OPAN

Madeireiros a solta

Estradas clandestinas para roubo de madeira retalham TI Manoki. Indígenas cobram homologação da área.

Estradas clandestinas para roubo de madeira retalham TI Manoki. Indígenas cobram homologação da área.

Brasnorte, MT – O povo indígena Manoki protocolou mais um enfático pedido de providências junto à Funai, Polícia Federal, Ibama e Ministério Público Federal para coibir o avanço do desmatamento em seu território tradicional, demarcado desde 2008. Segundo os índios, a última vez que houve fiscalização na área foi em fevereiro de 2012. Àquela época, 20% dos 206 mil hectares do território já estavam totalmente devastados pelo corte raso da floresta, num processo que não dava qualquer sinal de arrefecimento. De lá para cá, uma complexa e extensa rede de estradas clandestinas para roubo de madeira vem transformando todo o patrimônio ambiental e cultural da Terra Indígena Manoki em uma colcha de retalhos que adia cada vez mais a possibilidade do pleno usufruto do território pelos indígenas.

Em julho de 2013, um grupo de indígenas percorreu centenas de quilômetros dessas estradas. As principais permitem a passagem de pelo menos um caminhão em cada sentido, com bastante folga. São largas. A cada 20 ou 30 metros, uma via menor que adentra a floresta e as marcas de pneus no solo indicam a intensa movimentação de madeireiros, que reproduzem a famosa estrutura de “espinha de peixe”, estratégia muito bem sucedida para exaurir os recursos naturais da Amazônia desde os anos 70. “Ano passado, a gente andava por aqui no meio das árvores. Isso aqui era uma trilhazinha”, descreve o indígena Pedro Tamuxi durante uma expedição de vigilância na Terra Indígena Manoki.

Demarcada e aguardando homologação desde 2008, a Terra Indígena Manoki tem sido vítima de um acentuado processo de degradação florestal, que os satélites costumam não enxergar direito. Os grandes fragmentos florestais do território indígena não existem mais. De acordo com dados do Instituto Naciona de Pesquisas Espaciais (INPE), a TI Manoki é a quarta terra indígena mais desmatada de Mato Grosso.

Uma das estradas recentemente abertas segue no sentido do município de Nova Maringá, para onde o povo Manoki acredita que estejam sendo levadas as toras de madeira retiradas da terra indígena. Outra rota – já bastante conhecida e, ainda assim, pouquíssimo fiscalizada – sai da TI Manoki e desemboca na localidade de Mundo Novo, na MT-070. Os indígenas relatam com frequencia o trânsito deste tipo de veículo carregado de madeira no local. “Aqui no Cerrado não tem madeira. A única área de floresta dessas redondezas é a Terra Indígena Manoki”, afirma um indígena que preferiu não se identificar. “Pelo movimento que vemos, suspeitamos que a madeira esteja sendo serrada em Brasnorte ou em Nova Maringá”, diz Tamuxi.

Terra invadida

O movimento de motocicletas, carros baixos e caminhões na TI Manoki desafia as intenções dos indígenas de se reestabelecerem em seu território tradicional, garantido e demarcado cinco anos atrás. Apesar disso, a maioria das placas que indicam os limites da terra indígena foi alvejada por tiros ou retirada por madeireiros e fazendeiros, que comumente hostilizam os indígenas em expedições de vigilância, pescaria e estabelecimento de novas aldeias em pleno território. Por conta disso, para acessarem o rio do Sangue, principal curso d’água que banha a terra indígena e local essencial para caça e pesca, os Manoki precisam percorrer cerca de 100 quilômetros por fora de seu território porque consideram que atravessá-lo pode ser ainda mais perigoso, dada a intensidade das invasões para roubo de madeira.

Isso provoca uma situação inusitada. Em tese, os indígenas têm um território reconhecido e rico em recursos naturais para usufruir, fazer acampamentos para caçadas, pescarias e acessar locais sagrados. Mas alguns grupos acabam tendo que se deslocar a 50, 70 quilômetros das aldeias para realizar essas atividades em áreas isoladas de reserva legal de outras fazendas (que historicamente também pertenciam à sua área tradicional mas ficaram fora dos limites oficiais), o que demanda alto custo de combustível e alimentação. “Os fazendeiros dessas outras áreas às vezes aceitam a nossa presença porque a gente caça porcos e outros animais que estragam as lavouras e não estamos em disputa territorial direta com eles, mas são poucos que pensam assim”, relata o cacique geral do povo Manoki, Manoel Kanunxi.

A morosidade do processo de indenização de alguns fazendeiros e homologação da terra indígena têm encorajado os saques e a degradação generalizada da TI Manoki. “Na época e que área foi demarcada, ninguém andava por aqui. Mas a homologação tem demorado tanto que os madeireiros estão aproveitando para tirar tudo que podem. Eles tiram mais madeira nos finais de semana e durante as noites. Dentro da nossa terra, nem tudo é fazenda que precisa ser indenizada. Aqui, neste pedaço, ninguém é dono. Por isso eles tiram madeira mesmo”, conta Pedro Tamuxi. Os indígenas denunciam ainda numerosos focos de calor, reconstrução de pontes que permitem a entrada e saída de camihões da terra indígena, reabertura de estradas e novas áreas derrubadas. “Constatamos que as áreas de lavoura embargadas pelo Ibama em fevereiro de 2012 dentro da terra indígena, às margens do rio Membeca com o rio do Sangue se encontram em funcionamento”, dizem as lideranças que subscrevem a carta encaminhada às autoridades pedindo providências urgentes.

Como se não bastassem as ameaças e restrições à presença indígena no território Manoki, a comunidade vive às voltas do incremento dos impactos socioambientais na região, como a indisponibilidade de peixes nos rios Sangue e Cravari. Os dois principais rios da TI Manoki estão na rota de pelo menos sete empreendimentos hidrelétricos em fase de licenciamento, além da PCH Bocaiuva, em operação desde 2010, que reduziu drasticamente a diversidade e a quantidade de peixes no rio Cravari. Nenhum dos empreendimentos em fase de licenciamento realizou, até agora, Estudo de Componente Indígena junto ao povo Manoki.

Comunicação OPAN
(65) 3322-2980