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Nem mais uma hidrelétrica na Amazônia

Povos denunciam irregularidades na construção das usinas.

Povos denunciam irregularidades na construção das usinas.

Por: Giovanny Vera/OPAN

Brasília (DF) – “Vocês vivem sentados aí sem saber o que está acontecendo lá na Amazônia”, foram as palavras incisivas de Alessandra Korap da Silva, indígena Munduruku, aos representantes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Ministério de Minas e Energia (MME) que participaram do seminário “Hidrelétricas na Amazônia: Conflitos Socioambientais e Caminhos Alternativos”, neste mês de dezembro em Brasília.

“Fazer no papel é fácil, quero é ver vocês saindo daqui, indo lá onde nós moramos, onde vivemos num rio limpo, com uma mata cheia de bichos, onde a floresta é o nosso supermercado, que nos dá tudo”, disse ela à Raul Trindade, Coordenador Geral de Infraestrutura e Energia Elétrica do Ibama e à Thomaz Mazaki de Toledo, Chefe da Assessoria Especial em Gestão Socioambiental do MME. Alessandra, que também é chefe das mulheres do médio Tapajós, veio de longe, de Itaituba, no Pará, para chegar em Brasília e poder discutir os impactos das hidrelétricas sobre populações tradicionais da Amazônia.

A discussão aconteceu na Câmara dos Deputados, que no dia seis de dezembro de 2016 reuniu representantes da sociedade civil, povos indígenas, ribeirinhos, parlamentares e governo para debater as barragens e seus impactos. Também foram identificados os problemas recorrentes e as medidas para avançar na construção de políticas públicas que incorporem a sustentabilidade, de acordo com as necessidades amazônicas.

Um dos principais temas discutidos foram os impactos do modelo energético promovido pelo governo federal, focado na geração de energia a partir de hidrelétricas, com a consequente corrida pela construção de novas barragens na Amazônia. “Não podemos aceitar argumentos como que se tem que produzir mais e mais energia. Precisamos trabalhar sério a questão das alternativas”, acredita Ivo Poletto, assessor do Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social e Membro da Coordenação da Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil.

Representantes do Ibama e do Ministério de Minas e Energia foram questionados sobre o licenciamento e necessidade de mais hidrelétricas na Amazônia. Foto: Giovanny Vera/OPAN

Para Ivo, as políticas energéticas do país são definidas a partir de interesses internacionais, onde não aparecem alternativas possíveis no Brasil, como a energia solar, apesar das capacidades de produção. “A área menos favorável à incidência solar aqui é quatro vezes mais produtiva que a Alemanha”, exemplificou. Segundo ele, a política nacional energética está criando graves conflitos socioambientais, e é necessário colocar em avaliação o que foi feito até agora.

Conflitos com as populações das regiões onde são construídas as barragens são fatos corriqueiros, lembrados por todos e cada um dos participantes do seminário.

Povos invisíveis

Representantes dos povos indígenas reclamaram da invisibilidade deles frente aos grandes projetos de infraestrutura como as hidrelétricas, ressaltando que o governo toma decisões sem consultar os habitantes das regiões que serão afetadas. “Pedimos que a nossa voz seja ouvida, que o genocídio de nossos povos não continue”, exigia Cleide Adriana Terena, da Terra Indígena Tirecatinga, em Mato Grosso, ao deputado Nilto Tatto, representantes do Ibama e Ministério de Minas e Energia.

Já Alessandra Munduruku resumiu a invisibilização com o próprio fato de eles estarem em Brasília para participar do evento. “Não deveríamos ter necessidade de sair de casa para provarmos que existimos. Como se lá não tivesse vida. Lá existe vida, eu sou uma prova disso, todos os povos que vivem na Amazônia são prova disso”, concluiu ela, não sem antes prometer luta para se defenderem, para “defender o nosso território, o nosso rio, e defender a nossa floresta”.
 
Esta situação é resultado do descumprimento sistemático da legislação ambiental e indigenista porque o “direito à consulta prévia aos povos atingidos está consagrado na Constituição”, assegura Felício Pontes, procurador da República do Ministério Público Federal (MPF).
 
De acordo com ele, são pelo menos 30 hidrelétricas previstas para os próximos 50 anos na Amazônia, e todas elas atingirão, em alguma medida, povos indígenas, quilombolas ou tradicionais. Por isso, o primeiro passo, antes mesmo do início do processo de licenciamento ambiental, deve ser a consulta prévia. “Não pode ser qualquer consulta, tem que ser de acordo com o modo de vida tradicional de cada povo”, explicou o procurador. “Queremos que o direito não seja um direito de papel, que seja um direito de verdade”.
 
