OPAN

Os desafios da COP 21

Na Conferência da ONU, indígenas pedem respeito a seus direitos e mostram que só a tecnologia não vai salvar o planeta da mudança climática.

Por: Lola C. Rebollar/ Coordenadora técnica da OPAN

Paris, França – A 21ª Conferência do Clima das Nações Unidas, que está acontecendo em Paris neste mês de dezembro, tem sido marcada pelo grande aparato de segurança e a diminuição dos espaços públicos para expressões da sociedade civil. Depois das manifestações em Nova York com mais de 400 mil pessoas pressionando os governos para que tomem medidas sérias e emergenciais para frear a mudança climática, esperavam-se mais de 1 milhão de pessoas nas ruas de Paris. As medidas de segurança depois dos atentados terroristas de 13 de novembro inviabilizaram essas ações. Há quem pense que esta foi uma medida conveniente, já que “os atentados não foram todos em locais privados”. Fora de polêmicas, os movimentos sociais e cidadãos têm se mostrado bem criativos diante desta restrição legítima de protestos, deixando, por exemplo, suas pegadas nas ruas. De um jeito ou de outro, Paris continua fervilhando.

Há unanimidade no corpo científico internacional: o modelo de desenvolvimento, depois da era industrial, vem acelerando perigosamente uma mudança climática que coloca a vida no planeta em risco. Suas consequências são evidentes: o desaparecimento de glaciares, áreas de desertificação na Amazônia, o aumento de calor progressivo (2015 deve ser considerado o ano mais quente já registrado na história), o nível do mar já aumentou vários centímetros em algumas regiões do mundo, mudança nas florações, diminuição de abelhas, peixes e outros animais, alterações no regime de ventos, menos chuvas e mais concentradas, prolongadas secas etc. Aceleram-se fenômenos extremos que provocam deslocamentos de massas humanas, instituindo hoje um novo termo que cada vez será mais ouvido – os refugiados climáticos ou ambientais.

Em 1992, durante a Eco 92, no Rio de Janeiro, tratou-se sobre o aumento de temperatura do planeta, e a partir daí ocorreram muitas reuniões bem-intencionadas até a assinatura do Protocolo de Kyoto, em 1997. Porém, sem grandes resultados. O objetivo não se cumpriu. Copenhague, que sediou a 15ª Conferência do Clima, foi tida como uma última oportunidade e foi um fiasco. Entre Copenhague e Paris, aconteceram outras seis conferências e inúmeras outras reuniões, mas a novidade é a tão esperada adesão de países como os Estados Unidos e a China, responsáveis hoje por quase a metade das emissões do mundo, a um acordo climático.

Contudo, há divergências sobre fazer ou não deste um acordo um compromisso vinculante, monitorado a cada cinco anos. A França e outros países europeus pressionam para que seja assim, mas os gigantes das emissões não querem. Certamente o presidente Obama não tem apoio para se comprometer de forma vinculante, pois enfrenta um Congresso republicano dentro do qual ainda existem muitos políticos que nem sequer aceitam a questão da mudança climática.

Enfrentar a mudança climática exige medidas para transformações estruturais nos modelos de desenvolvimento adotados até agora, como alterar as matrizes energéticas mundiais.

Se para os países ricos realizar essas mudanças com firmeza e rapidez já tem sido difícil, as nações em desenvolvimento exigem ajuda financeira. Foi por este motivo que, anos atrás, criou-se o Fundo Verde, que passou a operar em 2014. Sua sede encontra-se na Coreia do Sul e é gerido de forma paritária entre países ricos e pobres. Trata-se de um fundo independente, controlado por governos ligados às Nações Unidas. O Fundo Verde tem sido considerado uma pedra angular do acordo de Paris. Calcula-se que seria necessário que o fundo garantisse 100 bilhões de dólares anuais para ser aceito pelos países em desenvolvimento.

Situando as estratégias da ONU

O fracasso em Copenhague também levou a Organização das Nações Unidas (ONU) a ampliar sua estratégia de promover mudanças para o controle da mudança climática. A ONU decide apostar ainda mais na participação da sociedade civil, estados e municípios. E esse movimento é crescente.

Segundo o economista e consultor espanhol Carlos Paret, a ONU tem estimulado grandes processos, através de acordos ao nível de governos locais e regionais, ou seja, tenta abrir caminhos de incidência que não se conseguem nacionalmente. Na Califórnia, obteve apoio do governador. Em Nova York e São Francisco tem a adesão dos prefeitos. Na Espanha, na região basca, há municípios que são vanguarda em ações de mitigação e adaptação e assumiram compromissos em relação à mudança climática, não vinculantes, porém importantes. “A ONU constatou e avaliou que, se de cima para baixo não funciona, é preciso investir de baixo para cima, e está tendo sucesso”, afirma Paret.

A ONU está investindo também em processos para dialogar melhor com as empresas e os mercados financeiros. Por meio de grandes estudos e declarações, têm dado visibilidade àqueles que financiam a energia gerada a partir dos combustíveis fósseis, informando à sociedade onde estão tais investimentos e até que ponto eles estão causando a destruição do planeta. Somado a isso, o aumento crescente da sensibilidade de empresários e governantes fez com que o Fundo Soberano Norueguês declarasse em 2015 que até 2020 tirará todos seus investimentos do carvão.

Existe, por exemplo, uma aliança entre dez empresas petroleiras que estão começando a falar de aumento de eficiência, ou seja, produzir mais energia com a menor emissão possível, fazendo também a transição para um modelo mais sustentável. Algumas empresas começam a investir fortemente em energias renováveis, como a francesa Total, que já é a segunda empresa mais importante de energia solar no país.

