Céu de Brasília, movimento no planalto central
Organizações indigenistas se encontram em meio aos conflitos agrários.
Por: Andrea Jakubazko
Brasília é anil, é concreto e é verde também. Muitos verdes! Cidade no Cerrado e Cerrado na cidade.
Cuiabá, de onde venho: é concreto no Cerrado.
Em Brasília não tem centro nem periferia, pois onde quer que se esteja está o traço do arquiteto, a linha do equador, seja onde estiver ali se sente e se vê Brasília. A memória de tantos feitos, a efervescência dos nós.
O Memorial Darcy Ribeiro acolheu de modo tão fraterno, nos dias 5 e 6 de junho de 2013, o evento do 1° aniversário da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial Indígena (PNGATI) – O compromisso da implementação – promovido em parceria com a FUNAI e MMA por ocasião da Semana do Meio Ambiente. O decreto tem um ano, mas a história da gestão ambiental e territorial indígena é pré-colombiana. (Decreto N°7.747, de 5 de junho de 2012 que institui a PNGATI).
Planalto Central 2013 – Eclodem erupções da fissura da história nacional: O Conflito Agrário (“…o que não tem governo (…) o que não tem juízo (…) o que não tem vergonha, nem nunca terá…”??) – colocando, mais uma vez, a Questão Indígena na linha de frente.
Por sorte ou por azar (dependendo da perspectiva adotada) as nações indígenas nunca pararam de reproduzir seus guerreiros.
A reforma agrária não realizada até o século XXI, no último país do continente americano a abolir a escravidão, após quase 3 mandatos de governo do Partido dos Trabalhadores segue protelada por práticas e medidas paliativas em programas de incidência orçamentária e política muito inferior ao conjunto de recursos destinados aos denominados programas de aceleração do crescimento, defrontando-se agora com o REAL. Sobre a cabeça da ex-ministra de Minas e Energia pousa o avião.
Mas parecem ter ido longe demais as ambições empresariais de certos segmentos da sociedade brasileira. Apontando o nariz para o processo de demarcação das Terras Indígenas no Brasil (atrasado há décadas), os que se arrogam donos dos chapadões, pretendem obliterar o ‘cerco de paz’[1]constituído, dia após dia, pelo trajeto histórico da política indigenista oficial. Enquanto o fogo alastra, o INCRA permanece impassível.
É sempre bom não esquecer que a FUNAI é um órgão de Estado, nunca foi um órgão de índios, nem de ONGs – sempre foi, para o bem e para o mal, um órgão estratégico da Federação – a Comissão Nacional da Verdade que o diga! De todo modo, a competência construída ao longo de seu percurso institucional para os processos administrativos de identificação, delimitação e demarcação de Terras Indígenas é fato inegável – e intransferível na altura deste campeonato. Se for para extingui-la, é recomendável que ao menos termine primeiro o que começou – para o Bem da Nação.
Enquanto escrevo, cai a Presidente Marta Azevedo no dominó interministerial.
Em meio à fumaça que espalha, na UnB, sob a grande Oca Kamaiura de Darcy Ribeiro (e Niemeyer), vizinha do Pavilhão Anísio Teixeira, reuniram-se muitos brasileiros[2] para mostrar e conversar sobre os Planos de Gestão que os índios desse país estão propondo para o futuro sustentável do Brasil. Pena a ausência da imprensa e do movimento estudantil. Lúcio Flores Terena (COIAB) perguntou por vocês: “Onde estão os estudantes desta casa?”.
Apesar das ameaças, apesar das represas, ainda jorram as riquezas. Patrimônios genéticos e culturais (in)calculáveis – traduzindo para os economistas 3°mundistas: Terras da União, fonte de recursos inestimáveis, valiosos tesouros nacionais que asseguram estrategicamente para muito além de fontes mercantis imediatas, a qualidade de vida das gerações vindouras. A massa estudantil parece não ter tempo para o Bem Comum, ocupada com as promessas do mercado de trabalho de um país patronal e o sucesso pessoal, mergulham em seus tablets de salvação em meio ao naufrágio nas águas revoltas de Narciso. Como diria o ídolo brasiliense das juventudes “Que País é esse?”. Não pode haver economia desenvolvida sem Soberania.
