9º Festival Juruena Vivo: povos indígenas se reúnem para reflexão coletiva sobre o território e as águas
Rede Juruena Vivo retoma em modo presencial o principal encontro regional para compartilhar saberes e caminhos para defender seus modos de vida.
Por Dafne Spolti/OPAN/Rede Juruena Vivo*
Juara (MT) – Em 1985, diante de um inesperado projeto de hidrelétrica que ameaçava o Salto Itu’u, do povo Kayabi, diversos povos indígenas deram uma demonstração de união, força e mobilização para garantir a proteção desse território. Passados 37 anos, os Kayabi receberam os demais povos e comunidades da bacia do Juruena no 9º Festival Juruena Vivo. O evento foi realizado entre 22 e 25 de setembro, na aldeia Tatuí, da Terra Indígena (TI) Apiaká-Kayabi, com o tema “Fortalecendo a Luta e Tecendo Conexões pela Vida”.
Atualmente as ameaças aos rios da bacia do Juruena estão mais velozes do que naquele período. Em menos de uma década entre o primeiro e o nono festival, a quantidade de projetos hidrelétricos identificados pela sociedade civil mais do que dobrou. Agora são 172 entre os que estão em planejamento, em construção ou sendo operados na bacia do rio Juruena. Somam-se a isso o uso excessivo de agrotóxicos, projetos de mineração, desmatamento e outros impactos que atingem essa importante região de 19 milhões de hectares, responsável pela vazão de quase 60% das águas do rio Tapajós, e que é terra ancestral de pelo menos dez povos indígenas, entre o Cerrado e a Amazônia.
Juara (MT) – Em 1985, diante de um inesperado projeto de hidrelétrica que ameaçava o Salto Itu’u, do povo Kayabi, diversos povos indígenas deram uma demonstração de união, força e mobilização para garantir a proteção desse território. Passados 37 anos, os Kayabi receberam os demais povos e comunidades da bacia do Juruena no 9º Festival Juruena Vivo. O evento foi realizado entre 22 e 25 de setembro, na aldeia Tatuí, da Terra Indígena (TI) Apiaká-Kayabi, com o tema “Fortalecendo a Luta e Tecendo Conexões pela Vida”.
Atualmente as ameaças aos rios da bacia do Juruena estão mais velozes do que naquele período. Em menos de uma década entre o primeiro e o nono festival, a quantidade de projetos hidrelétricos identificados pela sociedade civil mais do que dobrou. Agora são 172 entre os que estão em planejamento, em construção ou sendo operados na bacia do rio Juruena. Somam-se a isso o uso excessivo de agrotóxicos, projetos de mineração, desmatamento e outros impactos que atingem essa importante região de 19 milhões de hectares, responsável pela vazão de quase 60% das águas do rio Tapajós, e que é terra ancestral de pelo menos dez povos indígenas, entre o Cerrado e a Amazônia.
Além de representantes dos povos Apiaká e Kayabi, Rikbaktsa, se reuniram na aldeia Tatuí os Paresi, Manoki, Myky, Enawene Nawe, Nambikwara, Munduruku do rio dos Peixes e do Teles Pires, Arara, Tapayuna, comunidades locais do Juruena, agricultores da região de Juara, extrativistas, organizações da sociedade civil de Mato Grosso e do Pará, além de universidades. “A gente abre os braços porque essa luta é de todos nós”, disse o vice-cacique da aldeia anfitriã do evento, Kawayp Katu Kayabi, presidente da Associação Indígena Kawiwete.
Os projetos de hidrelétricas observados a partir de um monitoramento independente realizado pela OPAN e a Rede Juruena Vivo, se concretizados, podem transformar o fluxo das águas e a dinâmica ecossistêmica de toda a bacia. É especialmente preocupante a instalação da Usina Hidrelétrica (UHE) de Castanheira, no rio Arinos, que pode inundar uma área de 10 mil hectares, afetando diretamente toda a região que depende do rio mais piscoso de todo o Juruena. O rio dos Peixes, que banha a TI Apiaká-Kayabi, seria diretamente impactado e seus peixes impedidos de fazer a piracema por conta da barragem prevista, de 30 metros de altura.
Outros projetos hidrelétricos preocupam pelo alto risco socioambiental que representam, como as UHEs Foz do Sacre, Juruena, Cachoeirão, Jesuíta e outras sequências de pequenas centrais hidrelétricas nos rios Sauê-Uiná, Buriti, Formiga, Sangue, Membeca, entre outros.
Para ilustrar os efeitos negativos de um grande empreendimento hidrelétrico, Jefferson Nascimento, do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), apresentou durante o festival o cenário de transformação provocado pela UHE Sinop como perda de território, poluição e oscilação do volume das águas e o baixo valor das compensações aos atingidos. “É a migalha da migalha”, disse. De acordo com ele, antes de se apoiar a implantação de um empreendimento desse tipo é preciso avaliar para quem e para que ele está sendo construído. “É para baixar os valores da energia? É para os hospitais? É para novas escolas ou novas universidades?”, exemplifica.
