OPAN

Consulta a jato

Sociedade critica consulta no carnaval e envia centenas de sugestões sobre licenciamento. Conama amplia prazo.

Por: Dafne Spolti/OPAN

*Atualizada em 19/04/2016.

Cuiabá – MT – Enquanto o país se preparava para o carnaval, o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) abriu subitamente uma consulta pública para cumprir o rito de colher contribuições da sociedade frente à tramitação de uma nova proposta de resolução que pretende alterar drasticamente as regras do licenciamento ambiental federal, estabelecidas por meio das resoluções 237 de 1997 e 01 de 1986. Ao promover uma consulta pública restrita ao envio formal de contribuições online e durante o período de carnaval, o Ministério do Meio Ambiente (MMA), que preside o Conama, atestou que a participação social no processo, que pretende flexibilizar algumas das mais importantes normas ambientais do país, é uma mera formalidade. A consulta pública neste período tão curto de tempo, foi menor que a data estipulada pelo próprio GT da Câmara Técnica de Controle Ambiental do Conama. Diante disso, foi muito criticada por quem, mesmo assim, fez questão de se envolver.

“Trabalho desde 2007 com as questões que envolvem o licenciamento ambiental e acompanhei, atuei e questionei diversas ações e discussões referentes ao tema. Fui surpreendida ao saber da consulta pública, a qual disponibilizou tempo extremamente curto para as manifestações da sociedade, em meio a um período de férias de muitos e sem ampla divulgação do processo”, disse Camila Domit, uma das pessoas que colaborou na consulta.

Como Camila, outras 215 pessoas participaram desta consulta a jato, questionada também pelo Ministério Público Federal (MPF). “A pressa do Conama em modificar as resoluções vigentes sobre o assunto sem aprofundar a discussão é absolutamente prejudicial à regular e democrática análise do tema por toda a sociedade, o que afronta também o princípio da razoabilidade”, diz um trecho da nota assinada pelo procurador regional da república, José Leônidas Bellem de Lima, representante do MPF no Conama. Ele continua. “Não se pode acreditar que a consulta pública ocorra de maneira correta e regular quando o âmbito de abrangência – de caráter nacional – faz envolver participantes dos mais variados meios e setores da sociedade em prazo forçosamente exíguo – 10 dias úteis”, considerou o MPF.

A pressa em cumprir a etapa da consulta pública sobre a eventual nova resolução assemelha-se ao tom da própria medida em tramitação no Conama, que restringe as condições de participação social, ferindo o regime democrático. Além de não estipular a realização de audiências públicas, ignora a atuação dos chamados órgãos intervenientes, como Funai, Iphan, ICMBio e demais instituições públicas com competência para avaliar impactos ambientais específicos sobre áreas protegidas e patrimônios, entre outros vários riscos. “Se com as regras atuais já temos que fazer um enorme esforço para garantir que povos indígenas e populações tradicionais direta ou indiretamente afetadas pelos empreendimentos gozem de seu direito de participação, sem essa previsão legal essa prerrogativa será violada ainda mais, o que deve resultar em um número maior de judicializações”, considera Andreia Fanzeres, coordenadora do Programa de Direitos Indígenas da OPAN.

Um dos motivos de maior preocupação é a criação de três novas modalidades de licenciamento que dificilmente conseguirão atestar a viabilidade ambiental dos empreendimentos: o licenciamento ambiental unificado, que avalia em uma única etapa a viabilidade ambiental, “quanto à concepção e localização, a instalação e a operação do empreendimento ou atividade”; o licenciamento ambiental por adesão e compromisso, que “será realizado preferencialmente por meio eletrônico, em uma única etapa, por meio da declaração de adesão e compromisso do empreendedor”; e o licenciamento ambiental por registro, de caráter declaratório, que “consiste em registro, preferencialmente em meio eletrônico, no qual o empreendedor insere os dados e informações relativos ao empreendimento ou atividade”.

Tammy Kozue Yamashita de Araújo deixa claro seu posicionamento, na linha 614 da consulta: “Venho aqui registrar a minha indignação quanto ao absurdo da criação desses novos tipos de Licenças Ambientais”.

