Movimento indígena de Mato Grosso reivindica protagonismo em políticas climáticas
Além da emergência climática e da incidência na COP30, a maior mobilização indígena regional também discutiu gestão territorial, economia, saúde, educação e outros temas
Áudio gerado por IA
Por Túlio Paniago/OPAN

“Nós não estamos pedindo favores. Estamos exigindo respeito. Somos guardiões da floresta, das águas e dos saberes que podem salvar o planeta. Não somos problema, somos solução. Quando os povos indígenas têm voz e decisão, a vida floresce”. A fala de Eliane Xunakalo, presidenta da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt), deu a tônica da terceira edição do Acampamento Terra Livre de Mato Grosso (ATL-MT).
O encontro, que aconteceu entre os dias 28 e 30 de abril, reuniu cerca de 600 pessoas na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), em Cuiabá. Sob o tema “COP30: o protagonismo dos povos indígenas de Mato Grosso nas políticas internacionais climáticas”, o ATL-MT reforçou a importância da incidência indígena na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que acontecerá no Brasil, em Belém (PA), em novembro deste ano.

Foto: Vinny Chiquitano
“Nós queremos participar. E não só levando desafios, mas as iniciativas que temos aqui. Precisamos ser vistos enquanto pessoas e consideradas as nossas necessidades. E que as políticas públicas sejam construídas a partir desse bem viver que a gente tanto luta”, ressaltou Eliane. “A participação dos povos indígenas será necessária. A Fepoimt está nessa articulação para levar lideranças indígenas de Mato Grosso para estar nesse debate”, complementou Vinny Chiquitano, jovem liderança do povo Chiquitano.
Simultaneamente à urgência dos povos indígenas terem mais voz ativa em pautas relacionadas à emergência climática, também foram discutidas ações com potencial de enfrentar o aquecimento global. “Os planos de adaptação às mudanças climáticas são fundamentais. É importante que os indígenas tragam suas percepções em relação às mudanças no clima, na biodiversidade e nos modos tradicionais de caça, pesca e coleta. O aumento do calor e de incêndios nos territórios também é uma questão. É importante trazer perspectivas e soluções de como vão se preparar para esse novo momento com mais seca e menos chuva”, comentou Artema Lima, coordenadora do Programa Mato Grosso, da Operação Amazônia Nativa (OPAN).
Direitos fundamentais
Além das pautas relacionadas à crise climática, o ATL-MT também refletiu sobre outros temas caros ao movimento indígena estadual. No que diz respeito à saúde e educação indígenas, lideranças denunciaram negligências históricas ainda perpetradas pelo poder público, como o baixo investimento, a precariedade das estruturas, falhas em procedimentos padrão, especificidades indígenas desconsideradas, dentre outros absurdos flagrantes. “Ficaram evidentes as lacunas da presença do Estado para garantir direitos constitucionais”, pontuou Artema Lima.

A gestão territorial também foi discutida, principalmente no que diz respeito à elaboração e implementação de Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PTGAs) em todos os territórios indígenas, conforme previsto pela Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI).

Foto: Artema Lima
Questões de gênero foram pautadas, como a participação de mulheres em espaços de poder e sua organização associativa, com exemplo da Organização das Mulheres Indígenas de Mato Grosso (Takiná). “Estamos observando que nos dois ATLs, tanto em Brasília quanto em Cuiabá, o quanto as mulheres estão tendo protagonismo e estão se inserindo nas pautas emergenciais do movimento indígena”, avaliou Artema Lima.
A violência contra mulher em territórios indígenas e a baixa notificação desses casos também foram discutidos. A plenária apontou cadeias de valor da sociobiodiversidade como uma possível alternativa para que as mulheres tenham maior autonomia financeira para conseguir sair desse ciclo. “Primeiro, é necessário ter visibilidade e constar nas estatísticas. E a plenária apontou possíveis soluções de renda que são opções transversais que podem colaborar para a diminuição da violência. E foi reforçado que violência não é cultura”, frisou Eliane Xunakalo.
Os desafios e potencialidades da juventude indígena de Mato Grosso também foram discutidos no ATL-MT. Questões relacionadas à saúde mental e ao acesso e permanência ao Ensino Superior mobilizaram os presentes, que ainda refletiram sobre a capacidade de organização e mobilização de jovens lideranças que começam a dar uma nova cara ao movimento indígena.
Audiência pública sobre economia sustentável
Assim como nas duas edições anteriores do ATL-MT, esta também contou com uma audiência pública. Sob o tema “Economia Sustentável para os Povos Indígenas de Mato Grosso”, requerida pelo deputado estadual Lúdio Cabral (PT), o debate promoveu a troca de informações entre indígenas com diferentes experiências de produção em seus territórios.

Indígenas que trabalham com turismo de base comunitária, arte, biojoias, moda, música, agricultura sustentável, dentre outras atividades, relataram experiências e dificuldades enfrentadas em seus respectivos campos de atuação.
“Temos presença em todas as cadeias alimentares, na agricultura familiar, extrativismo, artesanato, moda, cultura. Então, é necessário dizer que estamos em todas as áreas da economia, mas a nossa economia é pensada para o coletivo, para o bem viver”, comentou Eliane Xunakalo.
Dentre as reivindicações, estão políticas públicas que promovam acesso a linhas de crédito, proteção de seus territórios, soluções urgentes para barrar o avanço de ameaças e pressões, como o garimpo, o desmatamento ilegal e as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs).

Foto: Helder Faria/ALMT
“É importante fomentar as cadeias produtivas indígenas, que são fundamentais para o desenvolvimento socioeconômico e a preservação da cultura das comunidades. Agora vamos sistematizar a cobrança aos entes responsáveis, para que a gente dê condições de desenvolver a economia dos povos indígenas”, assegurou Lúdio Cabral, responsável pelo encaminhamento das demandas aos devidos órgãos.
ATL-MT
O evento se tornou a maior mobilização indígena regional, reunindo anualmente representantes dos 43 povos que ocupam os três biomas do estado: Floresta Amazônica, Cerrado e Pantanal. Durante a programação, lideranças, parceiros e apoiadores do movimento indígena dialogaram sobre os principais desafios e compartilharam suas perspectivas em relação aos temas mais relevantes ao movimento indígena estadual.
Segundo o Censo 2022, vivem em Mato Grosso mais de 43 mil indígenas de 43 povos e 87 territórios. Nesse cenário de ampla diversidade étnica, o ATL-MT se consolida como um espaço de luta, articulação e fortalecimento do movimento indígena e dos povos de Mato Grosso.

Além das discussões em plenária, o acampamento também é um momento de celebração da diversidade cultural indígena, com apresentações de danças, exposições de artesanato, pinturas corporais e trocas de saberes.
É um espaço de mobilização e reivindicação de direitos junto aos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário em âmbito estadual. A 3ª edição do ATL-MT foi realizada pela Fepoimt em parceria com a Associação Aqui é Mato, Assembleia Legislativa e governo de Mato Grosso, e apoio da UFMT.