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Festa do Macaco é realizada pelo povo Kajkwakhratxi-Tapayuna após meio século

A Aldeia Kawêrêtxikô, na Terra Indígena Capoto Jarina, foi palco de um evento histórico: o retorno da Festa do Macaco. Durante dois dias, a comunidade se reuniu para celebrar suas raízes e fortalecer sua identidade cultural

A madrugada de 23 de agosto foi despertada por um canto ancestral que ecoou pela Aldeia Kawêrêtxikô, do povo Tapayuna, na Terra Indígena Capoto Jarina, em Mato Grosso. A voz do cacique Roptyktxi Tapayuna, ancião Kajkwakhratxi-Tapayuna, quebrava o silêncio da noite com a melodia sagrada do “Kukwâj Kô”, um chamado para a Festa do Macaco que ia começar. 

A cerimônia não era realizada há mais de 50 anos, desde que os Tapayuna foram obrigados a deixar o território tradicional entre o rio Arinos e Sangue, na região de Diamantino, que pertence à bacia do Juruena. Mas naquela madrugada, os Tapayuna se reuniram novamente para honrar seus antepassados.

Envoltos pelo calor da fogueira que queimava no centro da aldeia, os homens aguardavam o nascer do sol. Com a chegada da luz, mulheres e crianças se juntaram à roda e começaram uma dança que celebrava a vida, a esperança e a resistência.

Homens em envolta da fogueira na madrugada do dia 23. Foto: Helena Corezomaé

Depois de algumas voltas no centro da aldeia, o grupo seguiu até as margens do rio Xingu, onde uma nova fogueira foi acesa. As chamas testemunharam um ritual purificador. Um por um, os Tapayuna mergulharam nas águas sagradas do rio, lavando de si o peso da dor e emergindo renascidos para uma nova era. Ali, eles deixaram o luto pelos antepassados que partiram.

Tapayuna tiram o luto ao banhar nas águas do rio Xingu. (Foto: Helena Corezomaé)

A primeira etapa havia terminado e na casa dos homens, no centro da aldeia, eles levaram dois cocares, que foram amarrados na ponta de uma vara com mais de três metros de altura.

Homens preparam borduna para festa. (Foto: Helena Corezomaé)

“Nesse momento fizemos o enfeite da borduna, que representa cada clã para a disputa que vai acontecer na festa. Colocamos o cocar específico de cada clã, da piranha e periquito, para a disputa entre os grupos. Esse cocar é sagrado para nós, se cair, alguma coisa pode acontecer com parte do grupo. Por isso eles devem ser bem cuidados, amarrados, para não cair durante a disputa”, explicou Wetaktxi Tapayuna. 

Desde o nascimento, cada pessoa é ligada a um desses grupos, formando uma identidade que os acompanha por toda a vida. O primeiro filho pertence ao grupo do periquito. Já o segundo, ao da piranha, e assim, sucessivamente. 

Com o pôr-do-sol deu-se início a um dos momentos mais aguardados: a disputa entre os clãs da piranha e do periquito. 

No centro do círculo sagrado, os representantes de cada grupo, empunhando a borduna, travaram um embate simbólico, com cantos e movimentos que se entrelaçavam em uma jornada espiritual.

Confrontos simbólicos aconteceram até a manhã do outro dia. (Foto: Helena Corezomaé)

“Pensei que a gente não fosse conseguir cantar, mas a gente conseguiu. Fiquei muito feliz. A gente veio para cá porque precisava conhecer essa festa. Ouvir os anciões. Não pensava que ia conhecer a cultura, a tradição da minha mãe, do meu povo”, disse Ropkrãse Tapayuna, que mora no território Wawi e foi para Kawêrêtxikô para participar da cerimônia.

Finalizado um embate, outros representantes assumiam o posto e continuavam os movimentos com o objeto sagrado. No entorno, as torcidas de cada grupo reagiam a cada apresentação. Alguns eram ovacionados e outros conseguiam tirar muitas gargalhadas de quem acompanhava a cerimônia. 

A celebração ocorreu durante a noite e seguiu pela madrugada do dia 24. Em alguns momentos aconteceram intervalos e verdadeiros banquetes: foram servidos peixes e tracajás assados na folha de bananeira. 

Ao amanhecer, a atividade final: a arranha, um ato de purificação que permitia aos Tapayuna liberarem as energias negativas e renovarem seus espíritos. Os Tapayuna, com o corpo marcado e o espírito renovado, sabiam que haviam revitalizado não apenas uma tradição, mas sua própria identidade.

“Todos os jovens vão contar para os filhos sobre essa noite, iguais aos mais velhos contam para gente. Nós não podemos perder nossa identidade”, ressaltou Ropkrãse Tapayuna. 

Para os anciões, a Festa do Macaco foi mais que uma celebração, foi um ato de resistência por conseguirem garantir a continuidade do povo mesmo após tantas violências que sofreram no passado.

Já os jovens testemunharam o renascimento da Festa do Macaco e agora carregam a responsabilidade de perpetuar essa tradição, garantindo que as futuras gerações conheçam e valorizem suas raízes.

Mulheres pintam homens com urucum para festa. (Foto: Helena Corezomaé)