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Cooperação entre organizações chega ao Médio Solimões no enfrentamento à Covid-19

No Amazonas, aliança interinstitucional permite ações de combate ao avanço do coronavírus em terras indígenas.

Por Beatriz Drague Ramos/OPAN

São Paulo (SP) – Ao longo do Médio rio Solimões, no estado do Amazonas, mais de 24 mil indígenas vivem em alerta constante à presença do novo coronavírus dentro das aldeias, comunidades e centros urbanos. Os 14 municípios atendidos pelo Distrito Especial de Saúde Indígena (DSEI) Médio Solimões e Afluentes são permeados por rios e foram rapidamente contaminados pela Covid-19, por conta do fluxo constante de barcos entre as cidades.

Até o dia 28 de junho foram registrados 125 indígenas infectados pelo coronavírus, no DSEI Médio Solimões e Afluentes, segundo dados da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab). O alto número de indígenas contaminados pela Covid-19 expõe as dificuldades territoriais colocadas no enfrentamento da pandemia no local e, com isso, a importância de cooperação entre a sociedade civil e os serviços estatais durante a pandemia.

Neste mês, por meio de uma parceria entre a Operação Amazônia Nativa (OPAN), o Greenpeace e o DSEI Médio Solimões, foram levados 32 kits de oxímetros digitais, medidores de pressão arterial e termômetro digital de testa aos Polos Base de Saúde Indígena de Bugaio, Biá, Tefé, Uarini, Coari, Marajaí, Buá- Buá, Cuiú-Cuiú, Ipixuna, Mucura, Barreira da Missão e Envira, que servirão para o atendimento de indígenas das cidades de Jutaí, Tefé, Uarini, Coari, Alvarães, Japurá, Ipixuna, Fonte Boa, Envira.

Coordenador do DSEI Médio Rio Solimões e Afluentes, Agno Rebolças afirma que a entrega foi feita com profissionais testados e o material chegou em boa hora. “Diante do atual cenário que estamos vivendo provocado pela pandemia do novo coronavírus, esta doação foi de suma importância. Tudo que vier é bem-vindo, estamos precisando”.

Os equipamentos de saúde foram transportados por meio de avião do projeto Asas da Emergência, da organização social Greenpeace, à cidade de Lábrea. De lá chegaram a Tefé de helicóptero e foram distribuídos aos polos base por meio de lancha. “Eles estão contribuindo muito com diversos voos pelo estado nesse contexto da pandemia”, reitera o indigenista da OPAN, Antônio Miranda de Andrade Neto, que tem atuação na cidade de Jutaí, localizada na região Sudoeste do estado amazonense, a 749 km de distância da capital Manaus.

Subindo o rio Jutaí

Parte dos aparelhos de saúde foram destinados à cidade de Jutaí, onde vivem mais de cinco mil indígenas dos povos Kulina, Katukina, Kanamari, Kokama, Kambeba, Tikuna e Miranha, de acordo com o Conselho dos Povos Indígenas de Jutaí (Copiju).

Além dos equipamentos de saúde, uma parceria da OPAN com a Associação de Mulheres Indígenas Sateré-Mawé (Amism), Associação dos Comunitários que Trabalham Com Desenvolvimento Sustentável no Município de Jutaí(ACJ) e o Copiju, com apoio do Fundo Tamalpais e do Instituto Clima e Sociedade (ICS) possibilitou a entrega de 170 cestas básicas para as famílias indígenas que precisaram ficar em isolamento social, 234 quilos de álcool em gel e 950 máscaras para a cidade.

Entrega de cestas básicas. Foto: Josimar Oliveira.

Josimar Oliveira, coordenador do Copiju, ressalta a importância das ações relacionadas à Covid-19. “As doações foram uma das principais ações sociais, até porque os indígenas não podem vir nas proximidades para comprar seu alimento e conseguimos mandar para as aldeias que estão isoladas. São muitas pessoas, as cestas básicas são de fundamental importância”, conclui.

A estudante de biologia e artesã indígena, Samela Sateré-Mawé conta que a produção de máscaras começou como uma forma de proteção individual, mas aos poucos tornou-se uma maneira de driblar o desemprego e ao mesmo tempo ajudar as comunidades indígenas.

“Começamos a fazer as máscaras para proteção porque não tínhamos recebido nenhuma recomendação ou ajuda do governo. A primeira cesta básica do governo chegou dois meses depois do começo do isolamento social. Eu postei uma foto nas redes sociais e as pessoas começaram a encomendar as máscaras, foram chegando pedidos. Além da venda, nós doamos as máscaras para comunidades indígenas em contexto urbano e algumas do interior. É isso que está nos mantendo, já que não conseguimos mais vender artesanatos. Já produzimos mais de seis mil máscaras encomendadas por organizações sociais”, aponta a estudante.

