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Barco com estrutura de armazenamento e pré-beneficiamento reduz gastos e proporciona maior autonomia a manejadores do Médio rio Juruá.

Por: Dafne Spolti/Território Médio Juruá

Carauari, AM – Entre pássaros e botos, deslizando pelas curvas do rio Juruá, o barco Amaru I aparece iluminado, forte e pesado, trazendo pirarucu de manejo das comunidades extrativistas e do povo Deni do rio Xeruã, que fez sua segunda pesca comercial este ano. Na tripulação, os donos do barco, que são os próprios moradores, o tratam como se cuidassem de suas casas, deixando-o limpo e arrumado. Afinal, ele rompe com a dependência de aluguel de barcos de fora que chegavam a custar mais do que 60 mil reais em uma temporada, possibilitando assim melhores ganhos financeiros a todos.

“Vamos poder atender a nós mesmos sem ter que vir barco de Manacapuru ou de Manaus”, disse o presidente da associação dos Moradores da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Uacari (Amaru), José Araújo Medeiros, conhecido como Andrade. Ele explicou que agora têm também maior flexibilidade para estabelecer os cronogramas da pesca porque com o barco em Carauari isso depende apenas da vazante do rio e da organização entre os manejadores da RDS, da Reserva Extrativista (Resex) Médio Juruá, das comunidades próximas a Carauari (baixo Carauari) e dos Deni do Xeruã.

Antes era necessário fazer contrato com antecedência para o aluguel de barco, que tem uma diária de cerca de R$ 1.000,00 e uma série de requisitos que amarravam muito os manejadores, como detalhou Manoel Cosme Siqueira, presidente da Associação dos Produtores Rurais de Carauari (Asproc), a organização comunitária que faz a compra do pescado. “A construção do barco foi um ganho que não dá nem pra medir”, disse ele, destacando que o manejo melhora a qualidade de vida da população e a conservação do ambiente.

Eude Monteiro Santiago, coordenador técnico do manejo (à frente) e o manejador Marivaldo Bezerra Batista na estrutura de pré-beneficiamento. Foto: Dafne Spolti/OPAN.

Para a construção do barco houve uma articulação envolvendo a Amaru, a Asproc, a Associação do Povo Deni do rio Xeruã (Aspodex), a Operação Amazônia Nativa (OPAN), a Fundação Amazonas Sustentável (FAS), o Memorial Chico Mendes, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a Secretaria do Estado do Meio Ambiente (SEMA) e outras organizações parceiras que se reúnem no Território Médio Juruá. A maior parte dos recursos foram disponibilizados pelo Fundo Amazônia/BNDES por meio dos projetos Arapaima: redes produtivas, executado pela OPAN, e pelo Bolsa Floresta, realizado pela FAS, a partir da ideia construída no Território desde 2016, quando não existia nem mesmo a planta da embarcação.

Com o uso conjunto dos recursos foi possível decidir coletivamente o que atenderia melhor a todos: um barco de 25 metros com estrutura de pré-beneficiamento e armazenamento de 30 toneladas, resolvendo grande parte das necessidades de logística, transporte e de adequações sanitárias, conforme orientações da Agência de Defesa Agropecuária e Florestal do Estado do Amazonas (Adaf). A estrutura do barco com câmara isotérmica foi custeada pelo projeto Arapaima/OPAN e a de pré-beneficiamento, pelo Bolsa Floresta/FAS.

Francisca Lima de Souza e Ana Paula Costa de Castro, no manejo da Morava Nova, realizado após a pesca do Toari. Foto: Dafne Spolti/OPAN.

Além da economia de gastos, o barco é mais eficiente para o tratamento dos peixes, que são eviscerados e lavados dentro do barco já indo direto para as caixas de gelo, de onde saem apenas chegando ao seu destino. “Quatro ou cinco anos de custo do aluguel pagariam o barco, que dá mais autonomia para os manejadores”, disse o indigenista da OPAN Leonardo Pereira Kurihara, coordenador do projeto Arapaima: redes produtivas, para dimensionar quanto dinheiro era gasto antes. “Agora não depende mais de fator externo. Depende só deles”, complementou.