Antônia, Alessandra e Raimunda relembraram suas experiências de luta contra as hidrelétricas na Amazônia e seus impactos. Foto: Giovanny Vera/OPAN
Infelizmente os exemplos da falta de respeito do governo federal e das empreiteiras que constroem as hidrelétricas perante aos povos tradicionais é evidente e permanente, se queixou a coordenadora do Movimento Xingu Vivo para Sempre, Antônia Melo. “Nossa realidade pouca gente olha. As autoridades não assumem responsabilidade por estes projetos, que destroem a vida dos povos e o meio ambiente”.
“É insuficiente o diálogo com os povos afetados por esses empreendimentos na fase de planejamento energético e dentro do processo de licenciamento”, disse Andreia Fanzeres, coordenadora do programa de Direitos Indígenas da OPAN. Por isso, segundo ela, é em espaços de discussão como o seminário que se colocam frente a frente comunidades impactadas e tomadores de decisão.

“Eventos como este são oportunidades de aprendizado, seja para nós da sociedade civil ou para o governo, sobre as reais consequências da instalação de hidrelétricas na Amazônia. O respeito e a verdadeira escuta às comunidades poderiam evitar grandes tragédias socioculturais e ambientais como as de Belo Monte, que infelizmente hoje são exemplos do que não fazer na região”, afirmou Fanzeres.

Mudança de rumo energético

De acordo com o coordenador do Instituto Centro de Vida (ICV), Sérgio Guimarães, a única alternativa que tem o governo federal é voltar a fazer o planejamento energético para a produção de energia no país. “Lamentavelmente com as grandes obras, como Belo Monte, ficou provado que elas foram feitas principalmente para viabilizar a corrupção, e que a produção de energia diante do investimento é muito baixa”, disse.

Sérgio Guimarães propõe que o governo federal aposte por um planejamento energético baseado em energias renováveis não hídricas, como eólica e solar. Foto: Giovanny Vera/OPAN
Para Guimarães, o Brasil deve se abrir para formas de produção de energia mais baratas, mais viáveis, que não impactem às comunidades, aproveitando o potencial das energias renováveis não hídricas, como a energia solar e a eólica.  Com essas tecnologias, será possível “atender a demanda de energia da população brasileira sem impactar povos e biomas, que tem um valor imenso não só para o Brasil, mas para todo o planeta”, assegura o coordenador do ICV.
 
O governo federal está preocupado pela renovação com fontes de energia não hídricas, afirmou Eduardo Azevedo, secretário de planejamento e desenvolvimento energético do Ministério de Minas e Energia. Porém, a dificuldade é que elas são intermitentes, já que “mil quilômetros quadrados de energia de fonte solar atenderia toda a necessidade de demanda do país, mas só tem de dia e temos de fazer a complementaridade”, explicou. “Temos de pensar em hidrelétricas, não necessariamente na Amazônia”, sentenciou.
 
Apesar da triste realidade que vivem os povos indígenas e tradicionais, oprimidos e afetados pelas grandes empreiteiras e pelo próprio governo com a construção de hidrelétricas, eles também querem outras alternativas. “Não somos contra o desenvolvimento, mas existem várias maneiras de produzir energia, não acabando com a natureza que é o nosso pai e a nossa mãe”, disse o cacique Gilliard Juruna, da Terra Indígena Paquiçamba, no Pará.
 
E a decisão deles já foi tomada. Durante o evento em Brasília, várias foram as vozes contra a construção de novas hidrelétricas. “Nem uma barragem mais na Amazônia”, concluiu Antônia Melo.
 

Manifesto público de organizações da sociedade civil

Após o evento, um manifesto público foi assinado por mais de 40 movimentos dos povos indígenas, ribeirinhos, pescadores e agricultores da bacia amazônica e organizações da sociedade civil do Brasil, Colômbia, Equador, Bolívia e Peru. Neste documento foram expressos os questionamentos e reivindicações surgidas durante o debate, que são dirigidos aos Ministérios de Meio Ambiente e de Minas e Energia, à Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e ao poder executivo.

Leia o manifesto aqui 

 

Contato com a imprensa

Giovanny Vera
gio@amazonianativa.org.br
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