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Brô Mc’s e Lídia Guajajara lançam rap em defesa de povos indígenas isolados

Uma idealização da Coiab e da Opi, em parceria com Wieden+Kennedy SP, o lançamento da música e clipe ‘O Chamado dos Isolados’ marca o encerramento da campanha “Isolados ou Dizimados”.

Por Equipe da Campanha Isolados ou Dizimados

“Não deixe os isolados virarem dizimados, os donos da floresta sentem medo”, cantam os rappers do Brô Mc’s em “O Chamado dos Isolados”, canção de autoria dos artistas e da ativista indígena Lídia Guajajara. A música é um alerta para a importância de proteger e promover os direitos dos povos indígenas isolados, e faz parte da campanha “Isolados ou Dizimados, uma iniciativa de organizações da sociedade civil brasileira que busca conscientizar a opinião pública e pressionar as autoridades a proteger os povos indígenas isolados no Brasil. 

Assinada pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e pelo Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi), a ação teve início em meio à pandemia de Covid-19 para conter a pressão sobre Terras Indígenas com presença de isolados e para cobrar a antiga Fundação Nacional do Índio (atual Fundação Nacional dos Povos Indígenas) pela proteção efetiva desses territórios. 

O videoclipe já está disponível no Youtube

A iniciativa foi co-criada pela agência Wieden+Kennedy São Paulo, que também apoiou a idealização da campanha. Composto por ilustrações que fazem referência à situação dos povos indígenas, o videoclipe é assinado por Rapha Baggas, designer gráfico que possui um importante trabalho voltado ao ativismo social.

O lançamento da música e do clipe será no dia 5 de junho, às 18h, em Brasília, durante o acampamento indígena contra o Marco Temporal. A data também marca um ano da morte de Bruno Pereira, indigenista assassinado no Vale do Javari ao lado do jornalista Dom Phillips. Bruno era um dos maiores especialistas do país no trabalho com os povos isolados e foi um dos idealizadores da campanha “Isolados ou Dizimados.”

Artistas engajados

O Brô Mc’s, composto por Bruno Vn, Kelvin Mbaretê, CH e Clemerson Batista, além de demarcar espaços em grandes palcos internacionais, como o do Rock in Rio, também busca alertar a sociedade sobre a situação dos povos indígenas isolados. 

Brô MC’s é o primeiro grupo de rap indígena do Brasil – Imagem: João Albuquerque / Dzawi Filmes / ISA

Moradores das aldeias Boróró e Jaguapiru, assediadas por grandes fazendas monocultoras situadas no município de Dourados, em Mato Grosso do Sul, a 235 quilômetros de Campo Grande, o grupo se aproximou da questão dos povos isolados por entenderem a emergência da situação. “A gente vê que isso é uma coisa totalmente diferente, eles vivem livres lá. Tão vivendo em liberdade lá. A gente tá num processo de retomada e é uma parada que a gente busca encontrar na nossa origem, da onde a gente veio. Mas, ao mesmo tempo, a gente se identifica com o pessoal que  resiste ainda na floresta e quer fortalecer que eles permaneçam lá”, diz  Bruno Vn.

Lídia Guajajara é ativista, comunicadora e influenciadora do território indígena Arariboia – Foto: João Albuquerque / Dzawi Filmes / ISA

Lídia Guajajara, por sua vez, pretende usar a sua música como instrumento para desmistificar os olhares preconceituosos sobre os isolados. “É uma temática que a sociedade desconhece e a gente se coloca em posição de defesa desses grupos. Por isso, a música, na parte final do refrão, diz: Ka’a izar ukyze wá [eles estão em perigo]. Os donos da floresta estão em perigo.”

Contexto político

O evento de lançamento da música e do clipe “O Chamado dos Isolados” acontecerá no acampamento indígena contra o Marco Temporal. Organizada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a mobilização acontece em Brasília, de 5 a 8 de junho, e tem como objetivo pressionar contra a tese do Marco Temporal, que deve ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal no próximo dia 7. 

