OPAN

Artigo: Mineração criminosa

A mineração na Amazônia se transformou em crime de lesa-pátria. Artigo de Egydio Schwade.

Por: Egydio Schwade*

No dia 18 de novembro de 2015 o jornal A Crítica, de Manaus (AM) alertou: “dez barragens de mineração inseguras se localizam no Amazonas.” Trata-se de 10 barragens de contenção da Mineradora peruana Minsur, dona da Mineração Taboca (Grupo Paranapanema), no município de Presidente Figueiredo, na Reserva dos índios Waimiri-Atroari.

Em 1985, como membro da Operação Amazônia Nativa (OPAN), do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e integrante de um grupo de trabalho da Fundação Nacional do índio (Funai), fui testemunha da poluição que a mineradora joga no Igarapé Tiaraju, afluente do rio Alalaú, veia aorta do Reserva Waimiri-Atroari e através dele no Rio Negro. Nos anos seguintes, de 1987, 1989, 1990, 91 e 92, as coisas ainda pioraram muito com o rompimento sucessivo de barragens de contenção.

No dia 29 de abril de 1993, segundo denunciou o Cimi ao jornal A Crítica, rompeu uma “barragem de rejeitos de lavagem de cassiterita, atingindo o igarapé (Tiaraju), prejudicando 150 índios e outros 450 que vivem na região. O rompimento da barragem de contenção de minérios na Mina do Pitinga é grave e deve preocupar toda a sociedade porque há informações de que a empresa deixou vazar, inclusive minérios radioativos que podem causar danos irreversíveis ao meio ambiente”.

Nesta ocasião suspeitou-se, inclusive, de que a mineradora sequer tomou providências para corrigir, na fonte, o vazamento. Convém observar que um ano antes a empresa foi acusada de abrigar 5.000 toneladas de lixo atômico, trazido de fora e superficialmente enterrado no rio Pitinga. Os dirigentes da Mineração Taboca sempre foram mestres em avançar os seus interesses, enganando a opinião pública e agredindo os seus contestadores com mentiras ou meias verdades.

Em reportagem recente à TV A Crítica, dirigentes da empresa qualificaram a sua ação no rio Pitinga como não tendo nenhum risco. Mostraram imagens do rio. Falaram do rompimento de barragem ocorrido na hidrelétrica localizada naquele rio, desabitado depois que as aldeias Waimiri-Atroari e Piriutiti foram exterminadas. E “o rio desagua no lago de Balbina. Portanto, não existem prejuízos sociais.” A questão, porém, é bem outra. A área de atuação mineral da empresa, não se dá na bacia do Pitinga, mas na do rio Alalaú. É ali que estão os riscos. Os rejeitos minerais atingem o rio Alalaú, Jauaperi e o Rio Negro…

Com uma meia verdade semelhante os dirigentes da empresa se apossaram em 1981 de 526.000 hectares da reserva Waimiri-Atroari. Criaram um problema de toponimia em relação ao Rio Uatumã. Deram o nome Pitinga ao rio Uatumã e “milagrosamente transferiram” o seu leito uns 50 km para dentro da Reserva Indígena. E com o auxílio de funcionários corruptos da Funai conseguiram “provar” a sua tese. Como consequência, o Ditador-Presidente João Figueiredo editou um decreto que passou à Paranapanema uma imensa fortuna. Na sequencia criou-se o município de Presidente Figueiredo: uma homenagem ao feito!

Aqui na cidade de Presidente Figueiredo, diante dos meus olhos, saem diariamente em torno de 300 caçambas de minério, fora o que sai em containers. É escoado de brita até ouro, cassiterita, minérios radioativos, minérios estratégicos, colúmbio, criolita, tântalo, nióbio. Nunca vimos uma carreta estacionar aqui no único posto da Secretaria do Estado da Fazenda (Sefaz-AM) existente no trecho Pitinga-Manaus. E onde podemos encontrar o registro, informações sobre conteúdo, valor e quantidade desse minério exportado?

