Sem água, sem saúde
Lideranças encaminharam no mês passado à Brasília um documento que não é apenas reivindicatório: denuncia de modo detalhado a situação de abandono do serviço de saúde e dos funcionários.
Por: Andreia Fanzeres/OPAN
São Félix do Araguaia, MT– Em mais uma tentativa de sensibilizar a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) para a gravidade das condições de saúde dos Xavante de Marãiwatsédé, lideranças encaminharam no mês passado à Brasília um documento que não é apenas reivindicatório: denuncia de modo detalhado a situação de abandono do serviço de saúde e dos funcionários que, mesmo sem recintos, remédios, sem horas extras e sem descanso, improvisam o atendimento de saúde a uma aldeia com cerca de 800 indígenas, dos quais 80% de suas crianças estão desnutridas.
Na carta encaminhada ao secretário Especial de Saúde Indígena em Brasília, Antônio Alves, os indígenas elegem a saúde como o tema mais complexo enfrentado pelo povo, apesar da gravidade do conflito pela retomada do território tradicional Xavante. “Queremos ocupar integralmente a nossa terra, mas queremos nosso povo saudável”, diz um trecho. Segundo os Xavante, “qualquer pessoa com bom senso e um mínimo de conhecimento” pode verificar que um polo base de saúde só existe no papel. Eles denunciam as precárias condições do prédio do posto de saúde na aldeia, cujo forro se tornou abrigo de morcegos e, quando chove, o ambiente fica completamente contaminado pelo guano dissolvido pela água.
“Marãiwatsédé nunca soube o que é uma ambulância”. Os indígenas reclamam da forma inadequada de transporte, em uma caminhonete sem nenhum conforto e sem que os acompanhantes dos pacientes tenham qualquer apoio. Desde a semana passada, aliás, em função do capotamento e incineração do carro da saúde após uma perseguição, a comunidade sequer pode contar agora com a possibilidade de remoção de pacientes da aldeia.
Os indígenas relatam, ainda, a verdadeira peregrinação pela qual atravessam em ambiente extremamente hostil em virtude da disputa das terras de Marãiwatsédé. A cidade mais próxima à aldeia é Bom Jesus do Araguaia, mas lá não há hospital, apenas pronto-atendimento. Em Ribeirão Cascalheira, a 180 km, o hospital não atende os indígenas adequadamente alegando “falta de convênio”, e só se presta à realização de procedimentos básicos, sem permitir internações. Os pacientes são encaminhados para Água Boa, a mais de 300 km da aldeia, onde, mais uma vez, a “falta de convênio” impede o atendimento dos casos mais graves, remetidos então para Barra do Garças. Por lá, as reclamações sobre falta de medicamento e condições de atendimento se repetem.
No posto de saúde faltam macas, leitos para pacientes, estetoscópio, pia metálica, material para realização de partos, estufa para esterilização e geladeira para armazenamento de insulina. Armazenamento de remédios é inadequado e seu fornecimento, irregular, assim como o abastecimento de água.
Embora a ONG Aliança da Terra tenha construído um poço artesiano com capacidade para 150 mil litros, não houve capacitação suficiente para o uso do motor e, por isso, problemas de manutenção e conservação são frequentes. O resultado são meses a fio sem uma gota d’água nas torneiras de Marãiwatsédé.
Os indígenas relatam que há quase dois meses a Sesai retirou o motor da aldeia para conserto, mas ainda não retornou com o equipamento revisado por falta de recurso. “Será verdade que não há recurso para o conserto de um simples motor?”, eles questionam. Enquanto isso, a comunidade inteira depende da água de qualidade inadequada para o consumo humano, transportada largamente em galões vazios de óleo diesel, o que possibilita ainda mais contaminação. “Não existe nenhum incentivo por parte das autoridades competentes para fornecerem filtros ou vasilhas para o armazenamento e tratamento desta água”, dizem os índios.
Inúmeros são problemas de saúde que derivam desta precariedade do abastecimento de água. Os casos de diarreia são frequentes. “Estamos bebendo e banhando em água contaminada por agrotóxicos por conta das pulverizações aéreas que constantemente acontecem na terra indígena, ocupada por invasores gananciosos e criminosos”. Os índios expressam diretamente que estão desidratados e passando fome, pedindo por fim urgência no atendimento destas demandas. De acordo com dados do DSEI e do Polo Base, havia 18 mulheres grávidas na aldeia com anemia, 11 diabéticos e 10 hipertensos. Segundo eles, até agora não receberam resposta da Sesai.
Em carta de 6 de novembro, os Xavante de Marãiwatsédé reiteram para a Funai, Sesai e Ministério Público Federal a urgência de um veículo para transporte de pacientes e melhores condições de segurança para os indígenas nas frequentes saídas que realizam à procura de remédios e atendimento de saúde, uma vez que dentro da aldeia quase nada é possível fazer.
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