Oficina “Cochichos do Clima” debate mercado de carbono em terras indígenas
Oficina teve a participação de mais de 50 pessoas de diferentes povos da região Noroeste de Mato Grosso
Representantes de povos da região noroeste de Mato Grosso participaram da oficina “Cochichos do Clima” na Terra Indígena Irantxe, Aldeia Cravari. A iniciativa, organizada pela Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt) em parceria com a Operação Amazônia Nativa (OPAN) e o Instituto Centro de Vida (ICV), ocorreu entre 12 e 16 de maio, com o objetivo de esclarecer as complexidades do tema mercado de carbono e seus impactos em territórios indígenas.

A oficina contou com a presença de lideranças dos povos Manoki, Rikbaktsa, Arara, Cinta Larga, Apiaká, Kayabi e Zoró. O evento reuniu mais de 50 indígenas, incluindo mulheres, homens, jovens e crianças.
Durante os três dias de evento, os participantes aprofundaram seus conhecimentos sobre as mudanças climáticas, o papel crucial das florestas na regulação do clima e como funcionam os mercados de crédito de carbono, incluindo modelos como o REDD+ e o Programa REM.
A oficina também detalhou as etapas complexas de um projeto de crédito de carbono, desde o estudo de viabilidade até a venda dos créditos. Foi um momento importante para desmistificar a ideia de que o processo é simples e rápido.
A conversa incluiu, ainda, um panorama sobre a participação indígena em fóruns internacionais, como a COP 30, que acontecerá em Belém, e a liderança de indígenas como Sineia Wapichana na cena climática global.

O anseio por autonomia e o alerta sobre riscos
Durante a oficina, os participantes também compartilharam suas dúvidas e angústias. Muitos questionaram a lentidão dos projetos em terras indígenas, contrastando com a percepção de que produtores rurais já estão lucrando com o mercado de carbono. Alisson Rikbaktsa, engenheiro florestal, reforçou a burocracia como um dos principais entraves. O sentimento geral é de que, apesar do potencial econômico, o processo é complexo e exige cautela.
O cacique Manoel Kanunxi, do povo Manoki, foi enfático em sua crítica, expressando preocupação com a “venda da natureza”. Ele questionou o que restará para os indígenas quando a água, a terra, os minérios e agora o ar forem vendidos. O cacique alertou para o risco de que, com o foco no dinheiro, a cultura e as práticas tradicionais sejam perdidas.
Entendendo os direitos e a complexidade do mercado
A advogada e consultora Juliana Miranda destacou a importância de dominar as informações para garantir direitos fundamentais como a Consulta Livre, Prévia e Informada, a repartição justa de benefícios e a aplicação de salvaguardas. Ela explicou que, antes de assinar qualquer contrato, os povos indígenas devem fortalecer suas associações, elaborar seus próprios Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs) e protocolos de consulta.
A oficina abordou não apenas a crise climática — suas causas e seus efeitos, que impactam de forma desigual diferentes grupos sociais e territórios —, mas também a configuração do mercado de carbono no Brasil e no estado de Mato Grosso. O conteúdo incluiu um olhar detalhado sobre a legislação recente que cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões, destacando como essa lei aborda a questão dos territórios indígenas.
“Foi um conteúdo extenso, ousado da nossa parte, mas foi trabalhado com muito afinco pelas organizações parceiras, o método, a forma. Foi importante para que as lideranças e pessoas saíssem com mais compreensão e interesse de conhecer um pouco mais”, disse Juliana Miranda.

Ao final do encontro, a equipe de organizações parceiras avaliou a oficina como um passo positivo para o fortalecimento das comunidades. No entanto, reconhecem o desafio de traduzir o conhecimento teórico em apoio prático e concreto. O objetivo é continuar o trabalho para que os povos indígenas possam se posicionar de forma autônoma e segura diante dos projetos de carbono.