Além dessas inserções, a proposta altera até mesmo o licenciamento trifásico (o modelo vigente), enfraquecendo-o. No artigo sobre a licença de instalação dessa modalidade, as condicionantes perdem valor ao serem excluídas da alínea. Além disso, o artigo do licenciamento trifásico ganhou um novo parágrafo, em que é inserida a possibilidade das etapas ocorrerem todas de uma vez, demonstrando clara confusão até mesmo para a língua portuguesa já que “prévia” e “trifásica”, passam, na prática a ser uma coisa só. Camila Domit enfatiza em seu comentário que o licenciamento não pode ser uma roleta russa. “Deve ser um processo estratégico, integrado e muito bem sustentado científica e tecnicamente”.

Rose Hofmann e Suely Araújo levantam dúvidas em seus comentários sobre as novas condições de exigência dos estudos de impacto ambiental e seus respectivos relatórios (EIA/RIMA) “O Conama não estabelecerá lista mínima, com aplicação nacional, com os empreendimentos que terão EIA/Rima, ou critérios claros de como especificar os casos de obrigatoriedade de EIA/Rima? Esse conteúdo não deveria estar incluso na própria resolução que está sendo proposta, já que ela revoga a Resolução Conama nº 01/1986?”, questionam.

Entre as contribuições mais qualificadas da consulta pública estão as de Priscila da Mata Cavalcante, que interferiu em quase todos os artigos da resolução. Ela sugeriu a exclusão da modalidade “por registro”, trouxe melhores definições ao texto da minuta, pautou o meio ambiente, o EIA/RIMA e fez, entre outros, apontamentos sobre os arcabouços legais e as diversas convenções, internacionais e nacionais, em defesa do patrimônio público ambiental. O próprio conceito de licenciamento ambiental foi questionado, já que, se antes era classificado como procedimento em que “o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação”, na minuta é considerado apenas procedimento “destinado a licenciar” empreendimentos ou atividades utilizadoras de recursos naturais.

Priscila Cavalcante defendeu a realização de audiências públicas e a participação da sociedade nos processos de licenciamento, fortalecendo o documento a partir de uma citação de Hanna Arendt: “A condição humana da pluralidade corresponde justamente à ação respeitosa dos seres enquanto identidades singulares que compartilham um mundo comum, sem coação, e, a partir do diálogo, estatuem o direito legítimo”.

Contra a proposta

A nova resolução foi proposta pela Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (Abema), que representa as secretarias e institutos de meio ambiente dos estados. “A proposta apresentada pela Abema apresenta pouca legitimidade, pois essa entidade representa os secretários estaduais de ambiente (governos), com uma visão altamente setorial, e não a sociedade, com suas distintas concepções de natureza, conhecimentos tradicionais e acadêmicos”, diz um trecho das considerações de Zuleica Nycz, Daniel Melo Barreto e Sebastião Fernandes Raulino.

Zuleica e Daniel, assim como Karen Adriana Machado, Katia Helena Lipp Nissinen, Iara Rejane da Rosa Ximenes, Ana Maria Postal, Lisiane Becker e Telmo Focht, também avaliaram o andamento da resolução: “quero registrar minha indignação com o processo de consulta pública promovido pelo MMA com relação às alterações das resoluções CONAMA 001 e 237 e com a própria forma como o processo vem sendo conduzido desde o início. Sinto-me assaltado em meus direitos como cidadão e como membro da sociedade brasileira”, dizem.

Reação do Conama

A partir da pressão da sociedade, a consulta pública realizada no período de carnaval será apenas uma primeira etapa para receber as contribuições, de acordo com informações do Conama. Na 10ª reunião da Câmara Técnica de Controle Ambiental, realizada nos dias 4 e 5 de abril, ficou definida também a realização de audiências públicas em Brasília, Manaus, Florianópolis, Rio de Janeiro e Fortaleza.

Outros ataques ao licenciamento

Além da proposta do Conama – e como se isso tudo não fosse suficiente — existem outros 16 projetos que visam alterar as regras do licenciamento ambiental em tramitação na Câmara e três no Senado, como o PLS 654, de autoria do senador Romero Jucá (PMDB-RR) e relatoria de Blairo Maggi (PR-MT). Ela tramita em regime de urgência e pode entrar a qualquer momento para votação no plenário do Senado sem ter passado por nenhum processo de discussão com a sociedade.

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