OPAN

O compromisso da implementação

Os planos de gestão de terras indígenas podem aproximar sociedade dos povos. Governo de MT promete apoio.

Os planos de gestão de terras indígenas podem aproximar sociedade dos povos. Governo de MT promete apoio.

Por: Comunicação/OPAN

Poconé (MT) – Cerca de 120 indígenas celebraram a publicação dos três primeiros planos de gestão territorial no estado de Mato Grosso após a sanção da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial em Terras Indígenas (PNGATI). Representantes de onze povos compareceram ao encontro que cobrou dos governos municipais, estadual e federal alinhamento, articulação e agilidade para apoiar a implementação dos planos de gestão territorial. Essas publicações são pré-requisitos para que as comunidades indígenas acessem recursos e se organizem para enfrentar o desafio de utilizar e manejar seus territórios em meio às pressões do entorno. Mas não são apenas isso.

“O plano de gestão é um documento para a sociedade saber o que a gente pensa de fato. Fomos nós, os indígenas, que escrevemos. Os não-índios têm que entender que a gente não trabalha para desmatar e vender para os outros”, explicou Tupy Myky, ao alertar para a existência (e resistência) de um outro modelo de desenvolvimento em Mato Grosso. Foi com muitas danças e cantos, mas, sobretudo, com este tom no discurso, que os povos Myky, Manoki (ambos habitantes da área onde se localiza hoje o município de Brasnorte) e os subgrupos Idalamacê, Ialakolorê, Manduca, Sabanê, Tawandê e Nechuandê da Terra Indígena Pirineus de Souza (situada em Comodoro) apresentaram seus planos de gestão a parentes e representantes da FUNAI, governo de Mato Grosso e Ministério do Meio Ambiente.

“Nós estamos aqui enfeitados e fazendo as nossas danças não só porque são bonitas, mas para chamarmos atenção e a responsabilidade para a diversidade cultural que existe no estado”, complementa o jovem Edivaldo Manoki. E, para que essa diversidade seja respeitada, é fundamental que os territórios estejam assegurados.

A demarcação de territórios indígenas está longe de ser uma página virada na história do Brasil, mesmo agora com uma política nacional que se dedica a uma segunda etapa: a de pensar a gestão das áreas regularizadas. Muitos povos, e em especial os que vivem nas três terras indígenas contempladas com os planos de gestão territorial, têm reivindicações fundiárias na pauta do dia, como a homologação do território tradicional demarcado desde 2008 no caso dos Manoki.

Uma das prioridades para os subgrupos Nambiquara da Terra Indígena Pirineus de Souza é o início da identificação de uma área de caverna conhecida como Morcegal. “Estamos há mais de 20 anos lutando pelo Morcegal porque aquilo sempre foi nosso. A terra é a nossa vida. A gente fica preocupado, pois tem soja no entorno da terra indígena. Quando chove, desce muita terra, tem peixe morrendo no rio. O governo diz que nós temos que preservar, mas quem está destruindo é o fazendeiro”, diz Valdir Sabanê.

Os Myky aguardam a conclusão dos procedimentos de identificação para que possam ser devolvidas áreas essenciais e únicas como o Taquaral, o Castanhal e Tucunzal. Este último pleito, por sinal, tem gerado ruídos e conflitos, algo que pode ser dirimido com a ajuda dos planos de gestão territorial.

“A gente pede para demarcar a nossa terra para termos pelo menos uma garantia da nossa língua, da cultura. Estamos pedindo só isso. E isso não devia nem ser um pedido. É nosso direito”, adiciona Tupy Myky, que já começou a distribuir exemplares da publicação no município de Brasnorte, para a prefeitura e até para a gerência do Banco do Brasil na tentativa de mostrar melhor os aspectos de sua cultura. O objetivo é diminuir o preconceito e a discriminação sofridos localmente. E ele continua. “É importante que o estado de Mato Grosso esteja aqui, para nos conhecer e nos respeitar como povo indígena”.

“Este é um mecanismo de melhora para a nossa comunidade. O projeto deu certo, com certeza vamos colher frutos dessas sementes que a gente plantou”, disse Aleixo Manoki, se referindo às demais atividades desenvolvidas com apoio do Projeto Berço das Águas nos últimos dois anos nas Terras Indígenas Manoki, Myky, Pirineus de Souza e Tirecatinga, que ainda não elaborou seu plano de gestão. O projeto, executado pela OPAN com patrocínio da Petrobras através do Programa Petrobras Ambiental, se encerra com a publicação dos planos, a satisfação dos indígenas e a implementação de algumas das ações indicadas nessas publicações. “Quem realizou a discussão toda fomos nós mesmos e, como resultado, temos este livro. Os povos podem fazer suas próprias leis”, afirmou Umenã Myky Irantxe.

“Agora nós temos a nossa arma, o plano de gestão. Podemos levar para a sociedade, para as escolas não-indígenas. Estamos muito contentes, e precisamos caminhar mais ainda”, diz Irani Tawandê.

