10ª Assembléia Geral da COIAB
Na Assembleia da COIAB, indígenas responsabilizam a SESAI pelo desmonte do controle social nos distritos sanitários e elegem nova coordenação.
Por: Ximena Morales Leiva*
Barra do Bugres, MT – Paramentados com seus cocares, peles de onça e jaguatirica, belos colares e brincos, e imbuídos da consciência de que estão envolvidos em uma verdadeira guerra para defender seus direitos constitucionais, mais de 450 lideranças indígenas da Amazônia Legal e 117 delegados reuniram-se no fim do mês de agosto na Terra Indígena Umutina, em Barra do Bugres, para eleger a nova equipe da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), em sua 10ª Assembleia Geral Ordinária e traçar os rumos dos próximos quatro anos de um duro e ferrenho enfrentamento com os setores mais reacionários da sociedade brasileira.
Em sua carta aberta após o encerramento do encontro, a COIAB destacou que é preciso manifestar indignação diante do cenário político de retrocesso que tem se configurado nos anos recentes. “Andamos na contramão do ‘progresso do capital’, que defende a destruição dos nossos territórios, que nos submete a leis anti-indígenas, como a PEC 215 e tantos outros projetos de morte, embalados pelo rolo compressor da política brasileira. É preciso continuar lutando. Os guerreiros e guerreiras da Amazônia são fortes e jamais desistirão. Quem nos representa, se não somos nós mesmos?”, destaca o texto.
A Assembleia Geral da COIAB abriu seus trabalhos com a deliberação de como ficaria a alteração do estatuto da entidade, já que havia a proposta de incluir um representante de cada um dos nove estados que compõem a Amazônia Legal na coordenação geral. Numa votação acirrada foi decidido convocar uma Assembleia Extraordinária dentro de dois anos para discutir especificamente este ponto.
No terceiro dia da Assembleia Geral, a mesa de “Análise de Conjuntura da Política de Estado e Direitos Indígenas”, contou com a presença de Cleber Buzatto, secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), e Márcio Santilli, coordenador do Programa de Política e Direito Socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA). Em sua fala contundente, Santilli disse que sua satisfação de participar desse debate só não era maior porque a reunião estava ocorrendo em uma ocasião muito grave da história do Brasil em relação aos povos indígenas.
“Diferentemente de anos anteriores, em que a gente se reunia para comemorar o avanço, avanço sempre sofrido, sempre difícil, mas um avanço em que a gente pôde constatar nesses 20 anos depois da Constituição de 1988, em que, pela primeira vez se reconheceu neste país direitos permanentes para povos indígenas, agora vivemos o contrário. Nós estamos nos reunindo em um momento em que os povos e as terras indígenas estão sob forte ataque – um ataque que acontece não somente nas regiões onde há conflito, mas também no Congresso Nacional por meio de uma enxurrada de projetos de lei querendo atingir os direitos indígenas, algo que não víamos desde 1988”, proferiu Santilli.
Saúde indígena rouba a cena
Vale a pena ressaltar também a significativa presença do presidente da Secretaria de Saúde Indígena/SESAI nesta Assembleia, Antônio Alves, considerando a reação expressiva da plenária indígena em relação a como têm sido conduzida a Política Nacional de Saúde Indígena/PNASI no país. Apesar dos dados apresentados por Antônio Alves referentes ao relevante aumento no orçamento e contratações na área da saúde indígena, ficou manifesto o descontentamento geral dos povos em mais de quatro horas de tensa discussão.
O foco central da reivindicação correspondeu às críticas de obstrução deliberada da participação indígena nos processos desta política pública, numa centralização que contraria os princípios da participação e do fortalecimento do controle social preconizados pelo Subsistema de Saúde Indígena. Prévia talvez do que virá pela frente na Conferência Nacional de Saúde Indígena marcada para ocorrer em novembro deste ano em Brasília.
Posteriormente, reunidos em grupos de trabalho (GTs) que realizaram uma reflexão sobre as agendas externa e interna da COIAB, foi consenso a importância de fortalecer a comunicação da coordenação da COIAB junto as bases, para que elas estejam informadas, mobilizadas, engajadas e preparadas para este confronto com o agronegócio, as mineradoras e o setor elétrico, que, por sua vez, pretende barrar uma parte significativa dos rios amazônicos para produzir energia elétrica para a indústria eletro intensiva.
Desses GTs foram apontadas diversas medidas que a COIAB deve adotar para atuar nos próximos quatro anos. Delegados do Amazonas destacaram a necessidade de se investir na articulação para eleger deputados indígenas e continuar mapeando os aliados políticos do movimento, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), deputados e senadores.
Já as lideranças do Amapá, Pará, Tocantins e Maranhão disseram que é preciso mapear as votações dos parlamentares sobre as questões indígenas e que cada estado deve se comprometer em fazer pressão junto aos seus deputados e senadores, abordando os temas que vão contra os direitos indígenas. É preciso saber qual é o posicionamento de cada um sobre essas questões e apresentar o posicionamento do movimento indígena para cada um deles.
É nesse contexto extremamente delicado para a sobrevivência dos povos originários que a nova coordenação da COIAB foi eleita na aldeia Umutina com um desafio de não permitir que se retroceda ao ponto de que fazendeiros, garimpeiros e barrageiros façam o que bem entender em terras indígenas. Dessa forma foi eleito, por aclamação, Maximiliano Tukano, do Amazonas, para ser o novo coordenador-geral da COIAB nos próximos quatro anos. Quem ficou com a vice-coordenadoria foi Lourenço Krikati, do Maranhão, para coordenadora tesoureira a eleita foi Francinara Baré e o coordenador-secretário é João Neves Galibi Marworno.
Concomitantemente ao evento, também foi realizado um grande Encontro dos Povos Indígenas do Mato Grosso no qual foi debatida a criação de uma instituição que favoreça a articulação entre os mais de 40 povos presentes no estado, tendo sido eleita uma comissão de trabalho para estruturar este processo com representantes distribuídos em seis regiões: Xingu, Baixada Cuiabana, Araguaia 1 e 2, Norte e Noroeste, com dois representantes cada. O primeiro desafio desta entidade será realizar a 1ª Assembleia dos Povos Indígenas do Mato Grosso, prevista para ocorrer em março do ano que vem.
* Colaborou Andrea Jakubaszko.
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