Ainda nas últimas semanas, pressionada pelo julgamento, a bancada ruralista no Congresso Nacional aprovou o regime de urgência para o Projeto de Lei 490/07, em uma manobra que busca se antecipar à decisão do STF. 

Avaliado como inconstitucional, o PL 490, na prática, acaba com as demarcações, liberando as Terras Indígenas para o garimpo e a exploração. Além disso, um dos dispositivos especialmente perigosos para os povos isolados prevê o fim da política de não contato. Caso o PL seja aprovado, voltaria a ser permitido o contato forçado com esses grupos, prática que provocou vários genocídios e que foi abandonada no Brasil após a ditadura militar. 

O Brasil é o país que possui o maior número de registros de povos indígenas isolados do mundo, 114 registros – entre confirmados e em estudo -, porém muitos mais podem ainda não ter sido reconhecidos. Esses povos vivem conectados às matas e aos rios – protegem as florestas e por elas são protegidos. 

Devido às políticas de expansão agropecuária nos territórios amazônicos, eles vivem ameaçados há décadas e diversos casos de genocídios já foram registrados no passado. No entanto, o histórico de agressões também fez avançarem, no final do século XX, as políticas públicas para proteção dos isolados, principalmente a do não contato, que garante o respeito à autodeterminação desses grupos e à opção que eles fazem ativamente de se manterem autônomos em relação à sociedade nacional. 

O Governo Bolsonaro tentou reverter essas conquistas, promovendo a sabotagem das políticas que protegiam os isolados e suas terras, ameaçando suas existências e devastando suas florestas. O perigo apontado na música é uma realidade de violência que se registra contra esses povos. Ao longo de 2022, as Terras Indígenas com presença confirmada de povos indígenas isolados foram intensamente atingidas pelo desmatamento causado pelo garimpo ilegal e pela grilagem, de acordo com monitoramento realizado pelo Instituto Socioambiental (ISA).

Um legado de luta

As ameaças não pairam somente sobre os povos que vivem nos territórios, mas também seus parceiros e defensores. Em 2022, Bruno Pereira, indigenista que fundou o Opi, foi  assassinado por invasores no Vale do Javari (AM),  TI com a maior presença de isolados do mundo. A música e o clipe que serão lançados no dia 5  também fazem referência à luta e ao legado de Bruno. 

Sua atuação de fiscalização, proteção territorial e de promoção dos direitos dos indígenas do Vale do Javari atrapalhava as atividades criminosas de quadrilhas que assolam a região. A vida de Bruno foi dedicada à promoção de direitos dos indígenas isolados e deixou um legado imenso para o indigenismo brasileiro, que inclui a campanha “Isolados ou Dizimados”, da qual ele foi um dos idealizadores.

A convite da campanha, artistas indígenas ecoam a voz de Bruno para ampliar a perspectiva da sociedade brasileira sobre esses povos e contribuir, através do rap, para  a promoção dos direitos indígenas e a conscientização do público sobre a luta dos povos indígenas no Brasil.

Campanha Isolados ou Dizimados

Indígenas isolados Tamanduá e Baita resistem há décadas ao massacre que dizimou seu povo – Imagem Bruno Jorge / Filme “Piripkura” / Zeza Filmes

O nome da campanha se refere ao fato de que, sem proteção adequada, esses povos correm o risco de serem dizimados (completamente aniquilados) ou forçados a deixar suas terras e modos de vida tradicionais para sempre. O objetivo central foi pressionar a Funai para renovação das portarias que protegiam quatro Terras Indígenas com a presença de isolados: Jacareúba-Katawixi (AM), Piripkura (MT) , Pirititi (RR) e Ituna-Itatá (PA), além de chamar a atenção para as diversas ameaças enfrentadas pelos povos indígenas isolados no Brasil: as invasões de suas terras, o desmatamento, a exploração de recursos naturais, a violência e  a vulnerabilidade sanitária pela proximidade indevida de agentes externos,  que pode levar a epidemias e mortes em massa.

