OPAN

Pirarucu legal e viável

Povo Paumari supera expectativas na despesca manejada após 5 anos de trabalhos pela conservação.

Povo Paumari supera expectativas na despesca manejada após 5 anos de trabalhos pela conservação.

Por: Ximena Morales Leiva/OPAN

Pirarucu chega à balsa para ser tratado
Foto de Foto de arquivo OPAN

Lábrea, AM – Nos  rios Tapauá e Cuniuá, situados no Médio Purus, no sudoeste do Amazonas, onde a mata e os rios resplandecem em beleza e diversidade, ecoa uma mensagem de esperança transmitida pelos Paumari. No final de setembro, o povo da água, como são conhecidos, realizou um feito e tanto não só para eles mesmos mas para todos os povos do Brasil. Após cinco anos de manejo pesqueiro de 23 lagos e organização comunitária, ocorreu a pesca legalizada de 3.500 kg de pirarucu no final de setembro, entre os dias 21 e 23.

Após dois dias e meio navegando pelos rios Purus e Tapauá, as equipes da Operação Amazônia Nativa (OPAN), do Instituto Piagaçu (IPI) e da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) chegaram à Terra Indígena Paumari do Lago Paricá no dia 19 de setembro para acompanhar a primeira pesca de pirarucu manejado por indígenas no Purus.

Assim que o barco de apoio aportou, os Paumari começaram a preparar os equipamentos da pesca, organizar as canoas, abastecê-las com combustível. Participaram de reuniões preparatórias para avaliar a contagem dos peixes e definir  quais lagos seriam contemplados na pesca.Também foi preciso dividir  as equipes  entre pescadores, transporte, monitoramento, manutenção, filmagem e cozinha.

Um dia antes do início da pesca, os Paumari fizeram um teste e pescaram um pirarucu para exercitar a realização de todos os procedimentos descritos na autorização inédita dada pelo Ibama em junho, condição que garante o caráter legal do manejo paumari. As normas sanitárias que deveriam ser seguidas estavam totalmente incorporadas ao modo paumari de pescar.

Passo-a-passo

Altamente organizados, mobilizados e engajados, 37 paumari estavam apenas esperando o barco de gelo alugado pela Cooperativa Mista Agroextrativista do Sardinha (Coopmas) chegar próximo ao lago Juriti, no rio Tapauá,  para iniciar a pesca.

Às 13 horas do  sábado  começou o momento tão esperado. “Os mais jovens trabalharam de forma sincronizada com os mais velhos, que iam orientando como fazer a pesca. Observaram onde estavam os peixes, aproximaram suas canoas e distribuíram as malhadeiras pelo lago. Os velhos ficavam na linha de frente, dizendo para os mais jovens como deveriam posicionar o material de pesca, com o qual foram fazendo intersecções laterais, ou seja, barramentos, e iam isolando os pirarucus”, descreve o pesquisador e coordenador do Programa de Conservação e Manejo de Recursos Pesqueiros do Instituto Piagaçu (IPI), Felipe Rossoni, um dos assessores técnicos da pesca manejada do pirarucu dos Paumari do rio Tapauá.

No final da tarde,  os primeiros dois peixes chegaram à balsa de tratamento para que fossem pesados, medidos, eviscerados, limpos e armazenados no gelo. Às 8 horas da manhã do dia seguinte, 25 pirarucus haviam sido pescados. Inclusive, no lago Comprido foi capturado um pirarucu de 181 quilos, 3 vezes mais pesado do que a média deste tipo de peixe. Por volta das 4 horas da manhã, quando o peixe gigante chegou à balsa de tratamento, os Paumari foram à loucura. Era alegria demais.

Durante todo o tempo, Cleociane Lopes Paumari observou o marido, o tratador Rosemildo Araújo da Silva Paumari, e os demais indígenas trabalhando. Ela não tirava os olhos da balsa, assim como outras mulheres e crianças. Havia aproximadamente 100 paumari no barco reunidos atuando na pesca e dando suporte.

Rosemildo começou a participar do projeto desde o seu início. “Durante esse tempo todo fiz a vigilância dos lagos e fui escolhido para tratar os peixes. O primeiro pirarucu foi difícil de limpar mas depois peguei o jeito. Vou continuar trabalhando na proteção dos lagos para poder participar da pesca do pirarucu no ano que vem”, afirma.

Empolgados com o resultado da primeira pesca, na manhã do dia 22 de setembro o barco de apoio partiu para a Terra Indígena Paumari do Lago Manissuã para que a segunda parte fosse realizada. No dia seguinte, às 5h30 da manhã, o grupo de pescadores dirigiu-se ao Lago da Volta.

