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O que querem as mulheres indígenas de MT

A participação em discussões e instâncias de decisão importantes para seus povos é uma das grandes demandas das indígenas.

Por: Lívia Alcântara/OPAN

“A principal demanda das mulheres em meu povo é de ser ouvida, de ter o espaço dela. No nosso meio é comum a mulher não ter voz. Apesar de as outras etnias já terem avançado nisto, nós estamos um pouco para trás”, avalia Daiane Cinta Larga, de 24 anos, da etnia Cinta Larga.

Embora as mulheres indígenas tenham mecanismos de participação junto à seus povos, nos últimos anos elas têm demandado mais representação em reuniões relacionadas aos povos indígenas. É o que revelam as propostas realizadas para o Subprograma de Território Indígena do Programa REM*, que pretende premiar financeiramente o estado de Mato Grosso pela redução do desmatamento. O programa considera os povos indígenas como atores que historicamente conservaram as florestas e, por isso, disponibilizará linhas de financiamento para ações prioritárias para eles.

No que tange ao tema das mulheres e equidade de gênero, um dos três eixos de ações principais do programa, formulados pelas indígenas, é a promoção da participação equitativa nos diálogos e esferas de tomadas de decisões. Elas querem que os convites para as reuniões e encontros cheguem diretamente para elas  – e não apenas para os homens, como ocorre hoje – e que haja possibilidades financeiras para que seus filhos as acompanhem nesses momentos.

Esta demanda, junto com outras relativas à renda e à formação em políticas públicas e direito, foram construídas em uma oficina do REM específica para as indígenas, que surgiu a partir da presença limitada delas nas reuniões realizadas por regiões. A cota de pelo menos 30% de participação feminina, incentivada pelos organizadores, não foi atingida.

“Por várias questões as mulheres não estavam indo, questões culturais… E a oficina de mulheres não estava programada para acontecer, porque não tinha recurso”, conta Eliane Bakairi, assessora da Federação de Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt). Eliane, junto com outras companheiras, conseguiram recursos e, para além das oficinas realizadas com diversos povos, fizeram um encontro só de mulheres.

“No começo, tanto eu como as outras mulheres que estão começando a sair, temos vergonha, medo de debater com as outras pessoas. Até mesmo dentro da comunidade. Muitas vezes é medo, vergonha de expressar”, confessa Marivania Wahba, uma jovem de 23 anos da etnia Rikbaktsa.

Embora este seja ainda um desafio para Marivania e outras mulheres, o fato é que elas têm assumido, cada vez mais, cargos de representação de seus povos, construído associações de mulheres e ocupado importantes funções dentro e fora de suas terras, como na área da saúde e da educação.

Marivania, por exemplo, é professora em sua aldeia e acaba de conquistar uma vaga para cursar a Faculdade de Pedagogia Intercultural na Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), em Barra do Bugres. Ela também faz parte do coletivo de jovens Rikbaktsa que buscam conectar a juventude com as demandas do seu povo e com os conhecimentos ancestrais.

O protagonismo feminino na luta dos povos indígenas é visível hoje na organização de base, mas também tem ganhado projeção nacional, com o lançamento de Sônia Guajajara à vice presidência do Brasil e com a vitória de Joênia Wapichana à deputada de Roraima nas eleições de 2018.

Mas tampouco este é um fato novo. Rosinês Kamunu, de 52 anos, da etnia Manoki, também na bacia do Juruena, assume desde 2003 articulações externas de seu povo. Ela foi presidente do Conselho de Saúde (Condisi) no qual conseguiu, junto com outras lideranças, a reforma do posto de saúde, um poço artesiano para uma das aldeias, um malote de correspondência para envio de informações sobre a saúde para seu polo de atendimento, além de duas alas destinadas a indígenas no hospital municipal de Brasnorte. “Hoje a gente está conhecendo os nossos direitos que estavam no papel e colocando em prática”, defende.

Para além da equidade de gênero

 As demandas das mulheres indígenas são mais amplas que a igualdade de gênero: “não defendemos só nossa terra, nosso pensamento, a gente pensa tanto no não índio quanto no indígena”, enfatiza Rosinês. Durante o Encontro de Mulheres da Rede Juruena Vivo, ocorrido em abril de 2019 em Juína, noroeste de Mato Grossos, as preocupações eram muitas.

As mulheres indígenas presentes ali ressaltaram, por exemplo, como a construção de usinas hidrelétricas têm atingido seus territórios e impactactado o ecossistema. “Nós estamos muito afetados de PCHs [pequenas centrais hidrelétricas]… Este tempo só era usina e nosso peixe diminuiu muito”, reclama Coparauku Myky, de 19 anos, da etnia Myky. O desmatamento, a pressão das fazendas de soja, algodão em suas terras e o uso generalizado de agrotóxico no entorno dos territórios indígenas são outras das principais questões levantadas por elas.

“No passado nós tínhamos nosso calendário, não era o que o branco criou. Nós sabíamos o mês de plantar, colher, fazer roça, o dia que tinha peixe. Olhávamos para lua e sabíamos se estava bom para pescar, caçar. Hoje, com este desmatamento que está ali, com estas PCHs nos rios, com os venenos ali… A gente perdeu totalmente aquele controle”, lamenta Rosinês referindo-se às consequências da mudança climática.

Dineiva Maria Kayabi, 39 anos, carrega uma grande preocupação com a atual conjuntura política do Brasil: “estão querendo retirar os direitos que foram conquistados na Constituição de 1988”. Para ela, a participação em reuniões e encontros representa a possibilidade de trazer informações sobre este contexto brasileiro: “com estas saídas da gente para o movimento, nós trazemos informações para ficarmos ligados, explicamos para as lideranças e caciques o que está acontecendo”.

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