O mestre naval
A maioria dos barcos que navegam pelo Juruá nasceu das mãos de seu Tendel, de Carauari.
A maioria dos barcos que navegam pelo Juruá nasceu das mãos de seu Tendel, de Carauari.
Por: Dafne Spolti/OPAN
Carauari-AM – “Meu lema era um dia construir um barco”, conta seu Francisco Wilson Ramos de Freitas, conhecido por todos como Tendel. Este senhor é um dos mais respeitados construtores navais do Médio rio Juruá, no Amazonas, com mais de 100 barcos fabricados no currículo. De 10 barcos que ele vê no rio, mais ou menos oito passaram pelas suas mãos. Ele se enche de orgulho para contar a história da profissão que escolheu, com obstinação e paciência.
Desde a infância, seu Tendel sempre gostou de barcos. Ele se escondia da dura realidade da exploração da seringa e brincava de fazer réplicas de embarcações a partir dos exemplares reais que circulavam nos rios, na região do município de Ipixuna, onde morava. Seguindo a necessidade do momento, assim que ficou mais moço, com 12 anos, foi trabalhar no seringal com os pais. Mesmo assim, manteve a intenção de construir barcos. Nessa época já começou a fazer algumas canoas acompanhando o avô.
Mas o primeiro barco é o que mais marca sua história. Aos 20 anos de idade, ele foi para Eirunepé passear e trabalhou um mês com um carpinteiro que seu pai conhecia, sem ganhar nada, vislumbrando um dia fazer seu barco. Demorou mais dois anos para concluir o trabalho. A imensa dedicação não foi suficiente para atingir o resultado esperado, mas abriu possibilidades para uma lição importante. O novo barco foi construído em Ipixuna no seringal em que sua família morava. Alguns carpinteiros resolveram conhecer o barco feito pelo rapaz. “Quando eles estavam chegando eu corri e me escondi lá debaixo de um monte de capim e fiquei lá escondido. Eu estava vendo eles, mas eles não estavam me vendo”, contou. Entre ramas, ele ficou observando e ouvindo o que diziam “O rapaz é inteligente, só que isso aqui era para fazer ‘desse jeito’”, diziam eles.
Ao escutar esta conversa, ele pôde conhecer uma peça fundamental para evoluir na sua técnica de construir barcos. “Eles colocando defeito e eu aprendendo”, contou sorridente. O problema era que a base do barco estava frágil. Faltava uma estrutura chamada sub-quilha, que faz a embarcação ficar forte para poder encarar o rio.
Apesar do aprendizado com seu primeiro barco, o jovem Francisco ainda teve que viver muitas coisas antes de decolar na profissão de construtor naval. Ele foi morar em Eirunepé, trabalhou como zelador de banco, depois numa carpintaria onde não permitiam que ele construísse nada. Voltou a trabalhar com seringa e, depois, em outro município da região, Itamarati, lecionou. Quando era pequeno, lá no seringal de Ipixuna, não perdia a oportunidade de tomar lição e sempre pedia aulas para os comerciantes que passavam na região aos finais de semana. Por isso, pôde ser professor. A experiência em sala de aula durou mais cinco anos, após um período em que trabalhou na agricultura.
Seu Tendel estava muito bem na nova profissão de professor, mas, como diz, lecionar também não era seu lema e, sim, construir barcos. “É incrível dizer para a senhora que eu deixei de trabalhar nesse tipo de coisa. Porque o meu saber é pouco, mas na época em que saí, tinham entrado uns professores com o mesmo saber que o meu, que lecionavam um mês e estudavam no outro e hoje todos são formados. Então eu poderia ter aproveitado aquele momento”. Contudo, a decisão estava tomada: iria começar a fazer chalanas de vez. Ficou nove anos em Itamarati e construiu 28 barcos nesse período.
Em Itamarati ele teve também uma história de 20 anos de casamento, mas ele e a esposa, que é mãe de seu filho mais velho, se separaram. Precisando tomar um novo rumo, veio para Carauari, onde também já estava sendo reconhecido pelo seu trabalho mesmo antes de chegar. Nesta cidade, teve mais uma filha que hoje está com sete anos. Atualmente seu Francisco Wilson está construindo quatro chalanas e quatro canoas para vigilância territorial e escoamento da produção do povo Deni do rio Xeruã. Ele acredita que os indígenas vão ficar muito felizes com as embarcações.
Elas serão usadas no projeto “Arapaima: redes produtivas”, que está sendo executado pela OPAN com recursos do Fundo Amazônia. A iniciativa apoia os arranjos produtivos de pirarucu e de produtos florestais não madeireiros de indígenas e extrativistas na região do Médio Juruá, no município de Carauari, e em Jutaí, no Médio Solimões.
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