OPAN

Novas oportunidades do manejo indígena

Conheça o histórico do povo Paumari para o sucesso da pesca do pirarucu.

Conheça o histórico do povo Paumari para o sucesso da pesca do pirarucu.

Por: Ximena Morales Leiva/OPAN

Conheça o histórico do povo Paumari para o sucesso da pesca do pirarucu.
 
Paumari se reuniram antes da pesca
Foto de Foto de arquivo OPAN

Lábrea, AM – Serenos, confiantes e conscientes de que era preciso encontrar alternativas inteligentes para garantir  a subsistência, o povo Paumari do rio Tapauá provou  em sua primeira pesca manejada do pirarucu que é possível realizar o manejo pesqueiro em terra indígena. Esta experiência inédita na região do Médio Purus vai ao encontro de meios inovadores de geração de renda, inclusão social, gestão e proteção territorial e promoção  da qualidade de vida.  Os desafios eram muitos e os indígenas estiveram durante alguns anos em parceria com a Operação Amazônia Nativa (OPAN) amadurecendo a ideia sobre se poderiam aderir à prática.

Após os processos de demarcação da Terra Indígena Paumari do Lago Manissuã, Terra Indígena Paumari do Lago Paricá e Terra Indígena do Lago Cuniuá em 1997 e 1998, a OPAN foi convidada pelo povo para desenvolver projetos de consolidação dessas áreas. Já em 2008, os indigenistas levaram para o grupo a possibilidade de fazer a pesca manejada do pirarucu. Entretanto, os indígenas esperavam algo diametralmente oposto. “Nós queríamos um barco de pesca e material para pescar o nosso peixe e escoar a produção para Manaus. Queríamos vender tudo o que tinha”, conta Germano Chagas Cassiano da Silva Paumari. Entretanto, em pouco tempo a consciência foi mudando.

Com a forte pressão nos estoques pesqueiros que vem se configurando desde a década de 1970, provocada pela intensa pesca predatória realizada por peixeiros oriundos de Manaus e Manacapuru com o objetivo de abastecer esses mercados consumidores, a situação dos lagos e rios na região do Tapauá e do Cuniuá era crítica até cinco anos atrás.

“Fizemos um diagnóstico pesqueiro das terras indígenas paumari e chegamos à conclusão de que em cinco anos não haveria mais pesca comercial porque não ia ter mais peixe. Dessa forma, os indígenas estavam pagando para trabalhar. Apresentamo-lhes  duas alternativas: continuar pescando de qualquer jeito ou adotar a prática do manejo do pirarucu”, recorda Saíde Barbosa Pereira, técnico em manejo de pesca do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM), que prestou assessoria técnica de 2009 até 2011 para o Projeto Aldeias, da OPAN.

Saíde destaca que “o cenário era preocupante nos rios e lagos. O pirarucu estava muito pequeno e havia poucos indivíduos pois devido à exploração pesqueira não havia tempo para  os peixes crescerem e se reproduzirem. Crianças Paumari estavam  crescendo sem saber o que é um tambaqui ou uma pirapitinga. Bagres em geral estavam dando sinais de forte escassez”.

Por outro lado, o técnico em manejo de pesca do IDSM conta que a compreensão da proposta do manejo por parte dos Paumari foi um processo paulatino, principalmente por causa das pressões que eles estavam recebendo dos patrões, que eram contrários à ideia do manejo e queriam ver os indígenas pescando tudo o que viam pela frente, sem investir na recuperação dos estoques pesqueiros.

Foi somente no segundo ano do Projeto Aldeias, em 2009, que os Paumari foram convidados a deixar metade dos lagos sem pescar. Aí eles se deram conta de que proteger essas áreas traria um efeito positivo na quantidade de peixes. Nesse experimento, os indígenas destinaram apenas alguns lagos para a pesca de consumo ou comercial.

No ano seguinte, viram que havia ainda mais peixe nos lagos reservados e a comunidade foi se convencendo de que a saída era fazer a vigilância dos mesmos e cuidar ainda mais destes espaços. Sendo assim, os Paumari decidiram pela proteção total de 23 dos 196 lagos existentes nas três terras indígenas.

Proteção e conservação dos lagos

Os Paumari foram apoiados na realização da vigilância territorial desses lagos em especial, evitando, assim, invasões. Também foram formados como contadores de pirarucu e aprenderam novas técnicas de como pescar de forma manejada por meio do contato com a experiência bem-sucedida de manejo do pirarucu desenvolvida na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, situada no Médio Solimões, apoiada tecnicamente pelo Instituto Mamirauá, cujo  trabalho de 15 anos se transformou numa referência no estado do Amazonas.

“O intercâmbio no Instituto Mamirauá na época da pesca nos ajudou muito. Depois que vimos aquele conhecimento real e que o manejo dá resultado, ao voltar peguei a coisa mais a sério e botamos o projeto para funcionar”, conta Clemildo Francisco Adolfo de Lima Paumari, mais conhecido como João, um dos pescadores experientes do grupo.

Ao mesmo tempo, houve atividades de construção de etnomapas e os Paumari elaboraram o plano de gestão e zoneamento territorial das três terras, algo que está previsto na Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI). “Vale ressaltar que o manejo do pirarucu é parte do processo de implementação dessas ações maiores contidas nesse conjunto de diretrizes e acordos estabelecidos pelos  Paumari”,  destaca o coordenador do Programa Amazonas da OPAN, Gustavo Silveira.

Quando em setembro de 2009 a contagem técnica para o monitoramento do estoque em 23 lagos começou a ser feita, foram identificados 86 peixes adultos e 182 peixes juvenis, totalizando 268 indivíduos. Quatro anos depois, chegou-se a 448 peixes adultos e 687 juvenis, num total de 1135 indivíduos, constatando-se um aumento exponencial da população de pirarucu.

“O trabalho de monitorar e vigiar os lagos surtiu tanto efeito que na madrugada do dia 22 de setembro de 2013 chegou a ser pescado um pirarucu de 181 quilos e de 2,49 metros, algo que é uma completa exceção em todo Amazonas”, observa Felipe Rossoni Cardoso, pesquisador e coordenador do Programa de Conservação e Manejo de Recursos Pesqueiros do Instituto Piagaçu (IPI) e um dos assessores técnicos do manejo paumari.

Manejar pirarucu é extremamente estratégico sob o aspecto de recuperação dos estoques de outras espécies pois ele desempenha um papel de guarda-chuva. Se o pirarucu está protegido, os demais  também estarão sob proteção. “Há a possibilidade de manejar surubim, pirarara, jundiá e caparari e isto está sendo discutido internamente com os Paumari”, acrescenta Rossoni.

O entendimento dos indígenas sobre a importância da proteção dos lagos para o manejo do pirarucu foi crucial para a obtenção de resultados positivos na primeira pesca. O plano de manejo dos Paumari estimou que o peso médio por peixe tratado ficaria na casa dos 45 e 50 quilos. Porém, a média dos 50 peixes que foram pescados em dois dias e meio chegou a 70 quilos, superando a expectativa dos próprios indígenas e da equipe técnica.

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Ximena Morales Leiva, tel: 65 3322 2980 e 65 8466 8689

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