No caminho, foi preciso transpor algumas barreiras, pois havia um trecho de terra que separava o lago do rio Tapauá e os  indígenas tiveram de levar as canoas no braço. Depois percorreram o mesmo trajeto levando os peixes numa maca para as voadeiras que estavam no rio e que faziam o transporte até a balsa de tratamento. Essa segunda etapa acabou às 18 horas e mais 25 peixes foram pescados, totalizando a quota de 50 peixes, estabelecida previamente na autorização para manejo sustentável concedida pelo Ibama aos Paumari.

Segundo o coordenador do Programa Amazonas da OPAN, Gustavo Silveira, a pesca manejada do pirarucu faz parte de uma estratégia maior que engloba a gestão territorial de três terras paumari. “O que permitiu a pesca acontecer foi o resultado de discussões e reflexões que os Paumari tiveram sobre o assunto durante os três primeiros anos da intervenção indigenista que fizemos”, pontua.

Divisão do recurso e comercialização

Após o jantar, os Paumari se reuniram para fazer o balanço da pesca e a divisão do recurso arrecadado com a venda do pirarucu à Coopmas, que fez o pagamento assim que os trabalhos acabaram. No total foram pescados 3.523 quilos de peixe, 1.300 a mais do que estava previsto no plano de manejo, o que superou as expectativas tanto dos Paumari como dos apoiadores do projeto.

A renda total da pesca ficou em R$ 26.422,50. Trinta por cento desse valor foi destinado ao custeio dos trabalhos de vigilância e proteção dos lagos para o ano que vem. Sobraram quase R$ 18.500,00 para serem distribuídos entre todas as pessoas que participaram. Assim que o barco de apoio chegou às terras indígenas paumari e houve a primeira reunião, havia 37 pessoas mobilizadas. Mas quando se espalhou a notícia de que a  pesca do primeiro lago havia acontecido com sucesso, mais pessoas dirigiram-se ao Manissuã para se juntar ao grupo, totalizando 69 Paumari.

No entanto, o mais surpreendente ainda estava por vir: de uma forma sábia, os Paumari decidiram dividir o dinheiro por igual entre todos – os mais velhos e os recém-chegados ao projeto de manejo do pirarucu. Com esta decisão, esperam angariar mais apoio para continuar o trabalho da vigilância para proteção de mais  lagos, que deverá ser realizada até a próxima pesca.

Após o término das atividades, o desafio foi escoar a produção. Ficou a cargo da  Coopmas  fazer o transporte  dos peixes congelados até Lábrea e vendê-los na capital de Rondônia. “Conseguimos vender o pirarucu a R$ 12  em Porto Velho e pagamos para a comunidade R$ 7,50 por cada quilo. Vendemos muito bem este peixe. Em outras partes do Amazonas estão pagando entre R$ 4 e R$ 6. Em Manaus, o preço por quilo chega a R$ 10”, ressalta o presidente da cooperativa, Astrogildo Oliveira da Costa.

A Conservação Estratégica Brasil (CSF) também participou da elaboração do plano de manejo e estruturou um plano de negócios para a comercialização do pirarucu paumari. Após análise de quatro cenários comerciais, chegou-se à conclusão que o melhor seria escoar a produção para Porto Velho, capital de Rondônia. O estudo previu que em  três anos seja tempo suficiente para recuperar os investimentos iniciais.

O feito dos Paumari é um passo muito importante para o indigenismo em nível nacional, segundo Marco Antonio Mitidieri, coordenador do Núcleo de Etnodesenvolvimento, ligado ao Serviço de Gestão Ambiental e Territorial (Segat) da Coordenação Regional do Médio Purus da FUNAI. Outro ponto que ele destaca é o fato de “os parceiros do projeto terem trabalhado bastante na elaboração do plano de manejo para que ficasse com qualidade técnica bem interessante e, ao mesmo tempo, colocando o indigenismo bem fortemente dentro dele.”

Entretanto, Silveira, da OPAN, aponta que foi um desafio conseguir realizar com os Paumari todas as etapas do processo durante cinco anos e, por fim, obter a licença do Ibama. “Junto com o Instituto Piagaçu e a FUNAI tivemos de cumprir uma longa etapa de comprovação técnica para demonstrar a viabilidade do manejo ”, observa.

Espera-se, assim, que esta iniciativa fomente a criação de uma agenda ambiental regional incentivando o manejo sustentável no entorno das três terras indígenas. Segundo Rossoni, é preciso envidar esforços na foz do rio Tapauá e envolver os ribeirinhos para que eles manejem e façam ordenamento pesqueiro também. A ideia é trabalhar o território e os limites da terra para frear as ameaças impostas e manter todo o recurso conservado.

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