Chamado de urgência
TI Rio Biá, Jutaí/AM – Quinze dias remando sem descanso pelo rio Biá são tudo que as famílias katukina que vivem na aldeia Surucucu têm para fazer diante da necessidade de uma saída emergencial da comunidade em busca de atendimento de saúde. O polo base mais próximo fica na aldeia Boca do Biá, para onde na semana passada foi levada uma mulher com notícia de ter sofrido uma picada de cobra. Ela foi atendida em pouco mais de 24 horas porque há cerca de dez dias a OPAN instalou um sistema de radiofonia, inaugurando um novo tempo em que os moradores do Surucucu poderão se comunicar com mais agilidade.
Graças ao recém instalado aparelho, indígenas puderam avisar a equipe do polo sobre o acidente. Mas, na Boca do Biá, não havia barco nem combustível para o resgate. Sensibilizados pelo chamado, os indigenistas que estão na região executando o projeto “Arapaima: redes produtivas”, deslocaram uma voadeira viajando por um dia e uma noite para ajudá-la. Felizmente, a indígena Konson Boneca Katukina passa bem.
O caso que gerou grande mobilização é rotina entre os Katukina. Na aldeia Surucucu, onde vivem nove famílias, alguns indígenas dizem que nunca receberam atendimento do Distrito Sanitário Especial de Saúde Indígena (DSEI) Médio Solimões e Afluentes, sediado em Tefé. Outros afirmam que houve visita há mais de dez anos.
Hoje, para chegar até o Polo Base Boca do Biá, na Terra Indígena Rio Biá, os Katukina da aldeia Surucucu, conhecida como Terra Alta, precisarim remar durante 15 dias. Passariam por troncos e galhos atravessados no rio, milhares de meandros, mosquitos, sol, chuva. À noite fariam acampamento na floresta e atravessariam todas as outras aldeias da terra indígena: primeiro a Janela, Sororoca, Gato e, por fim, Boca do Biá, onde é o polo. Com o motor rabeta, o tempo é de cerca de cinco dias. Mas, uma emergência, isso ainda é demais. “Mora muito longe, gasta muita gasolina, muito longe, aí não dá”, diz João Surucucu Katukina, o ancião da aldeia, um dos únicos que têm noções de português na comunidade.
Enquanto para João Surucucu o tempo até a Boca do Biá seria na escala de dias, para as equipes do DSEI, que atuam com motores 40 hp e 115 hp, o tempo diminuiria para 12 e 5 horas respectivamente, na época das chuvas. Com relação aos custos dessa viagem, é preciso contar com pelo menos 380 litros de gasolina, o que representa cerca de R$ 1.500.
O desafio da comunicação
O sistema de radiofonia adquirido pela OPAN e instalado na aldeia Surucucu faz parte das ações previstas para o fortalecimento das cadeias de produtos florestais não madeireiros, como andiroba, cipó-titica e copaíba e ao apoio a vigilância territorial, realizadas pelo projeto Arapaima e executado com recursos do Fundo Amazônia. O projeto entregou também na aldeia Surucucu uma chalana e um motor Yanmar 5 hp a diesel para apoio ao escoamento da produção da comunidade – equipamentos que podem ser úteis também para o apoio a emergências em local tão remoto.
As aldeias Santa Cruz, Bacuri (também bastante distantes do polo) e Sororoca ainda não possuem o sistema de comunicação. Quando precisam de atendimento, os indígenas dessas comunidades têm que ir até a aldeia Janela para fazer o contato via radiofonia.
O investimento no aparelho, que requer baixa manutenção, pode salvar vidas em contextos como os da Terra Indígena Rio Biá. “As instalações das radiofonias garantem às comunidades o mínimo de comunicação entre as aldeias e, quando necessário, com a cidade, além de ser uma ótima ferramenta para manter contato com outras aldeias e outros povos. Conseguem saber o que está acontecendo nas outras regiões, se articular entre as aldeias para combinar pescarias, caçadas, roçados e rituais. Também contribui para informar os órgãos responsáveis sobre as questões de saúde, educação e invasões que sofrem em suas terras”, explica Vinícius Benites Alves, coordenador do Projeto Arapaima, da OPAN.
Além da mulher que sofreu a picada, outros casos graves de enfermidades no Surucucu não são sequer registrados pelas equipes de atendimento à saúde indígena, como é o caso da criança que está com malária e só vem recebendo tratamento porque coincidentemente a OPAN esteve na comunidade e pôde levar a família à aldeia Gato, onde foi atendida pela Fundação de Vigilância em Saúde. Vinculada ao Ministério da Saúde, a fundação tem um projeto específico sobre contenção da malária no local, que é considerado áreas endêmica. No mês de outubro, a aldeia Gato contabilizou 24 casos da doença e mais 36 até o dia 14 de novembro de 2015.
“O que acontece no Biá é comum em toda a Amazônia. Quando existem outros projetos acontecendo na mesma região, só há êxito quando todos se ajudam”, considera Ivar Busatto, coordenador geral da OPAN.
João Surucucu contou que tem muita gente com diarreia na aldeia, mas ele acredita que as coisas vão melhorar. “Agora a gente fala, tem rádio e dá para chamar Boca do Biá”, disse. O DSEI Médio Solimões e Afluentes, já sinalizou que o trabalho vai ser feito e abrangerá o Surucucu.
No último dia 15 de novembro houve uma reunião do Conselho Distrital de Saúde (Condisi) na comunidade do Castanhal, do povo Kanamari, quando o atendimento à aldeia Surucucu foi ponto de discussão. “Vai estar tudo na ata da reunião para que a equipe possa ir uma vez por mês visitar a aldeia da Terra Alta”, garantiu Obede da Silva Maricaua, do povo Kokama, que trabalha com controle social no conselho local de saúde desde o DSEI em Tefé. “Começamos a fazer visitas no Igarapé Preto e isso vai permanecer, da mesma forma como a gente agora quer fazer com os Katukina”, completou.
Narciso Cardoso Barbosa, coordenador do DSEI Médio Solimões e Afluentes, confirma que os moradores do Surucucu não eram mesmo atendidos pela unidade de Tefé, reconhecendo a carência de equipes e estrutura. “Estamos fazendo conversas com parceiros como a OPAN para fazer entradas compartilhadas e assim otimizar recursos, incluindo isso na nossa rotina. Precisamos agora montar uma agenda”, diz o coordenador.
De acordo com ele, 50 sistemas de radiofonia têm sido instalados em áreas remotas dentro da abrangência dos 14 municípios atendidos pelo DSEI, que conta com 35 equipes. “Para atender o Surucucu, Igarapé Preto e Jarinal teríamos que ter mais uma equipe para não deixar as outras áreas descobertas. Isso está previsto, mas estamos num momento de crise, com redução de recursos ou limitação de investimentos”, explicou.
* Com a colaboração de Andreia Fanzeres.
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