OPAN

De volta a Marãiwatsédé

Xavante recebe variedades de feijão-fava armazenadas em banco genético.

Por: Andreia Fanzeres/OPAN

Bom Jesus do Araguaia, MT – Neste início de temporada de chuvas, o povo Xavante da Terra Indígena Marãiwatsédé terá a oportunidade de plantar espécies para lá de especiais em suas roças. Eles receberam 36 variedades de feijão-fava (Phaseolus lunatus L.), incluindo uma coletada em área Xavante na década de 1970, por meio do apoio da OPAN e da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (Cenargen). A iniciativa contribui para o processo de enriquecimento e diversificação alimentar das roças tradicionais A’uwe uptabi.

As sementes foram conservadas e multiplicadas ex situ no banco de germoplasma Cenargen, em Brasília. O Banco Ativo de Germoplasma desta espécie existe desde 2009 e conta com variedades tradicionais coletadas ao longo de 30 anos em diversas regiões do Brasil. Dependendo do tipo de espécie a ser armazenada, a Embrapa aplica diferentes metodologias. Algumas que podem ser conservadas em câmaras frias após perderem umidade (as ortodoxas) são contadas, pesadas, sua umidade é estimada e, se necessário, elas ficam em câmaras de secagem. Depois de atingida a umidade desejada, elas são empacotadas em embalagens de alumínio e podem ficar armazenadas a 20 graus negativos, ou de cinco a 10 graus positivos.

“Há também outras formas de conservação ex situin vitro (em tubos de ensaio, em meios de cultura) e também o congelamento em nitrogênio líquido. Essas duas formas de conservação normalmente são usadas para culturas que não podem ter as sementes resfriadas, como a mandioca e outras espécies nativas. Outra forma de conservação que realizamos é a manutenção das plantas em campo, nas unidades da Embrapa”, explica Marília Lobo Burle, supervisora do Sistema de Curadorias de Germoplasma da Embrapa/Cenargen.

Para evitar que essas preciosidades para os povos indígenas caiam em mãos erradas, a Embrapa se cerca de cuidados. “Todas as variedades que temos em nossos bancos têm dados de passaporte – aqueles que informam de onde o material foi obtido, local de coleta, nome do proprietário da terra que forneceu, data da coleta, nome comum que o produtor dá, informações do ambiente de coleta, etc. – e através disso sabemos prontamente se elas vieram de área indígena ou não”. Segundo Marília, essas informações não são repassadas a nenhum solicitante, a menos que seja outra comunidade indígena, mas apenas após consulta com quem forneceu a amostra original.

“Um pesquisador que queira fazer pesquisa que acesse o patrimônio genético indígena tem que construir com a comunidade um processo de autorização (Anuência Prévia Informada) e encaminhar todo o procedimento para avaliação do Conselho Gestor do Patrimônio Genético (CGEN). Assim, para evitar a “pirataria” a comunidade deve ficar atenta se a empresa e/ou pesquisador está ou não cumprindo a legislação brasileira”, orienta a pesquisadora Terezinha Dias, coordenadora do Projeto Embrapa x Povo Indígena Krahô.

Dos Krahô para os Xavante

Das 36 variedades de fava, 19 foram doadas aos Xavante pelo povo indígena Krahô, que detêm 30 variedades dessa espécie em suas roças, localizadas no estado de Tocantins. Diante do processo de substituição de espécies crioulas por cultivares “mais produtivas”, o povo indígena Krahô perdeu suas sementes tradicionalmente cultivadas. O mesmo processo também ocorreu em diversas outras áreas. Nos anos 70, um projeto de rizicultura implementado pela Funai entre os Xavante provocou a predominância do monocultivo de arroz em detrimento de outras variedades cultivadas pelas comunidades.

Quarenta anos atrás, a Embrapa começou a coletar sementes em terras indígenas, armazenando-as em bancos de germoplasma, possibilitando a povos como os Krahô a recuperação de algumas de suas variedades perdidas. E, consequentemente, proporcionando que as espécies recuperadas ajudassem também outros grupos. Assim, em setembro deste ano, 32 famílias de Marãiwatsédé receberam as variedades de fava para o plantio em roças. Os anciãos lembraram de espécies que não cultivam mais e chamam as favas de Wadu Höbo, na língua Xavante (tipo feijão grande).

Em 2012, o pesquisador Nuno Madeira, da Embrapa Hortaliças, doou variedades de batata-doce como a Beauregard, que possuem altos teores de vitamina, além de inhames, taro japonês, arararuta e outros, também havendo hortaliças não convencionais como o ora-pro-nobis e bertalha.

“A ideia é que os Xavante de Marãiwatsédé possam multiplicar as sementes, tubérculos e hortaliças entregues pelas duas unidades da Embrapa, que exerce importante papel ao incentivar que comunidades tradicionais recuperem variedades perdidas e possam conservá-las cultivando-as no local novamente”, aponta Sayonara Silva, indigenista da OPAN.

Por inúmeros fatores ocorridos ao longo do tempo, como pressões advindas das frentes de colonização, monocultivo de espécies hibridas em detrimento das tradicionais e processos de transição entre territórios, muitos povos indígenas perderam sementes cultivadas em suas roças. No caso dos Xavante de Marãiwatsédé, ao serem transferidos compulsoriamente de seu território nos anos 60, variedades como as de milho Nodzö foram perdidas e recuperadas também com apoio da Embrapa.

Desde 2009, a OPAN apoia trabalhos pela soberania alimentar do povo Xavante de Marãiwatsédé por meio da diversificação de cultivares nas roças e quintais (tradicionais e/ou exóticos), expedições territoriais (coleta, caça, pesca), implementação de unidades demonstrativas de restauro florestal e outros, levando em consideração o conhecimento tradicional e os princípios agroflorestais. Mais recentemente, mulheres coletoras de sementes em Marãiwatsédé formaram o grupo “Piõ Rómnha Ma´u´bumrõi´wa” vinculado a Rede de Sementes do Xingu, que vem fortalecendo as estratégias de coleta, beneficiamento, plantio dentro do território.

Este tipo de ação faz parte de uma estratégia complementar para salvaguarda desse patrimônio entre os indígenas. “Para garantir que não se perca a agrobiodiversidade indígena é importante valorizar pessoas e processos que se relacionam a conservação local dos recursos genéticos. A promoção de feiras de intercâmbio de sementes e de experiências e a valorização dos guardiões da agrobiodiversidade são fundamentais, assim como bons programas relacionados a alimentação e aos produtos agroextrativistas locais. É muito importante que os povos indígenas possam também contar com o apoio dos bancos de germoplasma para os apoiar na conservar os recursos genéticos a longo prazo”, completa Terezinha Dias.

Serviço:

Para solicitar germoplasma à Embrapa é preciso entrar em contato com a supervisão de curadorias do Cenargen por meio do endereço: cenargen.sac@embrapa.br, pelos telefones (61) 3340-3663 ou 3448-4770, via carta ou comparecimento ao Cenargen, localizado no Parque Estação Biológica (PqEB), na Av. W5 Norte (final) Caixa Postal 02372 – Brasília, DF – Brasil – 70770-917. Os pedidos também podem ser feitos diretamente nas unidades descentralizadas da Embrapa. É importante comunicar as solicitações à representante da Embrapa no Convênio de Cooperação com a Funai, Dra Terezinha Dias, no endereço: terezinha.dias@embrapa.br

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