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Bacia do rio Juruena é alvo de 179 projetos de usinas hidrelétricas

Foram identificados 51 novos empreendimentos nos últimos cinco anos, o que representa um aumento de 39,8% e coloca em risco a sociobiodiversidade da região.

A bacia hidrográfica do rio Juruena, localizada no noroeste de Mato Grosso, é a mais extensa do estado, drenando cerca de 19 milhões de hectares em uma área que abrange 29 municípios. A bacia ainda concentra 23 territórios de mais de uma dezena de povos indígenas. A abundância de água tem atraído o setor hidrelétrico, cujos empreendimentos têm se multiplicado na região. De acordo com o boletim de monitoramento de pressões e ameaças às terras indígenas na Bacia do rio Juruena, produzido pela Operação Amazônia Nativa (OPAN), são 179 usinas hidrelétricas projetadas para a região, o que representa um aumento de 39,8% em comparação aos dados de 2019, quando foram levantados 128 empreendimentos. 

Manoel Kanunxi, do povo Manoki, diante da PCH Bocaiúva – Foto: Guilherme Ruffing/OPAN

Em menos de cinco anos, foram acrescidos 51 projetos, uma média de mais de dez novos empreendimentos por ano. As hidrelétricas têm afetado a dinâmica interna de povos indígenas. Os Enawenê-Nawê já não têm peixes suficientes para a alimentação e a prática de rituais. E o tutãra, molusco utilizado na confecção de um elemento central da organização social Rikbaktsa, corre risco de extinção. “O avanço do setor hidrelétrico representa uma ameaça à soberania alimentar e à reprodução cultural dos povos da bacia”, avalia Cristian Felipe Rodrigues Pereira, geógrafo e autor do relatório. 

Desses 179 projetos, 20% estão em operação, 10% em construção e os outros 70% se encontram em fase de planejamento. Nesse sentido, levando em consideração que a maioria não saiu do papel, ainda é possível tomar providências para evitar o pior. “O cenário se mantém propício a esforços das comunidades tradicionais e de povos indígenas pleitearem melhores condições de participação na tomada de decisões sobre o desenvolvimento energético na bacia do Juruena”, destaca o documento.

PCH Bocaiuva, no rio Cravari
PCH Bocaiuva, no rio Cravari – Andreia Fanzeres/OPAN

Além das diferentes etapas de implementação, os projetos também se diferenciam pela capacidade energética. As Centrais Geradoras Hidrelétricas (CGHs) respondem por 46% dos empreendimentos (82), as Pequenas Centrais Hidrelétricas correspondem a 40% (72) e as Usinas Hidrelétricas (UHE) somam 14% (25). Vale pontuar que as CGHs se caracterizam por uma potência de até 5 megawatts (MW), enquanto as PCHs podem chegar até 30 MW e as UHEs operam com potência acima de 30 MW.

Devido à capacidade reduzida em relação aos outros modais hidrelétricos, as CGHs enfrentam processos menos criteriosos para conseguirem as devidas licenças ambientais (prévia, de instalação e de operação), o que tem contribuído para um expressivo e constante aumento. De 2019 a maio de 2023, as CGHs saltaram de 42 para 82 empreendimentos, um aumento de 95% impulsionado pela facilidade e celeridade em adquirirem as licenças legais. 

“Ao contrário das PCHs e das UHEs, as CGHs estão isentas de análises por parte da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). É crucial manter o alerta sobre a correlação direta que existe entre o aumento do número de CGHs e a flexibilização da legislação ambiental para esse tipo de empreendimento”, ressalta o boletim.

Localização dos empreendimentos por sub-bacias

A bacia do rio Juruena é composta por uma série de sub-bacias. Dos 179 projetos identificados na região, 23% (41) estão localizados na sub-bacia do alto Juruena, sendo 15 CGHs (37%), 14 PCHs (34%) e 11 UHEs (29%). Ela abriga 36% dos empreendimentos em operação. A sub-bacia do rio Arinos responde por 48 empreendimentos, sendo 34 CGHs (71%), dez PCHs (21%) e quatro UHEs (8%). A sub-bacia do Arinos chama atenção por concentrar a maior quantidade de CGHs em toda a bacia (41%).

Construção de PCH no rio Buriti
Construção de PCH no rio Buriti – Guilherme Ruffing/OPAN

A sub-bacia do rio Sangue possui 40 empreendimentos hidrelétricos, sendo 14 CGHs (35%), 20 PCHs (50%) e 6 UHEs (15%). Já a sub-bacia do Papagaio é alvo de 48 empreendimentos, sendo 18 CGHs (36%), 27 PCHs (57%) e 3 UHEs (7%). Esta sub-bacia se destaca como a área com o maior número de empreendimentos em estágio de planejamento (33%) e também apresenta a maior proporção de PCHs (37%). A sub-bacia do rio São João da Barra fecha a lista com outros dois empreendimentos, uma CGH e uma PCH.

Sobre o monitoramento

O monitoramento independente das hidrelétricas na bacia do rio Juruena é uma iniciativa da OPAN que teve início em 2013. O objetivo é obter informações sobre o planejamento energético na região e sobre as hidrelétricas que impactam ou poderão impactar a vida dos povos indígenas, comunidades tradicionais e outros grupos sociais do Juruena. O período abrangido por este relatório compreende os dados coletados de outubro de 2022 a maio de 2023.

Manoel Kanunxi
Manoel Kanunxi, do povo Manoki, com peixe pescado no rio Papagaio – Thiago Foresti/OPAN

A metodologia utilizada envolve a coleta de informações de diversas fontes de dados públicos. A fonte primária de informação é o site da Aneel, onde é possível realizar consultas processuais dos empreendimentos hidrelétricos, tanto de PCHs como de UHEs. Além disso, outras fontes de informação incluem a Superintendência da Imprensa Oficial do Estado de Mato Grosso (Iomat, o Diário Oficial da União (DOU), o Sistema Integrado de Monitoramento Licenciamento Ambiental (Simlam) e o Geoportal, sob responsabilidade da Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso (SEMA-MT). 

O boletim é um importante instrumento de informação e defesa de direitos, afinal são recorrentes os casos de violações de direitos em casos envolvendo CGHs e PCHs, como detalha o relatório “O Direito à Consulta e Consentimento Livre, Prévio e Informado no estado de Mato Grosso”, produzido pela Operação Amazônia Nativa (OPAN) em parceria com o Observatório de Protocolos e Consulta.