Lideranças indígenas debatem impactos das hidrelétricas em evento internacional sobre clima
Povos já sentem os efeitos do aumento das queimadas, de empreendimentos hidrelétricos e do desmatamento em suas aldeias.
Por Beatriz Drague Ramos/OPAN
Entre os grandes espaços de debate organizados para chamar a atenção da sociedade em 2021 está a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-26). A conferência foi adiada devido à pandemia, mas sua agenda de temas já começou a ser debatida. No último sábado (15), o encontro virtual “Falsas soluções para o clima: Hidrelétricas” reuniu lideranças indígenas e representantes da sociedade civil para discutir o impacto dos empreendimentos de energia na vida dos povos tradicionais e no meio ambiente.
Diretamente da aldeia Praia do Índio, na Terra Indígena Sawré Muybu, localizada em Itaituba (PA), Alessandra Korap, do povo Munduruku, participou do painel e destacou a cadeia de impactos sobre o meio ambiente e a forma de viver dos povos indígenas, quando surge um novo projeto hidrelétrico. “Quando começam a falar que vão construir um projeto no território, a gente não consegue mais dormir, pois a qualquer momento podemos ser expulsos, a qualquer momento o território pode ser alagado, a qualquer momento não vai ter peixe para comer, não vai ter fruto para tirar da natureza. Todos os projetos que tiram o nosso bem viver nos matam por dentro”, resumiu a liderança que luta contra a invasão dos grandes empreendimentos no rio Tapajós.
Tipuici Manoki, que vive na aldeia Treze de Maio, na Terra Indígena Irantxe, localizada na região noroeste do estado de Mato Grosso, representou a Rede Juruena Vivo no evento e revelou que há falta de segurança jurídica com relação às regras que permeiam a construção de hidrelétricas no entorno de territórios indígenas. “No Brasil, a flexibilização da legislação ambiental para a liberação dessas usinas é bastante grande. Os empresários se sentem liberados para construir mais usinas hidrelétricas de pequeno porte a cada dia no entorno dos territórios indígenas e até mesmo fazem estudos em lugares sagrados”, afirmou.
O comportamento da natureza denuncia a série de ameaças que a negligência administrativa e as más escolhas na adoção de políticas públicas têm causado ao ambiente. O Pantanal já registra recorde de queimadas em 2020, com 21.115 ocorrências. Este é o maior número da série histórica. Até então, a máxima registrada foi em 2005, quando foram contabilizados 12.486 focos de fogo na região, de acordo com dados do INPE divulgados no dia 1º de novembro.
José Parava, conselheiro fiscal da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt), da regional Vale do Guaporé, relata as dificuldades enfrentadas em seu território. “Esse ano, a queimada foi bem grave na nossa terra. Isso impactou diretamente nossa vida, nossa cultura. Quando o fogo entra, não tem caça, não tem pesca e as plantas que utilizamos para fazer o remédio, perdemos. Não está sendo fácil nos adaptar diante dessa situação.”
Já no estado do Amazonas, houve um aumento de 25% de queimadas na floresta nos primeiros 10 meses de 2020, em comparação a 2019, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
Com isso, as mudanças climáticas alteram as estações e, assim, os povos nem sabem quando contar com as chuvas para refazer suas roças, situação que agrava o cenário de insegurança alimentar, como explica Wanen Kanamari, da aldeia Taquara do município de Carauari, no estado do Amazonas. “Dá pra sentir na pele, havia meses que sabíamos que ia chover e agora está totalmente diferente, não chove mais naquele mês. Isso nos faz mudar costumes, como os rituais que sempre fazíamos. Tem prejudicado a nossa imunidade, a maioria dos povos está se alimentando com produtos que não são naturais, com alimentos da cidade. É uma dor inexplicável”, lamenta.
Articulação em rede
Traduzir os efeitos negativos das mudanças climáticas em pautas transformadoras e concretas é um dos desafios dos indígenas. Por isso, esses povos vêm trabalhando a cada ano de forma mais sincronizada, sobretudo após a extinção da Câmara Técnica de Mudanças Climáticas (CT-MC), órgão auxiliar do Comitê Gestor da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), pelo governo federal.
A Câmara contribuia com a incidência de representantes indígenas e indigenistas nos espaços de governança relacionados ao tema de mudança do clima e de gestão territorial e ambiental de terras indígenas. O órgão também atuava com propostas e assessoria técnica aos membros do comitê na identificação e sinergia entre políticas, programas e iniciativas.
Segundo Toya Manchineri, coordenador de Área de Território e Recursos Naturais da Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (Coica), uma das principais pautas do movimento indígena continua sendo a demarcação dos territórios. “Se o Estado não respeitar o direito ao acesso à terra dos povos indígenas, como discutir mudanças climáticas? Outro tema importante é a participação dos povos indígenas no acesso direto aos fundos climáticos, porque até o momento quem acessa os recursos do clima são os Estados nacionais e subnacionais”.
Apesar das dificuldades, Toya afirma que a união dos povos indígenas e dos movimentos sociais tem sido a forma encontrada para driblar os efeitos do desmonte de órgãos importantes não é simples. “Não tem sido fácil tratar de qualquer pauta no atual governo, principalmente se tratando desses temas. Estamos buscando unificar a nossa luta e contrapor a política nefasta de Bolsonaro com vários segmentos. Ao mesmo tempo, estamos denunciando o governo em âmbito nacional e internacional. A Coica tem contribuído muito, promovendo a ida de lideranças indígenas da bacia amazônica para tratar de temas diversos como clima, diversidade biológica, direito humanos, em outros países”.
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