Sobre a exploração da mina do Pitinga escreve o Dr. José Aldemir de Oliveira, Geógrafo, ex-reitor da Universidade Estadual do Amazonas (UEA) e professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), em seu livro “Cidades na Selva”: “Quanto ao volume arrecadado parece estar muito aquém do devido, em decorrência da sonegação  e da inércia do Estado que não criou mecanismos de fiscalização. Em 1991, a Associação Profissional dos Geólogos do Amazonas estimou a perda de receita, somente no projeto Pitinga, da ordem de US$ 63 milhões.”

E adiante continua: “Um funcionário da Sefaz,  descreveu o mecanismo de fiscalização: ‘Não sabemos na verdade quanto nem o que está sendo transportado nas carretas. Elas nunca foram paradas para serem fiscalizadas. Mesmo que parássemos as carretas e fiscalizássemos, teríamos dificuldades para identificar se o minério que a empresa diz ser cassiterita realmente o é. Então não fazemos nenhuma fiscalização. Mensalmente, um funcionário da Taboca (empresa que explora o minério) nos telefona comunicando o número da guia e o valor correspondente que eles recolheram ao Banco referente ao imposto'”. 

Esta consciente omissão do Estado vem acompanhando a exploração mineral em toda a história do Brasil. Recentemente, às vésperas de completar 79 anos, acompanhei um grupo de 13 guerreiros Yanomami, quatro funcionários da Funai e três pessoas ligadas a um canal de Televisão. Os Yanomami nos levaram para testemunhar a destruição que fariam de dois garimpos e prisão dos garimpeiros em seu território demarcado e homologado. Os índios fizeram o que o Estado, o Exército deveria fazer: destruir os garimpos ilegais, prender os garimpeiros, abrir-lhes os horizontes para entenderem o crime que está por detrás de sua atividade e soltá-los com o pedido de que não voltem mais e a ameaça de que se retornassem sofreriam represália maior. Senti que a maioria desses pobres garimpeiros são pontas de lança de empresas criminosas e acredito que entenderam a lição e em sua maioria não voltarão mais. Em Boa Vista todos sabem quem são os mandantes desses garimpos. Por que não são presos?

O deputado estadual do Amazonas Sinésio Campos propõe “trabalhar a exploração mineral em Terras Indígenas no Amazonas nos moldes da mineração praticada pelos indígenas no Canadá”. Proposta, no mínimo, cínica. Se o deputado tiver dúvidas peço que leia a revista National Geographic de março 2009: “O Boom do Petróleo no Canadá: Terra Devastada”. Leia e interprete o texto com serenidade. Veja o destino que foi imposto aos Chipewyan e Cree com a invasão de sua terra (onde até 1963 viveram felizes e sadios) pelas empresas de betume Syncrude e Suncor. É por esse caminho que as mineradoras vão levar os povos indígenas da Amazônia.

 A questão mineral em toda a região amazônica se transformou em um crime de lesa-pátria. A entrega dos minérios à exploração privada transformou esta atividade em uma ação criminosa contra o povo brasileiro e em especial contra as populações amazônicas. Não é apenas a Paranapanema que explora o minério sem compromisso social algum. De forma não menos criminosa é explorado o minério pela Vale do Rio Doce, irresponsavelmente privatizada. Já não falo do crime cometido em terras mineiras. Leia-se: “Mineração e Violações de Direitos – O projeto Ferro Carajás S11D, da Vale S.A.”, relatório da Missão de Investigação e Incidência, de Cristine Faustino e Fabrina Furtado (2013). A irresponsabilidade é parte essencial dessas mineradoras.

A mineração precisa ser urgentemente interrompida em todo o território nacional.   Necessita ser replanejada em função de seu objetivo principal, ou seja, dos benefícios que deve trazer às comunidades locais e ao país e não apenas para uma elite de corruptos, como desde o Brasil Colônia vem ocorrendo, deixando para as populações locais apenas os problemas e os prejuízos.

Casa da Cultura do Urubuí, 24 de fevereiro de 2016.

*Egydio Schwade, fundador da OPAN.

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