OPAN

Divulgação de um trabalho ímpar

Manejo de pirarucu é apresentado no congresso internacional Belém+30.

Por: Dafne Spolti/OPAN.

Belém, PA – O manejo sustentável de pirarucu ano a ano passa a ser mais reconhecido por seus resultados para o fortalecimento das comunidades e a conservação. Com o diagnóstico realizado sobre a atividade em todo o Amazonas não restam dúvidas sobre os seus benefícios. No Congresso Internacional de Etnobiologia e Etnoecologia Belém + 30, com apoio do projeto Raízes do Purus, patrocinado pela Petrobras, indigenistas da OPAN apresentam a experiência do manejo nas terras Deni e Paumari durante a sessão “Manejo dos peixes e pesca em territórios indígenas: experiências e metodologia de monitoramento”, realizada dia 10 de agosto.

Leonardo Pereira Kurihara, coordenador de campo do Raízes do Purus, destacou que o manejo é um dos projetos de conservação associado à qualidade de vida dos mais bem-sucedidos do mundo. Ele falou sobre os nove critérios que definem a força dos manejos sustentáveis, que vem sendo trabalhados pelo pesquisador João Vítor Campos-Silva, doutor em ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e especialista em manejos comunitários. Entre eles estão o envolvimento de lideranças fortes, disponibilidade do produto a ser trabalhado, relevância cultural da atividade. “O manejo de pirarucu talvez seja um dos únicos que reúne todos esses critérios”, explicou Leonardo.

Imagem de fundo: manejadores Paumari do rio Tapauá. Foto: Adriano Gambarini/OPAN.

Mais do que um gráfico com o crescimento populacional do pirarucu em cerca de 200 mil peixes tirando a espécie da ameaça de extinção, ou mais do que a contribuição direta com a conservação de uma área equivalente a quase três estados do Rio de Janeiro, o manejo de pirarucu – que neste período do ano movimenta social e economicamente pelo menos 18 municípios manejadores do Amazonas – é uma atividade que contribui para a qualidade de vida e o protagonismo das populações locais, como observa o indigenista: “o manejo está diretamente relacionado com a reocupação do território de origem e o empoderamento local. Ele proporciona o aumento da coletividade, uma vez que todas as etapas precisam ser acordadas e deliberadas por todo grupo de manejo”.

Gustavo Silveira, coordenador do Programa Amazonas, contou o histórico da atividade feita pelo povo Paumari do rio Tapauá, mostrando o quanto o manejo contribuiu para a melhoria de qualidade de vida e a autonomia deles. “A realidade é que essas comunidades arrendavam barcos. Num período de três anos foram tiradas 60, 70 toneladas de peixes. Era uma pesca totalmente predatória”, disse, apresentando as mudanças que ocorreram com a atividade, como o aumento de seis vezes no número de peixes, de 2011 para 2017, quando foram contados sete mil pirarucus.

Gustavo Silveira. Foto: Dafne Spolti/OPAN.

O povo Deni do rio Xeruã não viveu a situação dos Paumari de arrendamento dos lagos, mas pelas experiências do período de exploração da seringa e de madeira, desde que conseguiram a demarcação começaram a proteger os recursos e conquistaram com o manejo uma forma a mais de fazer isso. “A partir do manejo os Deni começaram a se especializar na vigilância e proteger melhor o território”, explicou Leonardo Kurihara.

Ação de vigilância e proteção territorial dos Deni. Foto: Adriano Gambarini/OPAN.

Apesar de todos os benefícios para os Deni, os Paumari e outras comunidades manejadoras, há uma série de questões a serem aprimoradas. Como apresentaram Gustavo e Leonardo, muitas comunidades têm dificuldade na elaboração do relatório do manejo, precisando contar com assessoria externa para os pedidos de cota. Eles também falaram sobre a legislação sanitária, inadequada para o pequeno produtor, considerando as dificuldades de logística de transporte do pescado dos lagos até as unidades de processamento e, ainda, a tradição de consumo do peixe no Amazonas, salgado e seco, além do fresco, como exigido. Por conta disso, eles apontaram que são necessárias adequações que tanto garantam a qualidade quanto que sirvam para a realidade dos manejadores.

Além disso, o manejo de pirarucu não é devidamente valorizado do ponto de vista financeiro. Há grande disponibilidade do peixe em uma mesma época e pouca estrutura para armazenamento, competição do peixe sustentável de manejo com a pesca ilegal, e um mercado restrito. “Os compradores de Manaus conversam e se organizam entre si, então eles é que estão dando o preço”, disse Leonardo.

Por essas dificuldades e por ser um dos projetos de conservação associados à qualidade de vida dos mais eficientes que existe, os indigenistas acreditam que a experiência deve ser conhecida em outras regiões, que poderão inclusive se inspirar para o desenvolvimento de projetos voltados ao fortalecimento das populações e à conservação. “A OPAN nos últimos anos entrou de cabeça nesse trabalho com o manejo de pirarucu e nessa articulação junto com os outros parceiros está num esforço coletivo de mostrar os resultados ambientais, sociais e econômicos do manejo”, disse Gustavo Silveira.

Os pilares do manejo de pirarucu

José Cândido Lopes Ferreira, que faz doutorado em antropologia social sobre o manejo de pirarucu com o trabalho “Do pescador ao peixe: ecologia política do manejo de pirarucus no médio Solimões”, apresentou no congresso o histórico e a base estrutural da atividade, que surgiu na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Mamirauá, entre 1999 e 2000, quando o pesquisador Leandro Castello, o morador da RDS Jorge Tapioca e outros comunitários desenvolveram o método de contagem de pirarucu.

José Cândido. Foto: Dafne Spolti/OPAN

Ele explicou que entre as características do pirarucu está respiração aérea, ou seja, o peixe precisa sair da água para tirar oxigênio do ar num intervalo de 20 minutos. Assim, ao invés de passar uma grande malha para saber quantos peixes tem no lago, a partir do da percepção de Jorge Tapioca, foi criada a contagem de pirarucu, feita a olho nu pelos manejadores que conseguem, assim, eles próprios, monitorar o estoque pesqueiro.

Enquanto em 1996, quando a pesca foi proibida por conta da escassez de peixe, com o manejo, regulamentado pela Instrução Normativa 001/2005, do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e pelo decreto 36.083/2015, do governo estadual, em 2017 foram contados 4300 peixes no Mamirauá. “A contagem é uma ferramenta que dá o suporte para que tudo isso seja desenvolvido”, disse Cândido. Ele explicou também que além da contagem, o manejo tem como base estruturante o zoneamento dos lagos (alguns para preservação, outros utilizados para consumo da comunidade e alguns para pesca comercial). “A partir do zoneamento, associado ao trabalho de vigilância você garante que essa experiência seja efetiva”, disse.

O pesquisador destacou ainda que no manejo são realizadas muitas atividades ao longo do ano, entre pescadores de diversas regiões, como a certificação de contadores em que pessoas de rios com diferentes características também podem compartilhar as experiências da atividade e que também há mais jovens dedicados à pesca e portanto mais envolvidos com a comunidade. “Todas essas atividades colocam o manejador na área da pesca. Toda hora eles estão na área e isso fortalece a gestão do território, a diminuição das invasões e no empoderamento deste grupo”, concluiu.

Participantes da sessão sobre o manejo de pirarucu. Foto: Dafne Spolti/OPAN.

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