Mulheres Indígenas Sateré-Mawé (Amism) mostram as máscaras produzidas em Manaus. Foto: Samela Sateré-Mawé.

Os equipamentos e máscaras também foram doados ao polo base da aldeia Bugaio, na Terra Indígena (TI) Estrela da Paz, localizada próxima à área urbana de Jutaí, onde a disseminação do coronavírus é preocupante. No local, é atendida uma população de cerca de 3.600 indígenas das etnias Tikuna, Kokama e Kambeba, de acordo com dados do Ministério da Saúde.

A cidade onde a OPAN atua há anos, é motivo de preocupação entre indigenistas e moradores do local. Até o dia 01 de julho, Jutaí registrou 264 casos de coronavírus, sendo 46 casos entre indígenas e 02 óbitos confirmados, de acordo com dados da Secretaria Municipal de Saúde.

O município leva o nome do rio, cuja extensão é de 1.050 km. Ao longo de seu trajeto, os afluentes Biá e Ipixuna possuem sete aldeias indígenas do povo Katukina às suas margens, na Terra Indígena Rio Biá.

Indígenas Katukina da aldeia Terra Alta no rio Ipixuna. Foto: Adriano Gambarini/OPAN.

A aldeia Boca do Biá é a mais próxima da cidade de Jutaí, sendo distante cerca de três dias de barco, enquanto a aldeia Terra Alta, também chamada de Surucucu, é a mais distante da cidade, a viagem dura de cinco a seis dias de barco. Pela logística complexa para deslocamento e altos custos com combustível, os atendimentos regulares de saúde – que mantém uma equipe na aldeia Boca do Biá – ocorrem de forma esporádica na aldeia Terra Alta.

O indigenista da OPAN, Edemar Treuherz, explica que a estrutura de saúde indígena na cidade de Jutaí é limitada para atender a demanda ocasionada pelo surto e que um dos temores de disseminação intensa do vírus entre os Katukina está na aldeia Boca do Biá, devido às relações comerciais ocasionadas pela atividade do garimpo, existente no rio Jutaí, que promove maior circulação de pessoas de “fora”, nos arredores da aldeia.

“O polo base na aldeia Boca do Biá tem uma estrutura precária, mas possui médico e enfermeiro. O problema é que ali tem trânsito de pessoas. Esse é o risco maior que os Katukina correm, principalmente na aldeia da boca. Como eles têm uma certa produção de caça, peixe e banana, eles têm uma relação comercial com as pessoas que circulam ali. Na pandemia, essa relação comercial é muito perigosa”, alerta Treuherz.

Crianças Katukina da aldeia Boca do Biá. Foto: Adriano Gambarini/OPAN

Além disso, o indigenista destaca que o modelo de transporte na região é um dos principais fatores que colocou o estado do Amazonas como um dos primeiros epicentros de transmissão do coronavírus no Brasil. “Poucos pegam avião, a maioria trafega de barco e de barco você fica confinado, fica restrito e se tiver uma pessoa com o vírus ela vai transmitir para todo mundo”.

O indigenista complementa que para garantir ferramentas de pesca e alimentos específicos, muitos indígenas precisam ir para as cidades usando esses meios.

“Os Katukina, Kanamari e Kulina vivem da pesca e do patauá, buriti e açaí. Sempre vão precisar comprar um material de pesca. Hoje eles dependem do anzol, da linha. Como eles têm muita caça e pesca conseguem extrair parte da alimentação da área deles, mas isso não quer dizer que eles não vão sair e fazer compras, porque Katukina não fica sem sal”, afirma Treuherz.

Assim como os indígenas têm evitado transitar nas cidades o presidente da Associação dos Comunitários que Trabalham com Desenvolvimento Sustentável no Município de Jutaí (ACJ), Ocemir Salve dos Santos, recomendou aos trabalhadores locais que não frequentem as aldeias para comprar produtos, de forma a não prejudicar os indígenas e os ciclos de contaminações, já altos pelo fluxo intenso das pessoas.

“A circulação coloca a população indígena em risco. A nossa orientação é que não deixem ninguém subir nas aldeias. Não pode. O que está acontecendo é que toda a população está vindo para a cidade em peso receber o auxílio emergencial e os benefícios sociais, causando aglomerações”.

Nessa situação, o indigenista Edemar Treuherz ressalta a importância do diálogo feito entre as instituições. “Tendo em vista a irresponsabilidade do governo federal, acho que o foco das instituições deve ser um só, salvar vidas. Tem que fazer isso mesmo, a junção das ações”.

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Beatriz Ramos

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