A campanha “Isolados ou Dizimados” também defende a necessidade de respeito à autonomia e à vontade desses povos, garantindo que eles possam viver em isolamento caso desejem fazê-lo, como garantido na lei, sem serem expostos a ameaças externas. Para isso, são exigidas medidas como a demarcação de Terras Indígenas com presença de isolados, a fiscalização do desmatamento e da exploração ilegal de recursos naturais nessas áreas, e o fortalecimento das políticas de proteção aos povos indígenas isolados no Brasil.

Para fortalecer os objetivos, foi aberta uma petição pública online para coletar assinaturas e pressionar a Funai para cumprir sua missão institucional de proteger os povos indígenas. Em todo o período de campanha ativa, foram coletadas mais de 26 mil assinaturas. Desde o início da ação, foram realizados diversos movimentos políticos e de comunicação com o objetivo de alertar a opinião pública para a atual condição dos isolados. 

A campanha contribuiu para que as quatro TIs que estavam sob ameaça de desproteção tivessem suas portarias de restrição de uso renovadas. A portaria de Ituna-Itatá foi renovada inicialmente por apenas seis meses, após ordem da Justiça Federal em Altamira, no Pará. 

O MPF recorreu e a Funai foi, enfim, obrigada a renovar a portaria por três anos, uma grande vitória da campanha e dos isolados. A Terra Indígena Jacareúba-Katawixi ficou desprotegida por todo o ano de 2022, mas, em 2023, já no novo governo, foi renovada a restrição de uso, durante a posse da nova presidenta da Funai. 

No mesmo ato, Joenia Wapichana renovou a restrição de uso da Terra Indígena Piripkura, outra que ficaria desprotegida após a portaria ter sido prorrogada por apenas seis meses no governo anterior. 

No Médio Purus (AM), foi confirmada há mais de um ano a presença de um povo isolado no Rio Mamoriá, fora de limites de Terras Indígenas, mas até agora a Funai não instituiu a restrição de uso da área, necessária para evitar invasões e contatos que podem causar a morte dos isolados da região. Por isso, é preciso  continuar pressionando para que todas as terras onde há presença de isolados sejam protegidas e seus povos tenham direito à autonomia e a manter seus modos de vida.

Frente aos retrocessos que marcaram os últimos anos, o movimento indígena e seus aliados fortaleceram as estratégias para conter as invasões, com monitoramento e ações de proteção autônomas no território para proteger os isolados. Foram diversas denúncias públicas e ações na Justiça para garantir a proteção legal dos seus territórios e modos de vida. 

Durante a campanha, a articulação e produção de engajamento para alertar a sociedade em geral sobre a situação dos povos indígenas isolados deu resultado. A situação desses povos  foi destaque na imprensa, rendendo mais de 70 inserções em veículos nacionais e mais de 100 inserções na imprensa internacional.

Baixe aqui o relatório da campanha.

Quais são as principais ameaças aos isolados?

As ameaças aos povos indígenas isolados no Brasil são múltiplas e complexas, e exigem medidas urgentes para proteger suas vidas, territórios e autonomia.

Desmatamento e degradação ambiental

O desmatamento para agropecuária e a exploração madeireira ilegal na Amazônia ameaçam a sobrevivência dos povos indígenas que vivem com e nas florestas. Além disso, a construção de estradas e hidrelétricas pode levar a conflitos e à devastação dos territórios.

Invasão de terras

A invasão de Terras Indígenas por grileiros, madeireiros, garimpeiros e outros grupos criminosos também é uma ameaça constante. Esses invasores muitas vezes usam a violência e a intimidação para expulsar os indígenas de suas terras, causando danos irreparáveis às culturas e modos de vida.

Doenças

Os povos indígenas isolados não têm imunidade para muitas doenças comuns dos não-indígenas, como a gripe, o sarampo e a tuberculose. Quando entram em contato com agentes externos, podem ser expostos a essas doenças e sofrer graves consequências.

Conflitos com grupos armados

Alguns povos indígenas isolados vivem em áreas onde há presença de grupos armados, como zonas de fronteira, onde atuam narcotraficantes e milícias. Esses grupos podem usar a violência contra os indígenas e ameaçar sua sobrevivência.