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Por um diálogo mais aberto

Em Vilhena, atividade de educação ambiental valoriza o modo de vida indígena e quebra preconceitos.

Em Vilhena, atividade de educação ambiental valoriza o modo de vida indígena e quebra preconceitos.

Por: Mel Mendes/OPAN

Vilhena (RO) – A Associação Kolimace, que representa o povo Nambiquara da Terra Indígena Pirineus de Souza, e o Projeto Berço das Águas realizaram no dia 15 de abril uma atividade educativa com debates e apresentações culturais no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia (IFRO), campus Vilhena. A iniciativa, organizada em parceria com a coordenação do campus, faz parte das ações de educação ambiental do projeto executado pela Operação Amazônia Nativa (OPAN) com patrocínio da Petrobras.

O “I Encontro Intercultural comemorativo da Semana do Índio” contou com a participação de cerca de 60 indígenas representantes dos povos Sabanê, Manduca, Tawandê, Idalamarê, Nechuandê e Ialakolorê, subgrupos Nambiquara que vivem na TI Pirineus de Souza. A terra indígena está localizada na divisa dos estados de Mato Grosso e Rondônia, no município de Comodoro (MT). No entanto, a maioria das relações entre os Nambiquara e outras instituições ocorre em Vilhena, cidade a menos de 20 quilômetros da TI.

Fabiano da Matta, coordenador de campo do projeto Berço das Águas, fala sobre a atuação da OPAN junto aos Nambiquara. Foto de Mel Mendes/OPAN

A coordenadora do Projeto Berço das Águas, Artema Lima, explica que o principal objetivo desta atividade é combater a situação de invisibilidade em relação aos indígenas, valorizando a diversidade cultural, a difusão do modo de vida indígena e a contribuição das TIs na conservação da biodiversidade e dos recursos hídricos da região. “Todos esses pontos são estratégias de educação ambiental do Projeto Berço das Águas e visam a sensibilização da sociedade”, completa Artema Lima.

Para a coordenadora em exercício do IFRO Vilhena, Clara Paula de Lima, essa atividade contribui para a formação intelectual e cidadã dos estudantes e é uma grande oportunidade para todos. “Existe muito preconceito entre os jovens. Muitos acham que só a sua forma de viver é verdadeira e válida. Tem gente que nem sabe que tem uma terra indígena tão perto de nós. Um momento como esse, quebra diversos tabus e é importante para que os nossos alunos conheçam e aprendam a respeitar e valorizar a cultura do outro”, afirmou Clara.

Debates, apresentações e troca de experiências

Nos períodos da manhã e da noite, a equipe da OPAN e indígenas participaram da mesa redonda “Realidade indígena e desafios contemporâneos”, no auditório do IFRO. A mesa foi composta por Erivelton Tawandê, presidente da Associação Kolimace, Valdir Sabanê, liderança comunitária e agente de saúde indígena, Loike Kalapalo, diretor da Escola Estadual Indígena Pirineus de Souza, e Fabiano da Matta, coordenador de campo do Projeto Berço das Águas, da OPAN.

Durante as discussões foram expostos os desafios enfrentados pelos indígenas cotidianamente, com destaque às pressões do agronegócio nas áreas do entorno das TIs e luta pela garantia de direitos básicos como saúde e educação de qualidade. Fabiano da Matta chamou atenção para a questão dos agrotóxicos, muito presentes na região. Segundo ele, as terras indígenas estão cercadas de lavouras de soja e milho, configurando-se como verdadeiras ilhas de preservação. Ainda assim, os defensivos químicos utilizados em larga escala nessas plantações contaminam o solo, as águas e afetam diretamente a vida dos povos indígenas. “Pode olhar de cima e ver que onde tem natureza viva é na terra indígena, e agora está ameaçada também pelo veneno”, completou Valdir Sabanê.

Atividade contou com público expressivo durante todo o dia.
Foto de Mel Mendes/OPAN

As conquistas e avanços do povo Nambiquara também tiveram espaço na atividade. Erivelton Tawandê falou sobre as ações da associação Kolimace e sua relação com a comunidade, destacando o apoio da OPAN na capacitação dos gestores da associação e na facilitação do diálogo com a sociedade não indígena. “Agora a gente está mais forte, pode elaborar projetos e lutar de forma mais organizada para conseguir benefícios para o nosso povo”, pontuou Erivelton.

Valdir Sabanê apresentou o Plano de Gestão Territorial da TI Pirineus de Souza, elaborado em parceria com a OPAN na primeira fase do Projeto Berço das Águas, em 2013, e a importância dele na mobilização comunitária e no planejamento da gestão territorial. Para ele, o plano de gestão é uma forte arma na luta pelos direitos indígenas e engloba todos os setores da vida da comunidade. “O plano foi construído coletivamente com reuniões, oficinas e mapas. Com a ajuda da OPAN pensamos no passado, em como é agora, e como a gente quer que nossa vida seja no futuro. Em todo lugar, toda reunião que a gente vai, dentro e fora da aldeia, sempre apresento o nosso plano de gestão e isso fortalece muito a gente”, afirmou com orgulho a liderança.

