União de povos indígenas leva à nomeação inédita no DSEI Cuiabá
Osmar Rodrigues Aroenoguajiwu, do povo Boe-Bororo, tomou posse em cerimônia realizada na Assembleia Legislativa de Mato Grosso
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“Quem está tomando posse hoje são os dez povos atendidos pelo Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) de Cuiabá”, declarou o secretário de Saúde Indígena do Ministério da Saúde, Ricardo Weibe Tapeba, na cerimônia de posse de Osmar Rodrigues Aroenoguajiwu, do povo Boe-Bororo, como coordenador da unidade nesta quinta-feira (15).

A nomeação é resultado direto da mobilização e união de forças dos povos Balatiponé-Umutina, Boe-Bororo, Nambikwara, Kura-Bakairi, Enawene Nawe, Manoki, Myky, Haliti-Paresi, Guató e Chiquitano, que lutaram para que um representante indígena assumisse a coordenação.
“No início do ano as lideranças que fazem parte do DSEI Cuiabá começaram a se mobilizar porque não aguentavam mais tantas promessas e desculpas da antiga gestão. Depois se ampliaram as mobilizações no Distrito e foram chegando mais e mais lideranças, que se uniram em um consenso de que era o momento de indicar um indígena, pois o indígena conhece os problemas e o Osmar tem o perfil, porque já atuou na saúde e tem conhecimento técnico e político”, disse Estevão Bororo Taukane, que acompanhou a mobilização desde o começo.
Em um gesto simbólico da confiança das dez etnias em sua gestão, Osmar recebeu na posse o pariko de José Mário Kugarugo Bororo, uma importante liderança de seu povo. O cocar entregue personificava a união desse grupo em torno de sua atuação no Dsei.

Durante a cerimônia, um representante de cada povo presente discursou, entre eles o professor do povo Haliti-Paresi, Gilmar Koloizomae. Ele iniciou sua fala recordando uma frase proferida por uma liderança de seu povo em 1986: “Um dia o indígena falará por si”.
Gilmar Koloizomae ressaltou a importância da luta ancestral para a concretização desse momento, marcando a chegada do primeiro coordenador indígena ao DSEI Cuiabá. “Daqui pra frente temos que ser mais unidos ainda. Estamos com essa responsabilidade para que tudo isso dê certo. Já para os não indígenas, se quiserem nos ajudar, é para que a gente consiga nos auto-representar, deixar o indígena falar por si. Os nossos anciões nos colocaram na escola e estamos preparados para assumir tudo. E que você, Osmar, seja os dez povos no DSEI Cuiabá”.
A bênção a Osmar se estendeu aos cantos de seu povo, com a apresentação das músicas Ipare Ereru e Oieigo. Segundo José Mário, o Ipare Ereru é o único canto de celebração da etnia, enquanto o Oieigo, tradicionalmente entoado em funerais, foi escolhido para esta cerimônia em reconhecimento à sua importância.
“Foi uma mobilização intensa, durou uns 40 dias e hoje a gente vem aqui para este momento histórico. É o momento de celebrar, pois foi a luta dos dez povos, e para esse momento escolhemos esses cantos. A Ipare Ereru é a dança da alegria. Já a Oieigo é só para o funeral e não pode ser realizada em qualquer momento, mas hoje vai ser realizada dentro do que nós estamos celebrando, a espiritualidade dos ancestrais que lutaram bravamente”.

Em seu pronunciamento, Osmar expressou sua gratidão pelo amplo apoio recebido, que abrangeu não apenas as lideranças, mas também os servidores do DSEI e as organizações comunitárias.
“Tem duas palavras que carrego comigo: autodeterminação e resistência. Essas são as palavras que nós como guerreiros temos que carregar conosco, porque nós estamos o tempo todo nessa batalha para construir algo, e tudo o que a gente vai construir não é fácil. Tanto é que tivemos um descrédito ao assumir: ‘um indígena vai assumir? As coisas vão desandar’. Mas, tenho esperança que não, por todo esse segmento que nos apoia”.
Para desenvolver o trabalho, Osmar avalia que suas experiências como cacique de seu povo por três anos, sua presidência no Conselho Distrital de Saúde Indígena (Considi) e sua atuação como assessor no próprio DSEI serão fundamentais.
“Exerci um trabalho com a minha comunidade como cacique e conseguimos fazer um bom trabalho e tive a oportunidade de assumir o Condisi. Agora, volto como coordenador do Distrito e na visão de que vai dar certo”.
Para o novo coordenador, a principal urgência reside na questão do transporte, embora ele adiante que medidas para solucionar esse problema já estão em andamento. “Estamos avaliando os contratos existentes e faremos as adaptações necessárias. Além disso, há diversas obras pendentes, e recebemos relatos sobre a inadequação das unidades de saúde para o trabalho de nossas equipes. Precisamos agir para garantir que os profissionais tenham um local de trabalho adequado”, afirmou.
Consciente dos desafios inerentes a esse novo espaço de atuação, Osmar se mostra determinado a enfrentá-los. Ele aposta na união e apoio dos dez povos para impulsionar seu trabalho e assume a missão pavimentando um caminho inspirador para o futuro da saúde indígena na região.
