão e o uso sustentável dos recursos naturais das terras indígenas Jarawara/Jamamadi/Kanamanti, Caititu, Paumari do Lago Manissuã, Paumari do Lago Paricá, Paumari do Cuniuá e Banawa, na bacia do rio Purus, e Deni e Kanamari, no rio Juruá.

Sobre a OPAN

A Operação Amazônia Nativa foi a primeira organização indigenista fundada no Brasil, em 1969. Nos últimos anos, suas equipes vêm trabalhando em parceria com povos indígenas no Amazonas e em Mato Grosso, desenvolvendo ações voltadas à garantia dos direitos dos povos, gestão territorial e busca de alternativas de geração de renda baseadas na conservação ambiental e no fortalecimento das culturas indígenas.