Salvaguardar as matrizes ambientais de um país depende de: visão de futuro, sistemas administrativos e de gestão complexos e, claro, tecnologias avançadas – como as que as populações autóctones desenvolveram com base em um longo histórico de adaptação e seleção de espécies (enquanto as sociedades indígenas as manejam in situ, os Bancos da EMBRAPA avolumam seu testemunho). Presente de índio, não é como presente de grego.
Os ilustres arquitetos brasileiros aprenderam muito com as tecnologias de construção indígena, assim como nossos maestros e chefs de cuisine. Ademir Gudrin (ex-coordenador da Secretaria de Assuntos Indígenas de Mato Grosso que hoje se dedica ao Panelinhas), serviu a todos com seus pratos tipicamente brasileiros, fartos de diversidade, sabor e criatividade. Saúde!
Faltam as escolas de agronomia do país aprenderem também com estas escolas de escala econômica e cultural de projeção internacional. Estão muito aquém (com raras exceções!) das escolas de arquitetura, gastronomia, música, bio-química e outras no aprendizado das lições das tecnologias indígenas. O que os manuais tecnológicos importados do agronegócio têm a ensinar aos pacotes tecnológicos abundantes e diversos dos Mestres caipiras, sertanejos, quilombolas, ribeirinhos, pescadores, indígenas – homens e mulheres da terra Brasilis?
Nesse território refúgio, nessa Oca do tamanho da liberdade, 12,41% do território nacional brasileiro é muito para quem? É muito para quê? Ao menos, ainda tem sido suficiente para sondar possibilidades de futuro interessadas na perenidade da vida no planeta.
Se a Oca foi expressão de fraternidade e liberdade, no meio da fumaça falta irromper a igualdade – para quem acredita em revolução – vale muito considerar que dentre as tantas experiências compartilhadas, as regiões nordeste, a força do norte e, inclusive, o fôlego do centro-oeste tiveram intensa expressão, em contrapartida, nenhum registro de elaboração e execução de Planos de Gestão em Terras Indígenas no sul e sudeste. Sinal evidente de que a violação generalizada dos direitos indígenas agoniza nessas regiões da forma mais atroz – aí sim: Tristes Trópicos!
Enquanto os estados do Pará, Mato Grosso e Rondônia continuam liderando o ranking do desmatamento com licenças ou não, conivência ou não das suas respectivas secretarias estaduais de meio ambiente, anos luz na frente está o Acre. O envolvimento qualificado da Secretaria de Meio Ambiente do Acre e a competência técnica para o diálogo com a presença indígena é marcante e singular. Com mais de 29 PGATI e outros em curso, este estado é exemplar na concretização de um mosaico político local-regional de atores diversos com importante atuação da Comissão Pró-Índio (CPI-Acre).
Paulo Ribeiro (anfitrião da casa), na abertura do evento, após lembrar-se de Rondon, Darcy Ribeiro, SPI e versar sensivelmente sobre a situação da Política Indigenista no país, lembrou uma frase do tio Darcy “O inevitável é sempre o melhor” e afirmou que: – enfim chegamos a esse ponto.
Nos ecos da sabedoria deste tão estimado compatriota, cabe perguntar: E agora Darcy, o inevitável é a guerra ou a dádiva?
Se não fossem as Terras da União de usufruto dos povos indígenassegundo seus usos, costumes e tradições, que Semana do Meio Ambiente teríamos para realizar?
Que o saudoso Darcy Ribeiro possa nos iluminar a todos com seu sorriso, vigor e generosidade e Vivas ao Povo Brasileiro.
Vida Longa e Fértil à PNGATI!
Só existe um pecado do lado de baixo do Equador: sangue índio nunca se derrama em vão.
*Andrea Jakubaszko é coordenadora do Programa de Direitos Indígenas/OPAN
[1] Antônio Carlos de Souza Lima.
[2] Participaram do encontro diversas organizações da sociedade civil, como OPAN, IEB, ISA, IEPÉ, CPI-Acre, TNC, ISPN, APIB, além de governamentais MMA, MinC, FUNAI, IBAMA, MDS, ICMBio e representações dos povos indígenas Terena, Manchineri, Pataxó, Wajãpi, povos de Roraima e do Oiapoque.
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