No barco, a manejadora Maria Ilda Gomes de Lima, da comunidade Morada nova, disse o quanto ele está facilitando o trabalho: “Antes gastava muito, se esforçava muito. Agora está melhor para a gente”. Marivaldo Bezerra Batista, da comunidade Vila Ramalho, que apoia os manejos de outras comunidades, também falou que está menos cansativa a pesca com o barco. “Melhorou 100%. Antes tinha que ficar tratando na beira do lago, no sol, com todo mundo em volta. Agora não, uma parte das pessoas fica lá e outra aqui”, disse. Além do barco, ele falou que a moto emprestada pela prefeitura de Carauari foi fundamental para carregar o peixe, facilitando ainda mais o trabalho.

Marivaldo e Maria Ilda. Foto: Dafne Spolti/OPAN.

Para o presidente da Associação do Povo Deni do rio Xeruã (Aspodex), Pha’avi Hava Deni, foi muito importante a aquisição do barco Amaru I, onde levaram nesta pesca cerca de quatro toneladas dos 70 peixes que tiraram. “A gente fortalece mais a nossa organização e o povo Deni”, disse ele, já que estão guardando o recurso com a Aspodex para o manejo e para desenvolverem projetos voltados a melhorias para todas as aldeias.

Além disso, para os Deni e para os extrativistas tem sido interessante a interação proporcionada pelo barco e pelo manejo. Pha’avi observou que tanto eles estão participando mais de atividades dos extrativistas, quanto os comunitários também de atividades dos Deni. Para os comunitários – muitos comentavam no barco sobre os Deni – a troca de experiências é positiva. “A reserva deles veio antes da nossa e nós não tínhamos contato com eles. Eles pegam experiência conosco e nós com eles”, comentou Andrade.

Pesca deste ano do povo Deni: Foto: Renato Rodrigues Rocha/OPAN.

Para as organizações envolvidas, além de todos os ganhos, a construção do barco Amaru I representa a força da coletividade e da união. “Foi um grande aprendizado para todos que atuam com apoio ao manejo no Médio Juruá”, disse Marcelo Castro, coordenador regional da FAS. Ele falou ainda que a construção do barco reflete os avanços do manejo no Médio Juruá: “eu observo a maturidade dos manejadores de buscar agregar valor aos seus produtos, ofertando ao mercado um produto sustentável de maior qualidade”.

O presidente do Memorial Chico Mendes, Antônio Adevaldo Dias, também avalia como central o processo organizativo para a concretização do Amaru I, sendo que as comunidades, se reunindo com certa regularidade, conseguiram detectar já há um tempo que a falta do barco era um gargalo para o manejo e assim puderam buscar conquistá-lo com outras organizações. “A lição é a humildade de quem está construindo as coisas de forma conjunta”, disse, completando ainda que construindo os processos em parceria, eles se tornam mais leves e fluídos.

Manejadores no barco. Foto: Dafne Spolti/OPAN.

Barco Amaru I, do Purus ao Juruá

Para o carpinteiro naval Oscar Brito Lima, que fez o barco no município de Lábrea ao longo de seis meses, o trabalho também é motivo de satisfação. “Eu fico feliz de saber que esse barco vai beneficiar várias famílias do Médio Juruá”, disse, contando que nunca tinha construído um barco com essas dimensões e características e que isso foi importante para Lábrea também pelo envolvimento de outros trabalhadores neste processo e por agitar a economia local.

O barco, que tem uma capacidade de trinta toneladas e pode chegar a uma velocidade de 28 quilômetros por hora na subida do rio e 38 na descida, demorou três anos no processo de planejamento e negociação, seis meses para ser construído e mais 10 dias para chegar. Saindo e Lábrea, passando pelos rios Tapauá, Purus, Solimões e Juruá, ele chegou no porto de Carauari dia 24 de agosto. Dia 25 já estava recebendo o gelo para a pesca que começou logo na sequência, para alívio e alegria de todos que o aguardavam. “É uma conquista tão grande que até merecia uma comemoração”, concluiu o Andrade da Amaru, sorrindo ao dizer que isso ainda não foi possível pela correria em que estão todos neste momento da pesca manejada do pirarucu.

Barco retornando a Carauri já com o peixe das comunidades extrativistas e dos Deni, na primeira etapa da pesca. Foto: Dafne Spolti/OPAN.

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