Loike Kalapalo explicou a origem, histórico e princípios da educação escolar indígena, bem como os desafios para a implementação de uma educação escolar de qualidade e de equilibrar os conhecimentos tradicionais e as influências da sociedade não indígena dentro da comunidade.

O público, cerca de 700 pessoas durante todo o dia, interagiu com perguntas e apontamentos gerando um rico debate. Evelyn Souza, 17 anos, estudante do curso Técnico em Edificações do IFRO Vilhena, destacou a riqueza desse momento como um espaço ímpar de aprendizado. “A gente ouve falar muita coisa, nem sempre positivas, sobre os indígenas. Aqui a gente pode conversar com eles diretamente, tirar dúvidas e aprender com eles. Nunca achei que teria essa oportunidade”, explica. “Ficaria muito feliz de conhecer a terra indígena e passar mais tempo com eles”, completa a estudante.

Para fortalecer a difusão de conhecimento, na ocasião foram distribuídos materiais pedagógicos elaborados pelo Projeto Berço das Águas, como o Plano de Gestão Territorial da TI Pirineus de Souza e os cadernos “Avaliação Ecossistêmica do Milênio e o pensamento indígena”, material construído por representantes indígenas dos povos Kayabi, Manoki, Myky, Nambiquara e Xavante na primeira fase do projeto, que expressa a visão dos indígenas sobre seu modo de vida, os conflitos que os ameaçam, suas propostas para enfrentá-los e seus sonhos.

Nambiquara apresentam cantos e danças do ritual da Menina-Moça. Foto de Mel Mendes/OPAN

No período da tarde, os Nambiquara apresentaram danças e músicas relacionadas ao ritual da menina-moça, festa tradicional de iniciação feminina, no auditório da instituição. Cerca de 200 estudantes acompanharam a apresentação, encantados com a beleza e diversidade de pinturas corporais e adornos. “Mesmo não entendendo a letra da música, a gente sente a força do ritual. A dança deles é muito bonita”, explicou Jefferson Silveira, 16 anos, estudante do Ensino Médio. “Mais do que cantar e dançar, é importante poder explicar pra eles o que é e que o ritual significa para a nossa cultura. Ver eles gostando deixa a gente cheio de orgulho”, diz Pedrinho Manduca, pajé da TI Pirineus de Souza.

Sementes e artesanato

Durante todo o dia, houve também exposição e venda de artesanato e mostras de sementes tradicionais do povo Nambiquara. Tatiana Sabanê conta que ficou feliz com o interesse das pessoas sobre seus produtos. “Foi bom ver como gostaram da nossa arte e da nossa cultura. A gente conseguiu falar com eles, contar do que é feito, como faz e o que significa cada peça dessa para nós. Isso valoriza nosso artesanato e nosso trabalho”, afirmou a artesã. “A gente vê esses produtos por aí, ou vê alguém usando um colar e acha bonito, mas não sabia de onde vinha. Hoje, a gente pôde conversar com os indígenas, aprender sobre os produtos e até observar como se usa o arco e a flecha”, conta a estudante Carolina Santos, de 18 anos. Além da beleza do artesanato, as sementes revelam a diversidade de espécies existentes nas terras indígenas, o modo de manejo dos povos e importância delas para a segurança alimentar e para a biodiversidade.

Artesanato e sementes nambiquara chamam atenção de estudantes do Instituto Federal.
Foto de Mel Mendes/OPAN

Parcerias para o futuro

Para a coordenadora do IFRO Vilhena, a grande participação dos estudantes demonstra interesse e possibilidade de outras atividades. “Estou bastante empolgada com essa parceria e com a presença dos indígenas aqui. O instituto valoriza ações de cidadania e conhecimento cultural”, afirmou Clara Paula de Lima.

“Os povos indígenas têm muito a contribuir. Eles também estão preocupados com a questão do clima, estão pensando seus territórios e o entorno deles e gerando conhecimentos que precisam ser considerados e difundidos”, reforça Artema Lima, da OPAN.

Erivelton Tawandê definiu aquele momento como “um dia que vai ficar muito tempo na memória”. Segundo ele, a atividade foi importante para abrir mais espaço para os indígenas no município e para apresentar seu povo e seu conhecimento dentro do espaço de formação. “Aqui é onde as pessoas se formam. Tenho certeza que saíram daqui pensando diferente. Se tiver oportunidade, vamos fazer de novo. A gente sai da nossa terra, aprende muito e ensina também”, concluiu o presidente da associação da TI Pirineus de Souza.

Conheça o site do Projeto Berço das Águas

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