Diversos participantes relataram que os projetos de hidrelétricas costumam já chegar prontos e que muitas vezes são formalizados pelo empreendedor apenas com algumas lideranças e não com o conjunto das pessoas. “O empreendedor nem deveria ir na comunidade. Quem tem que ir é a SEMA [Secretaria de Estado de Meio Ambiente] e a própria Funai [Fundação Nacional do Índio]”, destaca o secretário executivo do Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad), Herman Hudson Oliveira.
Processos realizados dessa forma ferem diretamente o direito à consulta livre, prévia e informada, garantido por meio da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e provocam graves consequências culturais, ambientais, financeiras e sociais. “A organização sociocultural está sempre em jogo quando se fala de PCH”, destacou a professora Tereza Cristina Kezonazokero, do povo Haliti-Paresi, que explicou ainda o impacto das alterações territoriais para a ancestralidade e a espiritualidade.
Ao discutir o princípio de uso múltiplo dos rios e como as sequências de hidrelétricas no Juruena ameaçam práticas esportivas e econômicas promissoras, como a canoagem, locais conhecidos e procurados internacionalmente, a coordenadora do Programa de Direitos Indígenas da OPAN, Andreia Fanzeres, também falou sobre a subestimação de impactos culturais. As 172 hidrelétricas identificadas no Juruena colocam em risco atributos e práticas culturais dos povos indígenas como a mascreação nos rios do Alto Juruena, e o manejo de um molusco bivalve só coletado pelo povo Rikbaktsa no Baixo curso do rio Arinos, o Tutãra, fundamental para práticas rituais e sociais. O mesmo molusco, bioindicador da qualidade da água, é importante para a cultura do povo Tapayuna, que hoje está preterido de acessá-lo porque o Estado ainda não reconheceu a eles o direito sobre seu território de ocupação ancestral. “Determinadas perdas não podem ser substituídas por nada”, observa.
O direito à consulta foi um tema central do 9º Festival Juruena Vivo. Uma das ferramentas para a garantia desse direito é o protocolo de consulta, ou seja, a determinação de cada povo sobre as maneiras de ser consultado em relação a qualquer medida que tenha o potencial de impactá-lo. “É o povo que tem que dizer quando e como ela tem que ser feita para que seja válida”, observa a advogada do Programa de Direitos Indígenas da OPAN, Mariana Lacerda. “Não é o juiz, não é a SEMA, não é o empreendedor. É o povo, que tem direito à autodeterminação”, enfatiza.
Além das ameaças em curso, o Festival Juruena Vivo também foi momento para um olhar conjunto sobre as iniciativas e oportunidades sustentáveis, como a agroecologia, o extrativismo associado à manutenção da floresta em pé, projetos de turismo de base comunitária vinculados à conservação territorial e outros. Foram realizadas também uma série de apresentações culturais, atividades esportivas e confraternizações entre os participantes, entre elas o show de Victor Batista e o Produção Encantada e os Garotos Apyãwa.
Ato em defesa da vida no Juruena
Durante o 9º Festival Juruena Vivo, em uma caminhada silenciosa, os participantes foram às margens do rio dos Peixes, onde se manifestaram pela proteção do Juruena e seus afluentes. Registrado por meio da cobertura colaborativa do Coletivo Olhos D’água e comunicadores indígenas da Rede Juruena Vivo, o ato foi momento para lembrar das lutas passadas e a conexão ancestral entre os que estão seguindo hoje na defesa territorial, como lembra Dineva Kayabi do povo Kawaiwete: “Essa memória pra nós que somos lideranças, jovens, precisa tá na nossa ponta da língua para futuramente explicar para os nossos netos, para os nossos filhos. Isso é importante!”. Orações, danças culturais e reflexões coletivas sobre o futuro compuseram a atividade, instigando a responsabilidade de todos sobre a integridade da região. “Que tenhamos no dia a dia a coragem de lutar e insistir na vida, nas diferentes formas de vida”, disse a indigenista da OPAN Liliane Xavier, uma das fundadoras da Rede Juruena Vivo.
Participaram do ato e do 9º Festival Juruena Vivo a Associação dos Indígenas Kawaiwete (Kayabi), Associação Thutalinãsu das Mulheres de Tirecatinga, Associação Terra Indígena do Xingu (ATIX), Associação dos Docentes da Unemat (Adunemat), Coletivo Proteja Amazônia, Coletivo Tapajós de Fato (TdF), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Escola de Ativismo (EA), Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt), Formad, Fórum Teles Pires, grupo de Defensores de Direitos Indígenas, Instituto Centro de Vida (ICV), Instituto Ecótono, Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), Movimento Tapajós Vivo (MTV), Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), OPAN, Reunião e Movimento por Amor ao Rio (Remar), Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), Victor Batista e Produção Encantada com Pedro Munhoz, Kátia Teixeira e Sandro Alves.
*Publicado originalmente em www.redejuruenavivo.com.