Jovens Manoki alertam para mais respeito à diversidade cultural em MT.

A implementação é agora

Apoiar a realização das ações previstas nos planos de gestão é uma expectativa dos indígenas sobre governos municipais, estadual e federal. No entanto, os povos reunidos em Poconé tiveram poucas respostas concretas sobre como o poder público pretende agir.

O governo de Mato Grosso reconheceu que a PNGATI e os planos de gestão são temas recém conhecidos pelo estado. Mas garantiu que a administração de Silval Barbosa está aberta a parcerias para promover uma implementação eficaz dos planos de gestão. “Cabe no nosso bolso apoiar os planos de gestão, agregando conhecimento técnico e promovendo a cultura”, disse Carlos Hayashida, da Superintendência de Assuntos Indígenas. “Temos muito interesse em participar da PNGATI. Isso é importante para que a gente consiga assessorar órgãos estaduais e municipais que nos procuram”.

Segundo Luiz Gustavo Galvão, analista ambiental do Ministério do Meio Ambiente (MMA), o órgão está ainda dando o primeiro passo para tirar a PNGATI do papel, e está focando esforços para apoiar a elaboração dos planos de gestão. “Estamos instalando um comitê gestor paritário, promovendo interlocução de diversas entidades. No MMA, temos o compromisso de, até 2015, elaborar e/ou implementar 32 planos de gestão. Para que a gente consiga atender às expectativas de vocês, essa parceria entre MMA e FUNAI precisa ser fortalecida”, diz.

De acordo com João Guilherme Cruz, da Coordenação Geral de Gestão Ambiental da FUNAI, para apoiar os planos de gestão territorial, o órgão federal dispõe de três estratégias: as ações piloto do Projeto GATI nos 32 territórios escolhidos pelos indígenas, o apoio a 66 planos de gestão territorial (34 dos quais localizam-se fora dessas áreas de referência) em fases distintas, e um curso de formação em PNGATI para gestores indígenas e parceiros. “Hoje a implementação é sim um desafio para a gente. Os planos de gestão também são algo novo para a FUNAI. Sabemos que precisamos construir ferramentas em conjunto com os povos indígenas, senão não vão dar certo”, diz Cruz.

Jovens Manoki alertam para mais respeito à diversidade cultural em MT.

Durante o evento, os povos indígenas reunidos em Poconé elaboraram uma carta exigindo urgência no apoio à implementação dos planos de gestão. Leia aqui o documento na íntegra:


CARTA DOS POVOS INDÍGENAS PARA A PNGATI

Nós, povos indígenas reunidos durante o lançamento dos Planos de Gestão Territorial dos povos Manoki, Myky e subgrupos Nambiquara da Terra Indígena Pirineus de Souza (MT), apresentamos aos representantes da FUNAI (CGGAM), Ministério do Meio Ambiente e Superintendência de Assuntos Indígenas do Governo de Mato Grosso, reivindicações urgentes para viabilizar a implementação dos planos de gestão territorial.


Mesmo antes da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial em Terras Indígenas (PNGATI) ser lançada, os trabalhos de elaboração dos planos de gestão em algumas terras indígenas já havia começado. É importante que os governos municipais, estaduais e federais estejam alinhados e articulados para apoiar os povos indígenas a não só elaborar esses documentos, mas a implementá-los. Para isso, exigimos mais agilidade nos processos de identificação, demarcação e homologação dos territórios indígenas, pois sem eles não é possível realizar a gestão.


Soubemos neste evento que alguns programas do Ministério do Meio Ambiente que há tempos apoiam projetos dos povos indígenas, aliás muito bem avaliados, serão extintos. Queremos, então, a continuidade e fortalecimento dos programas Carteira Indígena, Projetos Demonstrativos para os Povos Indígenas (PDPI) e Prevfogo, fundamentais para a implementação de muitas ações que estão contempladas nos planos de gestão territorial indígenas.


Alertamos especialmente o Governo do Estado de Mato Grosso para que dedique mais esforços e compromissos para apoiar as demandas indígenas junto com o governo federal.


O atendimento à saúde indígena de boa qualidade é demanda recorrente e essencial a todos os povos, tanto para os que têm como para os que ainda não têm seus planos de gestão. No entanto, a saúde está precária para todos. Os Xavante da Terra Indígena Marãiwatsédé fizeram um apelo após mais mortes de crianças por desnutrição na aldeia, o que demonstra mais uma vez que os territórios seguros e preservados são a garantia de nossa saúde. Sem a nossa terra não teremos saúde. Por isso exigimos providências emergenciais na área de saúde indígena.


Lembramos que os planos de gestão refletem o modelo de desenvolvimento que escolhemos, e que este modelo precisa ser respeitado pelo Estado brasileiro, em especial pelos programas de governo como os PACs.

Poconé, 21 de março de 2013.

Xavante, Kaiabi, Rikbaktsa, Bakairi, Manoki, Myky, Nambiquara, Paresi, Idalamarê, Sabanê, Nechuandê, Ialakolorê, Manduca, Tawandê

 

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