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O avanço da COP24 foi indígena

Países reconhecem importância do conhecimento tradicional e da participação indígena nas discussões sobre mudanças climáticas.

Por: Andreia Fanzeres/OPAN

Katowice, Polônia – Foram duas semanas de tentativas de negociações para o estabelecimento de mecanismos concretos para a implementação do Acordo de Paris, que alcançou um compromisso de manter o aumento da temperatura média do planeta em menos de 2 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais. A 24ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP24) terminou com pelo menos uma boa notícia: a aprovação do texto para o início da operacionalização da Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas. Até a primeira semana da conferência, aquele havia sido um importante êxito da COP24. No fundo, podia ser o único.

Definida durante a COP21, que aconteceu em 2015, a plataforma tem como objetivo tornar-se um espaço para fortalecer o conhecimento tradicional das comunidades locais e povos indígenas no mundo, ampliar a sua participação nas discussões climáticas e implementação de políticas e ações. Desde então, foram três anos de intensas discussões para que a plataforma saísse do papel. Com a decisão de Katowice, aprovou-se a criação de um grupo de trabalho facilitador, que deverá se reunir pelo menos duas vezes ao ano. A medida encoraja, também, que os países membros da convenção apoiem espaços como este nas esferas nacionais.

O grupo de trabalho facilitador da plataforma será composto por 14 representantes, sendo um do governo de cada um dos cinco grupos regionais das Nações Unidas, outro de um pequeno Estado insular em desenvolvimento, além do de um de país menos desenvolvido. As organizações dos povos indígenas terão sete cadeiras para representarem cada uma das regiões socioculturais indígenas das Nações Unidas. A plenária do Órgão Consultivo da ONU para Ciência e Tecnologia (Substa, na sigla em inglês), aprovou, ainda, o acréscimo de pelo menos três representantes de comunidades locais, assim como a implantação de um processo para a escolha desses representantes com um número equivalente das Partes.

Juan Carlos Jintiach Arcos, coordenador técnico da Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (Coica), lembra que o movimento indígena está desde 1992 se esforçando para vincular o debate climático às salvaguardas aos direitos humanos. “Este foi apenas um passo, mas é importante para a operacionalização do Acordo de Paris. Somos nós, os indígenas, que estamos fazendo alguma coisa”, afirmou. Nas palavras de Juan Carlos, a plataforma será um órgão de assessoramento com relevância, como o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) para os cientistas. “Esse será o nosso IPCC”, conclui.

Participação dos indígenas do Brasil

Para ele, é muito importante que os povos indígenas venham para a COP ver o que o seu Estado está propondo, pois este deve ser um processo do local para o global. “Muitas delegações indígenas estão nos ajudando a conversar com os negociadores dos países e o Brasil tem sido muito importante nesse processo”, considera Juan Carlos Jintach. “Devemos incidir mais na plataforma indígena por meio de uma relação mais próxima com a Coica. Desta maneira teremos um maior impacto nas discussões das conferências do clima”, avalia Sonia Guajajara, coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). Desde 2017, além dos povos indígenas do Brasil, diversas organizações apoiadoras da sociedade civil e a Funai têm se dedicado no acompanhamento das discussões da plataforma para que os brasileiros tenham melhores condições de incidirem neste processo.

Coica, Coiab, Midia Índia e Rede Juruena Vivo representados.
“Esperamos que as comunidades locais e indígenas possam contribuir mais nas discussões sobre o clima. Isso foi o resultado de um grande esforço de flexibilidade e compreensão”, pontuou a China, referindo-se ao extenuante processo de negociação que antecedeu a primeira semana da conferência em Katowice. “Foi um desafio e uma grande responsabilidade”, reconheceu Geert Fremout, Conselheiro de Políticas sobre Mudanças Climáticas, da Bélgica. Os membros do Fórum Internacional de Povos Indígenas sobre Mudanças Climáticas, instância da Convenção do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), conhecido como Caucus Indígena, ficaram tão satisfeitos com o desfecho que, no dia 7 de dezembro, nominado Dia dos Povos Indígenas na COP, homenagearam todos os negociadores por terem conseguido concluir esta etapa.Canadá, Equador, Noruega e diversos outros países fizeram questão de destacar a importância da aprovação de mais esta etapa da plataforma. “Foi um processo de negociação aberto. A plataforma é um sistema inovador das Nações Unidas e reconhece o direito de participação das comunidades nos assuntos que as afetam diretamente”, pontuou o México. Pelo menos, é o que se pretende.“Os povos indígenas precisam ser parte da solução para as mudanças climáticas. Vocês têm o conhecimento tradicional dos seus antepassados. O valor desse conhecimento simplesmente não pode – e não deve – ser subestimado. Vocês são também essenciais na busca por soluções hoje e no futuro. O Acordo de Paris reconhece isso. Reconhece seu papel na construção de um mundo que é resiliente diante dos impactos climáticos”, discursou a secretária executiva da Convenção da ONU para as Mudanças Climáticas, Patrícia Espinosa.

 

De acordo com Nara Baré, coordenadora geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), os indígenas realizaram uma relevante costura política com os negociadores brasileiros. “Só de reconhecerem nossos conhecimentos tradicionais para o equilíbrio do clima é um avanço, mas historicamente nunca se deu importância pra isso. Quando os dados científicos começaram a mostrar que os conhecimentos tradicionais são validados, houve um outro olhar”, diz Nara. Mas, principalmente no caso do Brasil, isso não é o bastante. “Não adianta só falar aqui sem fazer o trabalho de casa. Precisam ser implementadas nos países políticas públicas para que as decisões sobre o clima virem realidade.

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