A ONU está estrategicamente construindo novos caminhos por vários lados, e isso abre uma janela para os povos indígenas e tribais do mundo.  Onde se encontram os maiores estoques de carbono? No oceano e nas florestas, principalmente. Uma grande parte das florestas conservadas estão em terras indígenas com povos que preservam os territórios, por isso é preciso garantir a voz e direitos e eles, fortalece-los e tê-los como aliados.

São três milhões e meio de povos indígenas no mundo, que têm um papel fundamental para o equilíbrio do planeta. O encontro “Resiliência em tempos de incerteza: povos indígenas e a mudança climática”, que lançou o livro Weathering uncertainty: traditional knowledge for climate change assessment and adaptation, nos dias 26 e 27 de novembro em Paris, é parte dessa estratégia de fortalecimento e visibilidade dos povos indígenas e sua importância para frear a mudança climática.

Os povos indígenas são fundamentais para frear as mudanças climáticas

A Unesco promoveu antes da COP 21, nos dias 26 e 27 de novembro, um encontro com objetivo de mostrar que não há soluções únicas ou milagrosas para enfrentar os problemas da mudança climática. Nesse sentido, afirmava Diego Pacheco, vice-ministro de planejamento da Bolívia, na mesa de inauguração do evento: “a diversidade é grande e necessária, por isso deve haver uma diversidade de caminhos para enfrentar a mudança climática”.

Nessa mesa também estava o cacique Raoni Metuktire Kayapó, denunciando energicamente o descumprimento sistemático da Convenção 169 da OIT pelo Brasil e a tentativa, através da PEC 215, de ferir os direitos constitucionais dos povos indígenas conquistados historicamente. Raoni, com apoio da organização Planete Amazone, e junto com lideranças indígenas de todos os continentes e organizações aliadas, como a OPAN, entregou um texto de reivindicações no dia 2 de dezembro ao presidente francês Francois Holland.

A Relatora Especial das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, destacou no evento a importância da diversidade de conhecimentos para a resiliência dos povos indígenas e tradicionais, pois eles vivem diretamente em contato com a natureza e a conhecem profundamente, o que lhes dá a capacidade de predizer e se adiantar a mudanças que virão. Ela, no entanto, enfatizou que “isso só é possível se se reconhecem os seus direitos – direito à soberania e a seus modos de vida”. Ela colocou a importância de fortalecer os povos para o enfrentamento de políticas contraditórias que atacam seus direitos.

Este evento promovido pela Unesco foi um espaço de trocas e informações privilegiado, onde se escutaram povos do mundo inteiro, cientistas e organizações falarem das mudanças que estão acontecendo e as alternativas de adaptação e mitigação que estão sendo construídas. Foi publicado um documento oficial intitulado “Saberes Tradicionais & Mudança Climática”, onde se afirma que os conhecimentos indígenas devem ser tidos como alicerces para a tomada de decisões em relação à mudança climática porque esses povos ocupam e manejam recursos nos aproximadamente 22% da superfície terrestre que concentram 80% da biodiversidade do planeta.

Os conhecimentos indígenas ou tradicionais são práticos e acumulados ao longo de muitas gerações, sendo atualizados a cada geração, o que orienta as sociedades em suas interações com o entorno. São amplamente reconhecidos seus conhecimentos de agrosilvicultura, a medicina tradicional, a conservação da biodiversidade, a avaliação do impacto e resposta diante de desastres naturais. Da mesma forma, as observações e interpretações dos fenômenos meteorológicos guiaram sempre as atividades sazonais das comunidades ao longo de milênios. Esses conhecimentos estão contribuindo para o progresso da climatologia. Também e não menos importante, é preciso levar em conta que o conhecimento indígena se centra em elementos fundamentais para a vida, a segurança e o bem-estar locais, portanto são essenciais para a adaptação à mudança climática.

Por tudo isso, para todos os representantes e palestrantes que estavam no evento, se torna fundamental e necessário que os povos indígenas tenham reconhecidos e respeitados seus direitos sobre seus territórios e recursos. Há que se levar em conta sua vulnerabilidade, pois os povos indígenas não só sofrem diretamente os efeitos das mudanças climáticas, mas também mudanças econômicas, políticas e sociais. Um desafio essencial é garantir a participação dos povos indígenas como “sócios-chave” no desenvolvimento das pesquisas sobre mudança climática, influenciando os planos de adaptação.

Os representantes da Unesco presentes consideraram essencial que governos garantam políticas que apoiem a capacidade de recuperação e adaptação dos povos, a integridade dos territórios, reforcem as práticas locais, a diversidade agrosilvopastoril, e melhorem a transmissão de conhecimentos, transmissão e valores do mundo indígena. Nicolas Hulot, enviado especial para a proteção do planeta (França) afirmou que o reconhecimento dos povos é um dever. “O equilíbrio da natureza só pode se restabelecer com ajuda dos povos indígenas. Nós temos muito que aprender com eles, a tecnologia por si mesma não vai nos salvar do problema, não dá conta.”

Houve também manifestações contrarias a transformar a natureza e a questão climática num novo mercado. Diego Pacheco criticou que exista uma permanente tendência que que nos obrigue a pensar apenas dentro do modelo capitalista com um foco mercadológico e antropocêntrico, tratando a natureza como um objeto, e destaca que para o bem-viver das pessoas é necessário estar em harmonia consigo mesmo, com os outros e com a natureza. “Não podemos aceitar apenas a visão do carbono para falar de mudança climática, pois nessa visão só contam as novas tecnologias e os novos mercados. É preciso incluir a visão dos povos indígenas”, afirmou Diego Pacheco.

O que está posto é que valorizar e incluir a participação e conhecimentos indígenas para o enfrentamento deste gravíssimo problema que nos afeta a todos é fundamental. 

 

Contatos com a imprensa
comunicacao@amazonianativa.org.br
(65) 3322-2980